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Após demissões na tecnologia e em estúdios, economia da Califórnia está no limite

Problemas nas principais indústrias prejudicaram as receitas fiscais, transformando o superávit de US$ 100 bilhões do estado em déficit

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Kurtis Lee
Los Angeles | The New York Times

A Califórnia sempre esteve na vanguarda econômica do país. Agora, enquanto os temores de uma recessão nacional continuam a incomodar, o estado espera não liderar o caminho até lá.

A economia da Califórnia mantém seu status de potência, superando até mesmo as da maioria dos países, mas os setores mais poderosos do estado –incluindo empresas de tecnologia e logística da cadeia de suprimentos– têm lutado para se manter em pé, atingidos por altas taxas de juros, nervosismo dos investidores, conflitos trabalhistas e outras turbulências.

Nem o tempo colaborou. Inundações severas durante grande parte do inverno, causadas por rios aéreos, deixaram comunidades agrícolas no Vale Central devastadas, causando perdas de centenas de milhões de dólares em colheitas.

O prédio que abriga a sede do Twitter em São Francisco em 6 de outubro de 2022. À medida que persistem os temores de recessão, os problemas nas principais indústrias prejudicaram as receitas fiscais, transformando o superávit de US$ 100 bilhões do estado em déficit.
O prédio que abriga a sede do Twitter em São Francisco em 6 de outubro de 2022. À medida que persistem os temores de recessão, os problemas nas principais indústrias prejudicaram as receitas fiscais, transformando o superávit de US$ 100 bilhões do estado em déficit - NYT

Milhares de californianos foram demitidos nos últimos meses, o custo de vida está cada vez mais astronômico e o governador Gavin Newsom revelou em janeiro que o estado enfrentava um déficit de US$ 22,5 bilhões no ano fiscal de 2023-24 –em comparação com US$ 100 bilhões de superávit há um ano.

"É um eletrocardiograma", disse Newsom na época, comparando um gráfico da receita do estado com os picos e quedas acentuadas da atividade elétrica do coração. "Isso resume a estrutura tributária da Califórnia: altos e baixos."

A estrutura, que depende em grande parte da tributação da renda dos californianos mais ricos, muitas vezes se traduz em quedas quando o Vale do Silício e Wall Street estão inquietos, como agora. A Alphabet, controladora do Google, uma das corporações mais proeminentes do estado, disse em janeiro que estava demitindo 12 mil funcionários em todo o mundo, e o Silicon Valley Bank, um importante credor de startups de tecnologia, entrou em colapso no mês passado, levando o governo federal a se esforçar para limitar a queda.

Isso coincidiu com uma redução do financiamento de capital de risco, pois o aumento das taxas de juros e os temores de recessão deixaram os investidores mais avessos ao risco. Esse dinheiro, que caiu 36% globalmente de 2021 a 2022, segundo a empresa de consultoria de gestão Bain & Co., é fundamental para a capacidade do Vale do Silício de criar empregos.

"O setor de tecnologia é o carro-chefe da economia do estado, a espinha dorsal", disse Sung Won Sohn, professor de finanças e economia da Universidade Loyola Marymount. "São pessoas com altos rendimentos que podem não ser capazes de carregar o estado como faziam anteriormente."

O entretenimento, outro pilar da economia da Califórnia, também está em declínio, à medida que os estúdios se adaptam aos novos hábitos de exibição. A Walt Disney Co., com sede em Burbank, anunciou em fevereiro que eliminaria 7.000 empregos em todo o mundo.

Somente na Califórnia, o emprego no setor de informação, categoria que inclui trabalhadores de tecnologia e entretenimento, caiu em mais de 16 mil de novembro a fevereiro, de acordo com os dados mais recentes do Escritório de Estatísticas do Trabalho, que antecederam uma onda de cortes de empregos em março.

Uma pesquisa recente do apartidário Instituto de Políticas Públicas da Califórnia descobriu um pessimismo generalizado sobre a economia. Dois terços dos entrevistados disseram que esperam tempos econômicos ruins para o estado no próximo ano, e uma sólida maioria –62%– disse sentir que o estado já está em recessão.

Quando Newsom anunciou o déficit, no início do ano, prometeu não mergulhar nas reservas de US$ 37 bilhões do estado e, em vez disso, pediu pausas no financiamento de creches e redução do financiamento para iniciativas de mudança climática.

Joe Stephenshaw, diretor do Departamento de Finanças da Califórnia, disse em entrevista que ele e os principais economistas começaram a identificar pontos de preocupação –inflação persistente, taxas de juros mais altas e um mercado de ações turbulento– no horizonte do estado durante o segundo semestre do ano passado.

"Esses riscos se tornaram realidade", disse Stephenshaw, que foi nomeado pelo governador.

Ele reconheceu que o problema foi impulsionado em grande parte por quedas nos altos rendimentos de grande número de pessoas, inclusive de remuneração baseada no mercado, como opções de ações e pagamentos de bônus. Com a desaceleração da atividade, disse ele, as taxas de juros subiram e os preços das ações caíram.

Mas os problemas do estado não se limitam à indústria de tecnologia.

