Onde está meu garçom? Restaurantes do Reino Unido lutam por funcionários após o Brexit

Com as portas praticamente fechadas para migrantes, muitos estabelecimentos estão ficando desesperados

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Mark Landler
Londres | The New York Times

Jordan Frieda sabia que teria dificuldades para encontrar garçons e funcionários de cozinha para seus três restaurantes italianos. Mas a profundidade da crise não ficou clara até que ele contratou um recrutador para tentar atrair empregados de outros restaurantes. Das cerca de cem pessoas que seu agente normalmente contatava em um dia, ele lembrou, menos de quatro respondiam e, muitas vezes, apenas uma aceitava comparecer para um turno experimental.

"É pior que a Covid, pior que os preços da energia", disse Frieda, um ator bem relacionado que virou restaurador e trabalhou brevemente com o famoso chef Gordon Ramsay. "Está sendo o evento mais traumático da minha carreira em restaurantes. É um evento absolutamente devastador e transformador."

Frieda não é o único. Os restaurantes em Londres estão com tamanha falta de funcionários que tiveram que reduzir os horários de funcionamento, fechar em alguns dias da semana e, em casos extremos, fechar as portas completamente. Embora a antes pujante cena gastronômica da cidade também tenha sido prejudicada pela pandemia de coronavírus e pelo aumento dos preços da energia, a escassez de mão de obra é quase totalmente consequência do Brexit –um exemplo notável de como a saída da Grã-Bretanha da União Europeia está remodelando sua economia.

Os restaurantes de Londres costumavam recrutar muitos garçons, chefs e bartenders da Itália, Espanha e Grécia. Essa mina de talentos secou desde que a Grã-Bretanha acabou com a livre circulação de mão de obra da União Europeia. Estima-se que 11% dos empregos na indústria de hotéis e restaurantes da Grã-Bretanha estejam vagos, de acordo com uma pesquisa recente do setor, em comparação com 4% na economia em geral.

Jordan Frieda no Padella, seu restaurante italiano em Londres - Mary Turner/NYT

Com vários empregos vagos, Frieda inicialmente reduziu o funcionamento de seus restaurantes de sete para cinco dias. Ele eliminou os turnos duplos trabalhados por seus chefs. Mas, com os custos trabalhistas subindo 10%, teve que aumentar os preços e se preocupa com o futuro de seus restaurantes em longo prazo.

Há também um prejuízo humano. Para muitos jovens de países mediterrâneos, servir mesas em Londres por alguns anos foi um rito de passagem. "O Brexit foi um desastre econômico, cultural, pessoal e de todas as outras formas", disse Frieda.

O arrependimento pelo Brexit aumentou nos últimos meses, enquanto o Reino Unido mergulhava em uma grave crise econômica. As pesquisas mostram que a clara maioria dos britânicos hoje acredita que a votação pela saída foi um erro. Um novo relatório das Câmaras de Comércio Britânicas disse que mais da metade de seus membros estava tendo problemas para negociar no Canal da Mancha. No entanto, quantificar o impacto negativo do Brexit, em um momento de múltiplas convulsões, pode ser complicado.

Alguns problemas econômicos da Grã-Bretanha, como a produtividade estagnada, antecedem sua decisão de deixar o bloco. Outros, como a inflação, estão afligindo muitos países. As estatísticas de imigração podem pintar um quadro enganoso: a migração líquida para a Grã-Bretanha atingiu um recorde de 504 mil nos 12 meses até junho passado, inchada por refugiados da Ucrânia e do Afeganistão, bem como por portadores de passaportes britânicos estrangeiros de Hong Kong.

No entanto, quando se trata de cidadãos da UE, houve uma saída líquida de 51 mil no mesmo período –e essas são geralmente as pessoas que trabalham em restaurantes.

Apoiadores do Brexit comemoram saída do Reino Unido da União Europeia em 2020 - Mary Turner - 31.jan.2020/NYT

Por padrão, a política de imigração pós-Brexit da Grã-Bretanha mudou a natureza e a origem dos recém-chegados, afastando-se de migrantes menos qualificados de países europeus em direção a pessoas mais qualificadas do sul da Ásia e da África.

"A escassez de mão de obra é uma característica do novo sistema", disse Jonathan Portes, professor de economia e políticas públicas do Kings College London. Ao abrir empregos em setores como hospitalidade para os britânicos, disse ele, o objetivo do governo era gerar "maior produtividade, salários e mais treinamento para trabalhadores residentes no Reino Unido".

