Crise climática já vira crise financeira para seguros nos EUA

Maior seguradora da Califórnia anunciou que vai deixar de oferecer apólices a proprietários de imóveis

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Christopher Flavelle Jill Cowan Ivan Penn
Nova York | The New York Times

A crise climática está se transformando em uma crise financeira.

Neste mês, a maior seguradora de imóveis residenciais da Califórnia, a State Farm, anunciou que deixaria de vender apólices a proprietários de imóveis. Isso não ocorre apenas nas zonas de incêndios florestais, mas em todo o estado.

As seguradoras, cansadas de perder dinheiro, estão aumentando os prêmios, restringindo a cobertura ou se retirando de algumas áreas –o que torna mais caro para as pessoas continuarem a viver em suas casas.

Pessoas veem incêndio queimar floresta perto de suas casas na Califórnia, EUA - Kyle Grillot - 11.jun.2022/Reuters

"O risco tem um preço", disse Roy Wright, antigo encarregado de seguros na Fema (Agência Federal de Administração de Emergências) e hoje diretor do Insurance Institute for Business and Home Safety, uma organização de pesquisa. "É algo que estamos começando a ver".

Em certas áreas do leste do Kentucky devastadas por tempestades no verão do ano passado, o preço do seguro contra inundação deve quadruplicar. Na Louisiana, a principal autoridade do setor de seguros diz que o mercado está em crise e está oferecendo milhões de dólares em subsídios para tentar atrair seguradoras para o estado.

E em boa parte da Flórida, os proprietários estão batalhando cada vez mais para comprar seguros contra tempestades. A maioria das grandes seguradoras já abandonou o estado, levando os proprietários de imóveis a trabalhar com companhias privadas menores que enfrentam dificuldades para se manter no negócio —um possível vislumbre do futuro da Califórnia se outras das grandes seguradoras deixarem o estado.

Crescente 'exposição a catástrofes'

A State Farm, que segura mais proprietários de casas na Califórnia do que qualquer outra empresa, disse que deixaria de aceitar solicitações para a maioria dos tipos de novas apólices de seguro no estado, por causa da "crescente exposição a catástrofes".

A empresa disse que, embora reconheça o trabalho das autoridades da Califórnia para reduzir as perdas causadas por incêndios florestais, ela teve que parar de emitir novas apólices "para melhorar a força financeira da empresa". Um porta-voz da State Farm não respondeu a um pedido de comentário.

Os prêmios de seguro na Califórnia aumentaram depois que os incêndios florestais se tornaram mais devastadores do que o esperado. Uma série de incêndios que começou em 2017, muitos deles provocados por faíscas de equipamentos de serviço público defeituosos, aumentou de tamanho com os efeitos da mudança climática. Alguns proprietários de imóveis perderam totalmente o seguro porque as seguradoras se recusaram a cobrir casas em áreas vulneráveis.

Um modelo quebrado

Os problemas da Califórnia se assemelham a uma versão em câmera lenta do que a Flórida experimentou depois que o furacão Andrew devastou Miami em 1992. As perdas levaram algumas empresas à falência e fizeram com que a maioria das operadoras nacionais se retirasse do estado.

Em resposta, a Flórida estabeleceu um sistema complicado: um mercado baseado em pequenas seguradoras, com o apoio da Citizens Property Insurance Corp.

Por algum tempo, o sistema funcionou. Depois veio o furacão Irma.

O furacão de 2017, que atingiu as Florida Keys como uma tempestade de categoria quatro antes de subir a costa, não causou danos particularmente grandes. Mas foi o primeiro de uma série de tempestades, culminando com o furacão Ian em outubro passado, que quebrou o modelo no qual as seguradoras se baseavam: Um ano ruim de sinistros, seguido de alguns anos calmos para recompor suas reservas.

Desde o Irma, quase todos os anos têm sido ruins.

As seguradoras privadas começaram a ter dificuldades para pagar seus sinistros; algumas fecharam as portas. As que sobreviveram aumentaram significativamente seus prêmios.

Mais pessoas trocaram o mercado privado pela Citizens, que recentemente se tornou a maior provedora de seguros do estado, de acordo com Michael Peltier, um porta-voz. Mas a Citizens não cobre casas com um custo de reposição de mais de US$ 700 mil (R$ 3,5 milhões), ou US$ 1 milhão (R$ 5 milhões) no condado de Miami-Dade e nas Florida Keys.

Isso deixa os proprietários de casas envolvidos sem outra opção a não ser a cobertura privada —e em algumas partes do estado, essa cobertura está ficando mais difícil de encontrar, disse Peltier.

