Descrição de chapéu Financial Times

Mercado de automóveis da China se tornou um campo de batalha

Montadoras estrangeiras foram surpreendidas pela velocidade da transição para os veículos elétricos e pelo rápido crescimento das rivais nacionais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Edward White

Correspondente na China do Financial Times

Financial Times

No início da década de 1980, Carl Hahn, presidente da Volkswagen, enviou seus engenheiros à China para começar a fabricar os sedãs Santana da Volkswagen em Xangai. Ao defender a decisão, o chefe disse a seus principais subordinados em Wolfsburg que a Volkswagen poderia realizar grandes feitos na China "se formos capazes de explorar seu enorme potencial, ultrapassando nossos resultados em outros países".

Hahn, que morreu no começo deste ano, estava certo de duas maneiras. A ascensão da classe média da China criou o maior mercado automotivo do mundo. E a montadora alemã —um dos primeiros grupos estrangeiros a demonstrar fé na nova China de Deng Xiaoping— desfrutou durante décadas dos bilhões em lucros anuais decorrentes do fato de ser a marca mais vendida no país.

Sua presciência, no entanto, pode não ter se estendido ao que aconteceria quatro décadas mais tarde, quando as empresas chinesas começaram a fabricar carros melhores e de preços mais acessíveis do que seus concorrentes estrangeiros.

Estande da Volkswagen no Auto Shanghai de 2023, em Xangai, na China - Aly Song - 18.abr.2023/Reuters

Para a maioria dos grupos automotivos estrangeiros, os bons dias na China chegaram ao fim. Empresas como Volkswagen, Ford e Toyota foram surpreendidas na China por duas transições fundamentais. Primeiro, o ritmo em que os consumidores abandonarão o motor de combustão interna. Segundo, a ascensão dos fabricantes de veículos elétricos chineses.

Estimulados pela chegada dos modelos Tesla de Elon Musk, os fabricantes chineses de veículos elétricos se desenvolveram rapidamente, equipados com software de ponta e apoiados por generosas cadeias de suprimentos nacionais. Eles agora estão superando os rivais estrangeiros estabelecidos, em ritmo impressionante. Está ficando claro para os executivos e analistas do setor que as montadoras estão em uma luta darwiniana pela sobrevivência na China. Apenas um punhado de vencedores, concentrados em veículos elétricos, se manterá à tona —o restante naufragará no mercado.

Quase dois terços do número total de veículos de passageiros vendidos neste ano no mercado de "veículos de energia nova" foram fabricados por quatro grupos chineses e pela Tesla, de acordo com a Automobility, uma consultoria de Xangai. Pequim classifica esse mercado como incluindo carros híbridos plug-in e movidos a bateria. Uma única empresa, a BYD, sediada em Shenzhen, que é apoiada pelo grupo de investimento Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, responde por uma participação impressionante de 38% dessas vendas.

Até este ano, a Volkswagen vendeu mais carros do que qualquer outra empresa na China e ainda detém 13% das vendas de veículos com motor de combustão. A BYD agora está posicionada para destronar a Volkswagen de sua posição de liderança geral em 2023. Mais importante ainda, em termos de participação no mercado de veículos elétricos, o grupo alemão ficou em oitavo lugar este ano, com apenas 2,5% das vendas —e é o único outro grupo estrangeiro entre os dez primeiros, além da Tesla.

"Antes de essa eletrificação toda acontecer, ninguém sabia quem seria o vencedor", disse Yuqian Ding, um veterano analista do HSBC baseado em Pequim. "A BYD e a Tesla são as vencedoras".

Para os fabricantes que ainda tentam ganhar dinheiro com carros de combustão interna na China, o fim está previsto. Quase um em cada três carros vendidos já são veículos elétricos. Uma guerra de preços iniciada pela Tesla no ano passado apenas exacerbou essas tendências. Bill Russo, ex-comandante da Chrysler na China e agora líder da consultoria Automobility, diz que a vantagem de preço remanescente que os veículos a combustível têm sobre os veículos elétricos está sendo "erodida".

A consolidação é o próximo passo provável. Em 2022, cerca de três quartos das vendas de veículos elétricos na China estavam concentradas entre as dez marcas de veículos elétricos mais vendidas, de acordo com o HSBC. Isso deixa uma longa cauda de quase 60 marcas de carros elétricos competindo pelos restos. O futuro de dezenas de grupos chineses parece sombrio, sem o apoio do Estado. E a organização ecológica Greenpeace previu que, se a taxa de adoção se acelerar para cerca de 70% até 2030, tanto a General Motors quanto a Volkswagen teriam uma capacidade ociosa de mais de 2 milhões de unidades na China.

Na década de 1920, o fisiologista norte-americano Walter Bradford Cannon classificou as respostas dos seres vivos ao perigo como ou luta ou fuga. Isso agora está sendo discutido nas salas de conselho das montadoras mundiais. Nas últimas semanas, a Volkswagen dobrou o investimento de bilhões de dólares em novos veículos elétricos e prometeu produzir carros mais atraentes para os consumidores chineses. A Ford, por outro lado, está reduzindo os gastos na China, uma concessão surpreendente por parte de uma empresa que, há apenas uma década, era a sexta maior participante do mercado.

Nesse cenário, 2023 está a caminho de ser o primeiro ano em que as marcas chinesas superarão as vendas de carros estrangeiros na China. Mas as perdas das multinacionais na China são apenas o primeiro passo. Contêineres carregados com veículos elétricos chineses baratos e de alta tecnologia estão sendo despachados dos portos da China em um ritmo tal que o país está prestes a ultrapassar o Japão neste ano como o maior exportador de automóveis do planeta. As diretorias das montadoras precisam considerar não apenas a sobrevivência na China, mas a batalha pela sobrevivência que enfrentarão brevemente em casa.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.