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Haddad avança em plano para elevar receitas em 2024, mas zerar déficit ainda é dúvida

Governo estima que ações rendam ao menos R$ 130 bi; mercado considera projeção otimista

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Brasília

Dependente de novas receitas para cumprir as metas fiscais prometidas para os próximos anos, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) conseguiu avançar na aprovação de medidas que podem elevar a arrecadação da União em 2024, mas o alcance da meta de zerar o déficit público no ano que vem ainda é uma dúvida entre analistas do mercado.

Nas contas do governo, iniciativas já validadas pelo Legislativo e pelo Judiciário podem render ao menos R$ 130 bilhões aos cofres públicos no ano que vem. Outras ações podem ampliar esse valor, mas ainda demandam aval dos parlamentares ou decisão política do Executivo (como a reoneração dos combustíveis, que pode resultar, sozinha, em mais R$ 60 bilhões).

Por outro lado, o governo também tem adotado algumas medidas que abrem mão de receitas, como a correção da tabela do Imposto de Renda, a prorrogação de incentivos para o setor de eventos e empresas aéreas e um novo programa de estímulo à aquisição de automóveis.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento comemorativo ao Dia da Indústria, em São Paulo - Bruno Santos - 25.mai.2023/Folhapress

Economistas fora do governo veem certo otimismo nas estimativas oficiais e têm criticado a opção da gestão Lula (PT) de centrar os esforços pelo ajuste no lado da receita, em vez de conter gastos. Ainda assim, há a avaliação de que alguns fatores podem contribuir para ampliar a arrecadação nos próximos períodos, embora não na medida propagada pela equipe econômica.

A IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado calcula um potencial de arrecadação extra de R$ 110,6 bilhões no ano que vem, já incluindo medidas validadas ou pendentes de aprovação.

A XP Investimentos vê espaço para elevar as receitas em R$ 148 bilhões, mas, para isso, conta com promessas ainda não concretizadas, como a tributação de apostas esportivas.

A discussão tem relevância porque 2024 será o primeiro ano sob a vigência do novo arcabouço fiscal, caso ele seja chancelado pelos congressistas. A Câmara dos Deputados já deu sinal verde à proposta, que aguarda apreciação do Senado Federal.

O governo promete zerar o déficit em 2024, atingindo o equilíbrio entre receitas e despesas. A nova regra prevê uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB (Produto Interno Bruto) para mais ou menos, o que equivale a algo em torno de R$ 25 bilhões.

A capacidade de o governo cumprir suas próprias metas no primeiro ano de funcionamento da regra será um sinalizador importante sobre a sustentabilidade do arcabouço no futuro.

Entre as medidas já aprovadas e que podem reforçar o caixa do governo está uma MP (medida provisória) editada ainda no governo Jair Bolsonaro (PL) que muda as regras do chamado preço de transferência —forma de tributar operações internacionais realizadas por empresas que integram um mesmo grupo econômico.

O objetivo central da proposta é fechar brechas usadas por multinacionais para pagar menos impostos no Brasil. Como a tributação sobre a renda é menor em outros países, elas declaram a venda de seus produtos para filiais no exterior a um preço próximo do custo de produção e, de lá, concluem a comercialização para o destinatário final pelo preço real.

Para acabar com a manobra, a proposta estende às operações realizadas dentro de um mesmo grupo as mesmas regras aplicadas nas transações entre empresas não relacionadas.

As novas regras já foram aprovadas e aguardam apenas sanção presidencial. Sua aplicação será obrigatória a partir do ano que vem. A estimativa da Fazenda é obter uma arrecadação de R$ 20 bilhões em 2024, podendo chegar a R$ 70 bilhões anuais no futuro. A IFI considera um valor semelhante para o ano que vem, enquanto a XP espera um valor bruto menor, de R$ 12 bilhões, a ser dividido com os governos regionais.

A equipe econômica também conseguiu aprovar, na última quarta-feira (24), o fim do aproveitamento de créditos do ICMS, imposto estadual, no pagamento de PIS e Cofins, dois tributos federais.

As empresas tiveram uma vitória no julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) que retirou o ICMS da base de cálculo de PIS/Cofins nas operações de venda, mas continuavam contabilizando o imposto estadual nas aquisições de insumos porque isso era mais vantajoso —elas ficavam com um crédito tributário maior para abater tributos devidos.

Uma medida provisória foi editada no início do ano para pôr fim à manobra, mas havia o risco de que perdesse validade antes de ser votada no Congresso. O governo conseguiu articular a inclusão da proposta em outra MP, que tratava de incentivos ao setor de eventos e de empresas aéreas.

Os benefícios fiscais devem custar R$ 4,3 bilhões ao ano. Ainda assim, o ganho esperado com o fim do uso dos créditos é maior, chegando a R$ 60 bilhões em 2024.

"Não temos uma estimativa própria, mas deve ser um número elevado de fato. Tem um impacto significativo", afirma o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos.

A maior controvérsia de números envolve a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que restabeleceu a cobrança de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre incentivos fiscais do ICMS que não tenham como foco subsidiar investimentos.

A Fazenda prevê uma arrecadação de ao menos R$ 50 bilhões líquidos a partir do ano que vem. Já a IFI calcula um impacto bem mais modesto, de R$ 12,5 bilhões. A XP espera uma arrecadação de R$ 21 bilhões para o Tesouro —uma outra parcela terá de ser dividida com estados e municípios.

Além da divergência de valores, economistas adotam cautela porque os contribuintes podem recorrer da decisão do STJ, adiando o ingresso dos recursos nos cofres do governo. "Além da dificuldade em estimar os valores envolvidos, a possibilidade de as atuais disputas judiciais se estenderem pelos próximos anos constitui outro fator de incerteza", alerta a IFI.

Apesar das medidas aprovadas, o governo também enfrenta alguns reveses. O efeito estrutural esperado da redução dos litígios no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que julga conflitos tributários, deve ficar só no papel com a perda de validade da medida provisória que buscava retomar o voto de desempate em favor da Fazenda para equalizar as disputas.

"Do que foi anunciado como medida estrutural, perene, nossa estimativa está em R$ 148 bilhões. É um ganho significativo, claro, mas menor do que o governo vinha prometendo", afirma Sbardelotto, da XP.

Segundo ele, as metas fiscais estipuladas por Haddad seguem "bastante ambiciosas", mesmo com o avanço nas medidas que elevam a arrecadação.

"Com a mudança do arcabouço fiscal, que acaba potencializando o crescimento da despesa no ano que vem, pois o relator abriu a possibilidade para que [o gasto] cresça 2,5%, a gente vê que está faltando pelo menos uns R$ 100 bilhões para cumprir a meta. Ainda tem um caminho grande para o governo conseguir fechar esse buraco", avalia.

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