'Ainda enfrentamos desafios para consolidar desinflação', diz Campos Neto

Gopinath, do FMI, vê riscos 'consideráveis' de alta de preços em países emergentes e diz que mercados estão otimistas demais

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Bernardo Caram Andrea Shalal
Brasília e Washington (Estados Unidos) | Reuters

A abordagem proativa da política monetária no Brasil foi oportuna e tem dado resultado, mas o processo está agora em uma fase na qual a redução da inflação é mais lenta, disse nesta quarta-feira (17) o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, ressaltando que o Brasil enfrenta desafios para consolidar a desinflação.

Em apresentação por vÍdeo na Conferência Anual do Banco Central, ele enfatizou que as expectativas de inflação para 2024 e 2025, que estavam estáveis, mostram piora, com questionamentos sobre possível mudança nas metas de inflação e incertezas fiscais.

Campos Neto afirmou que os núcleos de inflação —que desconsideram itens voláteis— estão mais resilientes por conta de uma difusão da alta de preços entre os setores da economia e pressões ainda fortes em componentes mais rígidos, como o setor de serviços.

"Assim, a velocidade da desinflação tende a ser mais lenta nessa segunda etapa, tanto no Brasil como nos demais países", disse. "Embora tenhamos progredido até agora, ainda enfrentamos desafios para consolidar a desinflação no Brasil."

Roberto Campos Neto, presidente do BC, durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado
Roberto Campos Neto, presidente do BC, durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado - Pedro França/Agência Senado

De acordo com o boletim Focus, do BC, que capta as projeções de mercado para indicadores econômicos, as expectativas de inflação estão em 6,03% para este ano, 4,15% em 2024 e 4% em 2025.

As metas estabelecidas são de 3,25% neste ano e 3% em 2024 e 2025, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos em todos os casos.

Em meio a críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à taxa básica de juros praticada pelo BC para segurar a inflação, atualmente em 13,75% ao ano, o governo passou a estudar possíveis alterações no regime de metas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já sinalizou ser favorável a um alongamento do horizonte para as metas, o que desobrigaria o BC a cumpri-las ao fim de cada ano.

"Decisões que induzam a reancoragem das expectativas e que elevem a confiança nas metas de inflação contribuem para um processo de inflacionário mais célere e menos custoso", afirmou Campos Neto.

O presidente do BC voltou a afirmar que o arcabouço fiscal proposto pelo governo pode ajudar na missão de reancorar as expectativas, embora não haja uma relação direta entre a proposta fiscal e o nível de preços no país.

Na apresentação, Campos Neto afirmou que incidentes em bancos nos Estados Unidos e na Europa despertaram atenção para riscos, como o de contágio mais disseminado no sistema financeiro. Segundo ele, até o momento, esse contágio é limitado, mas requer monitoramento.

Gopinath, do FMI, vê riscos "consideráveis" de alta da inflação e diz que mercados estão otimistas demais

A segunda autoridade mais importante na hierarquia do Fundo Monetário Internacional (FMI) disse nesta quarta-feira que vê riscos consideráveis de que a inflação permaneça alta ou acelere em muitos mercados emergentes, e pediu aos bancos centrais que mantenham as políticas monetárias restritivas.

A primeira vice-diretora-gerente do FMI, Gita Gopinath, disse em uma conferência organizada pelo Banco Central do Brasil que os mercados provavelmente estão "otimistas demais" em relação ao que seria necessário para reduzir a inflação nos países emergentes.

"Apesar dos sinais encorajadores, estou preocupada com o fato de que as pressões sobre os preços parecem arraigadas em muitas economias e de que os riscos altistas para a inflação são consideráveis", disse ela em comentários preparados.

"Os bancos centrais devem permanecer firmes na manutenção de políticas monetárias restritivas e reconhecer que um aperto monetário insuficiente agora pode exigir ações ainda mais dolorosas no futuro", acrescentou. Essa foi uma lição aprendida no período de inflação alta da década de 1970 e "se aplica muito bem hoje", disse Gopinath.

Ela afirmou que a restrição fiscal poderia apoiar a luta contra a inflação pelos bancos centrais e que as ferramentas financeiras poderiam melhorar os "trade-offs" no caso de estresse financeiro pronunciado, se usadas criteriosamente.

Gopinath disse que as economias emergentes mantiveram o crescimento nos últimos anos ajudadas por fortes estruturas de política monetária e reformas que reduziram os riscos de crédito e cambiais.

Porém, esses países ainda enfrentam "riscos negativos consideráveis" devido ao aperto da política monetária nas economias avançadas, e as condições podem piorar "significativamente", disse ela. O aumento dos juros nos Estados Unidos, por exemplo, ocorreu em condições ainda benignas, mas isso pode mudar no futuro, disse ela.

Gopinath disse que estava menos otimista do que os mercados em relação à redução da inflação nos países emergentes, uma vez que ela já foi inesperadamente alta e persistente e, muitas vezes, sobe mais rápido do que o esperado, segundo ela.

A inflação nos serviços tem sido forte e o aperto das políticas monetárias não esfriou significativamente os mercados de trabalho, com o crescimento dos salários ainda robusto em muitas economias de mercados emergentes, disse Gopinath.

Ela disse que vários fatores poderiam estar contribuindo para a teimosia da inflação, incluindo a demanda reprimida da pandemia, a rotação da demanda de bens para serviços e uma redução no potencial de produção e emprego.

Considerando os poucos precedentes históricos de queda da inflação de níveis muito altos sem uma desaceleração econômica significativa, Gopinath disse que os mercados de trabalho e a atividade "bastante fortes" apontam para uma "considerável pressão de alta sobre a inflação".

Ela disse que as empresas poderiam repassar os custos mais altos em vez de absorvê-los em suas margens de lucro, e que os trabalhadores poderiam exigir a correção de perdas salariais reais. Isso significa que quanto mais tempo a inflação permanecer alta, mais difícil será reduzi-la e maior será a contração da produção que será necessária para esfriá-la.

Esses desafios são globais, mas os riscos são maiores para os mercados emergentes, disse Gopinath, ressaltando a necessidade de as autoridades desses países continuarem a fortalecer suas estruturas de políticas monetárias, fiscais e financeiras.

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