'Simplesmente não há riqueza suficiente'

A Flórida, apesar de seus desafios, tem uma vantagem importante: Um fluxo constante de residentes que continuam, por enquanto, dispostos a e capazes de pagar o aumento do custo de vida no estado. Na Louisiana, o aumento do custo do seguro se tornou, para algumas comunidades, uma ameaça à sua existência.

Assim como na Flórida após o furacão Andrew, o mercado de seguros da Louisiana passou a se retrair depois que as seguradoras começaram a sair por conta do furacão Katrina, em 2005. Em seguida, começando com o furacão Laura em 2020, uma série de tempestades atingiu o estado. Nove seguradoras faliram; as pessoas começaram a correr para a versão estadual do plano Citizens da Flórida.

O mercado de seguros do estado "está em crise", disse o comissário de seguros da Louisiana, James Donelon, em uma entrevista.

Em dezembro, a Louisiana teve que aumentar os prêmios da cobertura fornecida pelo seu plano Citizens em 63%, para uma média de US$ 4,7 mil (R$ 23,9 mil) por ano. Em março, o estado tomou US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões) emprestados no mercado de títulos a fim de pagar as reivindicações dos proprietários de imóveis que haviam sido abandonados quando suas seguradoras privadas faliram, disse Donelon. O estado recentemente concordou com novos subsídios para seguradoras privadas, essencialmente pagando para que elas operassem no estado.

Donelon disse que esperava que os subsídios estabilizassem o mercado. No entanto, Jesse Keenan, professor da Tulane University, em Nova Orleans, e especialista em adaptação climática e finanças, disse que o mercado de seguros do estado seria difícil de ser revertido. O alto custo do seguro começou a afetar os preços das casas, disse ele.

No passado, teria sido possível para algumas comunidades - aquelas em que as casas são passadas de geração em geração, sem necessidade de hipotecas e sem bancos exigindo seguro - ficar completamente sem seguro. Mas como as mudanças climáticas tornam as tempestades mais intensas, isso deixou se ser opção.

"Simplesmente não há riqueza suficiente nessas comunidades de baixa renda para continuar a reconstruir, tempestade após tempestade", disse Keenan.

A mudança para preços baseados em risco

Ainda que os proprietários de casas nos estados costeiros enfrentem custos crescentes de seguro contra vento, eles estão sendo pressionados em outra direção: Seguro contra enchentes.

Em 1968, o Congresso criou o National Flood Insurance Program [programa nacional de seguro contra inundações], que oferecia cobertura apoiada pelo contribuinte aos proprietários de imóveis. Assim como os incêndios florestais na Califórnia e os furacões na Flórida, o programa de enchentes surgiu do que os economistas chamam de uma falha de mercado: As seguradoras privadas não forneciam cobertura para inundações, deixando os proprietários de imóveis sem escolha.

O programa atingiu seu objetivo principal de tornar o seguro contra inundações amplamente disponível a um preço que os proprietários de imóveis pudessem pagar. Mas, à medida que as tempestades se tornaram mais severas, o programa passou a enfrentar perdas crescentes.

Em 2021, a FEMA, que administra o programa, começou a estabelecer prêmios equiparáveis ao do risco real de inundação enfrentado pelos proprietários de imóveis - um esforço para comunicar melhor os verdadeiros perigos que os diferentes imóveis enfrentavam, e também para conter os prejuízos do governo.

Esses aumentos, que estão sendo adotados gradualmente ao longo dos anos, em alguns casos equivalem a um enorme salto nos preços. O custo atual do seguro contra inundações para residências unifamiliares em todo o país é de US$ 888 (R$ 4.525) por ano, de acordo com a FEMA. Sob o novo sistema de preço baseado em risco, esse custo médio seria de US$ 1.808 (R$ 9.212).

A melhor maneira de as autoridades ajudarem a manter acessível o custo do seguro é reduzir o risco que as pessoas enfrentam, disse Carolyn Kousky, vice-presidente associada de economia e política do Environmental Defense Fund. Por exemplo, as autoridades poderiam impor padrões de construção mais rígidos em áreas vulneráveis.

Programas compulsórios do governo, como o plano de seguro contra enchentes, ou o Citizens na Flórida e na Louisiana, foram concebidos para servir de apoio ao mercado privado. Mas à medida que os choques climáticos pioram, ela disse, "chegamos agora ao ponto em que isso está começando a rachar".

Tradução de Paulo Migliacci

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