Descrição de chapéu mercado de trabalho inflação

Renda dos mais pobres retoma pré-pandemia, mas segue longe do pico nas metrópoles

Rendimento ainda está 22% abaixo do recorde registrado em 2013, diz estudo

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Rio de Janeiro

Com o avanço do mercado de trabalho e a trégua da inflação, a renda média dos 40% mais pobres retomou o patamar pré-pandemia nas regiões metropolitanas do Brasil.

Mesmo com a melhora, concretizada no terceiro trimestre de 2022, o rendimento dos mais vulneráveis ainda está em torno de 22% abaixo do pico de uma série histórica iniciada em 2012.

É o que indica a 11ª edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, que reúne dados de 22 regiões metropolitanas do país.

O estudo analisa o comportamento da renda do trabalho em termos reais (corrigida pela inflação). Recursos obtidos com outras fontes, como os benefícios sociais, não são levados em consideração nos cálculos.

Pessoas recebem doações de alimentos em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo - Marlene Bergamo - 14.jul.22/Folhapress

Segundo o boletim, o rendimento médio domiciliar per capita (por pessoa) dos 40% mais pobres nas metrópoles subiu para R$ 251 no terceiro trimestre de 2022 –estava em R$ 240 nos três meses imediatamente anteriores.

Com o avanço entre julho e setembro deste ano, o indicador ficou em linha com o valor do primeiro trimestre de 2020 (R$ 250), o que não havia ocorrido até então.

O estudo considera o primeiro trimestre de 2020 como o pré-pandemia porque os impactos da crise sanitária sobre a renda do trabalho só apareceram com maior clareza a partir do segundo trimestre daquele ano.

O boletim é produzido em uma parceria que envolve o laboratório de estudos PUCRS Data Social, o Observatório das Metrópoles e a RedODSAL (Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina).

"Não é exatamente algo a ser comemorado, já que se trata de uma renda ainda muito baixa, mas é um marco em relação ao processo como um todo da pandemia", afirma André Salata, pesquisador do PUCRS Data Social e um dos coordenadores do levantamento.

Além de viverem com menos, os 40% mais pobres também perderam mais rendimento em termos proporcionais no começo da crise sanitária.

A renda média per capita desse grupo chegou a despencar a R$ 164 no terceiro trimestre de 2020, o menor nível da série.

Para os responsáveis pelo boletim, a retomada recente reflete a combinação de pelo menos duas questões.

A primeira é a trégua da inflação, que perdeu força após cortes de tributos adotados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) às vésperas das eleições presidenciais.

A segunda é a recuperação da atividade econômica e do mercado de trabalho em meio ao avanço da vacinação contra a Covid-19.

A renda mais recente dos 40% mais pobres (R$ 251), contudo, ainda ficou 22% abaixo do pico de R$ 323. A máxima da série foi registrada no quarto trimestre de 2013.

No ano seguinte, o país começou a mergulhar em uma crise econômica que se estendeu até 2016. A recessão foi substituída nos anos seguintes por um período de baixo crescimento econômico. A pandemia, a partir de 2020, complicou o quadro.

Esse contexto ajuda a explicar a renda ainda distante do pico da série para os mais pobres, segundo Marcelo Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

"Não houve uma mudança estrutural que pudesse alavancar um crescimento mais robusto", diz Ribeiro, que também coordena o boletim sobre a desigualdade nas regiões metropolitanas.

Ele destaca que a continuidade da recuperação dos mais pobres vai depender em parte das medidas adotadas pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Considerando que o próximo governo tem uma perspetiva de atuação mais ativa na economia, pode ter uma repercussão sobre o mercado de trabalho."

Setores como o mercado financeiro, por outro lado, já demonstraram preocupação com um possível aumento de gastos na gestão petista.

A renda domiciliar per capita, analisada pelo estudo, corresponde ao rendimento do trabalho dividido pela quantidade de pessoas em cada residência.

O levantamento utiliza microdados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), produzida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Classe média retoma nível pré-crise, e ricos seguem abaixo

No terceiro trimestre de 2022, a classe média também teve uma melhora na renda do trabalho nas metrópoles, sinaliza o boletim.

Entre julho e setembro, o rendimento dos 50% intermediários foi estimado em R$ 1.470 –era de R$ 1.409 nos três meses imediatamente anteriores. O resultado mais recente ficou um pouco acima do primeiro trimestre de 2020 (R$ 1.463).

Segundo os pesquisadores, esse grupo sentiu menos a chegada da pandemia, porque os seus ganhos tiveram uma perda menos intensa do que a dos mais pobres em termos proporcionais.

Mesmo assim, os 50% intermediários só conseguiram alcançar o patamar pré-crise entre julho e setembro deste ano.

A renda deles ainda está 2,3% abaixo do pico da série histórica. A máxima, de R$ 1.505, foi verificada no quarto trimestre de 2014.

Já o grupo descrito pelo boletim como o dos 10% mais ricos nas metrópoles teve a renda do trabalho estimada em R$ 7.475 no terceiro trimestre de 2022.

O rendimento dessa camada também mostrou melhora nos últimos meses, mas está 6,6% abaixo do período pré-pandemia. A renda era de R$ 7.999 no primeiro trimestre de 2020.

De acordo com os pesquisadores, a inflação reduziu os ganhos dos mais ricos, que ainda tentam retomar o nível pré-crise dos salários.

Eles receberam, em média, cerca de 30 vezes o ganho dos 40% mais pobres nas regiões metropolitanas entre julho e setembro. A desigualdade até já foi maior ao longo da crise sanitária.

Na média geral, a renda per capita do trabalho nas metrópoles subiu para R$ 1.575 no terceiro trimestre deste ano, acima dos R$ 1.513 dos três meses imediatamente anteriores. O indicador, contudo, segue abaixo do patamar pré-crise (R$ 1.618).

"Apesar de o segmento dos 40% mais pobres ter recuperado o nível pré-pandemia, a renda no geral não se recuperou. Isso é relevante para mostrar que os mais pobres têm uma renda tão baixa. O aumento [nessa camada] foi insignificante para fazer com que o rendimento no geral pudesse retomar o nível pré-pandêmico", destaca Ribeiro.

Espaço para ajustes na política social

Com a promessa de combater a pobreza em 2023, o novo governo Lula aposta na transferência de renda com a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. O benefício deve voltar a ser chamado de Bolsa Família.

Salata considera necessária a manutenção do auxílio para atacar a miséria, mas vê espaço para aperfeiçoamento.

O primeiro ajuste, diz, viria da melhora da focalização. Ou seja, a sugestão é adaptar o benefício ao perfil e às necessidades diferentes das famílias atendidas.

"Uma coisa é dar R$ 600 para uma família com pai, mãe e um filho e outra coisa é dar R$ 600 para uma mãe com cinco filhos", afirma.

Outro ponto fundamental, avalia o pesquisador, é buscar a sustentabilidade financeira do benefício ao longo dos anos.

Ele lembra que a interrupção do auxílio emergencial atingiu em cheio a população pobre no início de 2021 –a iniciativa foi retomada na sequência com valores e público reduzidos.

"É preciso garantir que o programa social chegará a quem precisa. É um desafio importante do próximo governo."

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