Descrição de chapéu
John Gapper

AB InBev precisa desafiar a guerra cultural da Bud Light

Boicote da direita nos EUA à cerveja por usar influencier trans Dylan Mulvaney é principalmente espuma

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

John Gapper

Colunista de negócios do FT Weekend. No jornal desde 1987, foi comentarista-chefe de negócios e editor de opinião e análise do jornal. Já trabalhou em Londres, Nova York e Tóquio, e cobriu bancos, mídia e tecnologia e emprego

Financial Times

A Anheuser-Busch anunciou esta semana que dois executivos saíram de licença depois que um comercial da Bud Light envolvendo Dylan Mulvaney, uma atriz transgênero e influenciadora no TikTok, se tornou a mais recente batalha na guerra cultural dos Estados Unidos. O destino deles causará calafrios em muitos outros profissionais de marketing.

"Nunca pretendemos fazer parte de uma discussão que divide as pessoas. Nosso negócio é reunir pessoas para tomar uma cerveja", declarou anteriormente o executivo-chefe da Anheuser-Busch, Brendan Whitworth. Bem, boa sorte com isso. As vendas da Bud Light despencaram depois que políticos de direita e celebridades a condenaram por ser uma empresa "woke" e boicotaram a marca.

Tudo começou inocentemente, com Mulvaney postando um vídeo divertido para seus 1,8 milhão de seguidores no Instagram. "Neste mês, comemorei meu 365º dia de feminilidade e a Bud Light me enviou possivelmente o melhor presente de todos, uma lata com o meu rosto", disse ela. A Anheuser-Busch, parte da AB InBev, disse que Mulvaney foi uma das "centenas" de influenciadores que ela usou para suas marcas.

Em vídeo, influenciadora trans Dylan Mulvaney mostra no Instagram as latas de cerveja que recebeu com seu rosto estampado - Reprodução/dylanmulvaney no instagram

Uma conhecida tempestade de indignação da mídia e falsa ofensa se seguiu à tentativa da Bud Light de ampliar seu mercado. Alissa Heinerscheid, vice-presidente de marketing da marca e uma das duas agora de licença, levou uma surra. "Ela quer vender para pessoas que, até agora, tiveram pouco ou nenhum interesse em comprar ou beber Bud Light", trovejou Jim Geraghty no conservador National Review.

Perdoe-me, mas pensei que esse fosse o objetivo do marketing, especialmente quando você está tentando reviver uma marca em declínio prolongado porque menos americanos que, em suas palavras, "possuem armas, doam para causas pró-vida ou dirigem uma picape" realmente a compram. Mesmo antes do vídeo de Mulvaney, seu volume de vendas nos EUA havia caído 6,4% no ano até 24 de março, segundo dados da Nielsen.

De qualquer forma, a marca não se encaixa no estereótipo do estado republicano: foi lançada em 1982 como um derivado da Budweiser com menos carboidratos e menos amargor. Seguiu-se a Miller Lite, que se originou como uma cerveja diet para contadores de calorias na nova era do fitness. As cervejas que agora tiram vendas de ambas são as importadas mais acentuadas, como Corona, Peroni Nastro Azzurro e Modelo Especial.

A Bud Light é um ativo decadente que precisa recuperar algum prestígio entre os millennials e os da Geração Z: não importa a inclusão de gênero, essa é a realidade econômica. Como Heinerscheid admitiu com admirável honestidade em uma entrevista em podcast: "Se não atrairmos jovens bebedores para vir beber esta marca, não haverá futuro para a Bud Light".

Heinerscheid continuou (corretamente, mas sem tato) a descrever o marketing tradicional da Bud Light como tendo envolvido "um tipo de humor grupal, isolado" e exaltar sua mudança para "uma campanha verdadeiramente inclusiva". Ela estava se referindo não ao post de Mulvaney, mas a um comercial do Super Bowl em fevereiro que mostrava um jovem casal dançando ao som de uma música de espera num telefone.

Ainda me debato para entender o que havia de errado com os anúncios. Nem o comercial do Super Bowl nem o vídeo de Mulvaney eram abrasivos: ambos eram tão leves quanto a cerveja que anunciavam. Nos dias anteriores a ativistas de direita e esquerda começarem a vasculhar a internet em busca de ofensas instantâneas, o último pode ter passado despercebido.

As marcas de massa sempre procuraram ser inclusivas, no sentido de agradar a uma ampla gama de consumidores. "Gostaria de ensinar o mundo a cantar/ Em perfeita harmonia/ Gostaria de comprar uma Coca-Cola para o mundo/ E lhe fazer companhia", cantou o multiétnico "Primeiro Coro Unido do Mundo" no famoso anúncio da marca em 1971. A "esperança da AB InBev de construir um futuro que todos possam celebrar e compartilhar" é igualmente piegas.

No entanto, é mais complicado ser vagamente bem-intencionado hoje. Marcas que provocam polêmica deliberadamente ao se posicionarem sobre questões sociais, como Nike e Ben & Jerry’s, têm uma estratégia mais clara. Elas alienam alguns clientes e correm o risco de boicotes (a Nike enfrentou um no Reino Unido depois de usar Mulvaney para promover um sutiã esportivo), mas energizam outros.

Eles também sabem que os protestos são febris e as tempestades costumam passar tão rapidamente quanto surgiram. As vendas nas lojas de varejo da Bud Light nos EUA caíram 17% em meados de abril, mas a AB InBev pode se dar o luxo de ser paciente: como descobriu um estudo acadêmico, "campanhas de consumismo político nas mídias sociais e seu retrato na imprensa nem sempre são refletidas em resultados de vendas [duradouros]".

O estudo foi da Goya Foods, marca de feijões enlatados cujo executivo-chefe, Robert Unanue, apoiou Donald Trump em 2020. A Goya enfrentou um boicote e uma campanha trumpista mais eficaz para apoiar seus produtos: as vendas aumentaram brevemente 22%, mas o efeito se dissipou completamente após três semanas. O mesmo eleitorado que agora está atacando a Bud Light ficou com raiva e depois esqueceu.

É por isso que a Anheuser-Busch deve manter sua abordagem de marketing, em vez de torcer as mãos fracamente. Seus esforços para ampliar o alcance da Bud Light faziam todo o sentido e desde então ela ganhou publicidade gratuita. O clamor não muda o fato de que precisa de mais consumidores, sejam condutores de picapes, casais urbanos ou atrizes trans. O resto é espuma.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.