Mas o risco, disse ele, é que as empresas afetadas pela falta de funcionários simplesmente reduzam sua produção e empregos. Cerca de 40% dos restaurantes cortaram seus horários, enquanto mais de um terço dos restaurantes, bares e hotéis podem enfrentar insolvência ou até fechar no início de 2023, segundo uma pesquisa recente da UKHospitality e da British Beer and Pub Association.

O River Cafe, restaurante italiano em Londres - Mary Turner - 6.dez.2022/NYT

Membros da indústria estão pressionando o governo conservador para emitir mais vistos de dois anos para que jovens da União Europeia vão trabalhar em restaurantes na Grã-Bretanha. Eles também estão apelando para que o processo seja menos oneroso e burocrático. Os trabalhadores de restaurantes, argumentam eles, são produtivos, geralmente não são um fardo para o Serviço Nacional de Saúde e a maioria volta para seus países depois de alguns anos.

"Eles geralmente são jovens e gastam seu dinheiro no país", disse Nick Jones, fundador da Soho House, rede de clubes privados que começou em Londres e se espalhou pelo mundo. "Eu realmente acho que há pessoas que vêm porque têm habilidades em certas coisas."

A recusa do governo em resolver o problema, segundo Jones, ameaça o futuro de uma das indústrias mais prósperas da Grã-Bretanha. "Isso vai desencorajar as pessoas de investir em restaurantes e abrir restaurantes", disse ele.

O problema é que a imigração se tornou uma questão ainda mais complicada nos últimos meses, depois de um aumento no número de requerentes de asilo que cruzam o Canal da Mancha em pequenos barcos. O primeiro-ministro Rishi Sunak está sob pressão do flanco direito de seu partido para reduzir o número, e não aumentá-lo.

A Grã-Bretanha, de qualquer forma, é hoje um destino menos atraente para seus vizinhos europeus. Alguns voltaram para casa após a votação do Brexit; outros saíram durante a pandemia e nunca mais retornaram.

Ruth Rogers, proprietária do River Cafe, famoso restaurante italiano em Hammersmith, na zona oeste de Londres, costumava recrutar garçons da Itália durante suas viagens de verão para lá.

"Normalmente, quando estou na Itália e encontro um garçom muito bom, digo: 'Por que você não vem para Londres?'", disse ela. "Eu disse isso a alguém em Veneza no ano passado e ele disse: 'Não posso. Vocês não nos querem'."

Ruth Rogers, a segunda à esquerda, proprietária do River Cafe, disse que ficou difícil recrutar - Mary Turner/NYT

Nos restaurantes de Frieda –Trullo, em Islington, e dois postos avançados do Padella, em Borough Market e Shoreditch– não faltam clientes. As filas se formam diante do Padella, que não aceita reservas, para seus tagliarini com molho de tomate cozido lentamente ou pappardelle com ragu de carne Dexter cozido por oito horas.

Mas com a falta de recrutas do continente Frieda foi forçado a procurar trabalhadores mais perto de casa. É um desafio de treinamento, disse ele, porque os jovens britânicos não estão imersos na cultura gastronômica e vinícola dos países mediterrâneos.

Frieda teve que procurar mais perto de casa os funcionários de seus restaurantes, como o Padella. Mas o treinamento tem sido desafiador, disse ele - NYT

"Eles nunca viram alguém tomar uma taça de vinho, a menos que eles mesmos estejam bebendo", disse Frieda com uma risada. "Eles chegam lá, mas é uma jornada."

Para alguns donos de restaurantes, a escassez de mão de obra reflete a falta de imaginação em seu setor. Eles dizem que os restaurantes poderiam empregar mais mulheres se oferecessem horários de trabalho mais flexíveis. Também poderiam recrutar pessoas idosas, para as quais trabalhar em restaurantes pode ser uma atividade interessante após a aposentadoria.

Jeremy King, um dos donos de restaurantes mais conhecidos de Londres, que até recentemente possuía o Wolseley, o Fischer's e o Delaunay, disse que os restaurantes britânicos também tiveram que superar um preconceito cultural no país contra empregos como o de garçom.

"Para os britânicos, parece haver vergonha e estigma em servir as pessoas", disse King, que planeja voltar ao ramo com uma nova casa na primavera. "Ainda culpo os donos de restaurantes por não acreditarem em nosso pessoal, por não mostrarem que os restaurantes podem ser uma carreira."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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