Caminhões se alinham em Terminal Island entre o porto de Long Beach e o porto de Los Angeles em 22 de março de 2022. À medida que os temores de recessão persistem, os problemas nas principais indústrias prejudicaram as receitas fiscais, transformando o superávit de US$ 100 bilhões do estado em déficit
Caminhões se alinham em Terminal Island entre o porto de Long Beach e o porto de Los Angeles em 22 de março de 2022. À medida que os temores de recessão persistem, os problemas nas principais indústrias prejudicaram as receitas fiscais, transformando o superávit de US$ 100 bilhões do estado em déficit - NYT

A robusta cadeia de suprimentos da Califórnia, que impulsiona quase um terço da economia do estado, continuou a ceder sob o estresse da pandemia e uma luta trabalhista em andamento entre estivadores e operadores portuários na Costa Oeste, o que levou muitas empresas de navegação a confiar, em vez disso, nos portos ao longo das costas do Golfo e do leste. O processamento de cargas no porto de Los Angeles, um importante ponto de entrada para embarques da Ásia, caiu 43% em fevereiro, em comparação com o ano anterior.

"Quanto mais demorar, mais carga será desviada", disse Geraldine Knatz, professora de prática de política e engenharia da Universidade do Sul da Califórnia, que foi diretora-executiva do Porto de Los Angeles de 2006 a 2014.

Ainda assim, aonde quer que o ciclo econômico esteja levando, a Califórnia entra com alguns pontos fortes. Embora o desemprego em fevereiro, em 4,3%, tenha sido maior que na maioria dos estados, foi abaixo da taxa do ano anterior. Nas áreas metropolitanas de San Francisco e San Jose, o desemprego ficou a menos de 3,5%, melhor que a média nacional.

Ao longo de décadas, a economia da Califórnia tem visto historicamente os maiores altos e baixos, parte da história de expansão e recessão do estado. Durante a recessão do início dos anos 1990, em grande parte impulsionada por cortes no setor aeroespacial após o fim da Guerra Fria, a Califórnia foi atingida com muito mais força do que outras partes do país.

Zeeshan Haque, que está procurando emprego depois de perder seu cargo de engenheiro de software no Google, em Chatsworth, Califórnia, em 6 de abril de 2023. “É muito competitivo neste momento por causa de tantas demissões”, disse ele
Zeeshan Haque, que está procurando emprego depois de perder seu cargo de engenheiro de software no Google, em Chatsworth, Califórnia, em 6 de abril de 2023. “É muito competitivo neste momento por causa de tantas demissões”, disse ele - NYT

Em março, o Anderson Forecast da UCLA, que fornece análises econômicas, divulgou projeções para o país e para a Califórnia, apontando para dois cenários possíveis –um em que uma recessão é evitada e outro em que ela ocorre no final deste ano.

"Mesmo em nosso cenário de recessão, temos uma recessão moderada", disse Jerry Nickelsburg, diretor da Anderson Forecast.

Independentemente do cenário, a economia da Califórnia provavelmente estará melhor que a nacional, de acordo com o relatório, que citou o aumento da demanda por software e bens de defesa, áreas nas quais a Califórnia é líder. Nickelsburg também disse que o fundo de dias chuvosos do estado era saudável o suficiente para suportar o declínio das receitas fiscais.

Mas esse déficit pode complicar a velocidade com que Newsom pode executar algumas de suas políticas ambiciosas e progressistas. Ao anunciar o déficit, Newsom reduziu o financiamento para propostas climáticas de US$ 54 bilhões para US$ 48 bilhões.

As perspectivas fiscais lançam uma nuvem sobre as propostas progressistas, amplamente apoiadas pelos democratas, que têm a maioria absoluta no Legislativo.

Um painel estadual que vem discutindo indenizações para californianos negros deve divulgar seu relatório final até o meio do ano. Economistas projetaram que as reparações poderiam custar US$ 800 bilhões para compensar o excesso de policiamento, a discriminação habitacional e as taxas de encarceramento desproporcionais. Assim que o painel divulgar seu relatório, caberá aos legisladores de Sacramento decidir quanto da receita estadual apoiaria as reparações –conceito que Newsom endossou.

Em meio a tudo isso, uma coisa permaneceu constante: muitos californianos dizem que sua maior preocupação econômica são os custos de moradia.

O valor médio de uma casa unifamiliar na Califórnia é de cerca de US$ 719 mil –um aumento de quase 1% em relação ao ano passado, de acordo com Zillow–, e dados recentes do censo mostram que algumas das maiores áreas metropolitanas do estado, incluindo os condados de Los Angeles e San Francisco, continuam a encolher. (No Texas, para onde muitos californianos se mudaram, o valor médio de uma casa é de cerca de US$ 289 mil.)

Ainda assim, alguns californianos continuam otimistas.

Zeeshan Haque, ex-engenheiro de software do Google, soube em janeiro que seria demitido. Seu último dia foi 31 de março.

"Foi do nada e muito abrupto", disse Haque, 32, que recentemente se mudou da Área da Baía de San Francisco para Los Angeles.

Ele comprou uma casa de US$ 740 mil no bairro de Chatsworth em fevereiro e passou algum tempo dedicando-se a reformas. Mas nas últimas semanas começou a procurar um novo emprego. Recentemente, ele atualizou seu avatar no LinkedIn para mostrar a hashtag #opentowork e disse que espera conseguir um novo trabalho em breve.

"É muito competitivo neste momento por causa de tantas demissões", disse.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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