Não vamos fazer carro popular à custa de segurança e ambiente, diz presidente da Stellantis

Antonio Filosa fala em modelo 'verde acessível'; governo anunciou redução de até 10,79% em carros populares

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São Paulo

Antonio Filosa foi um dos primeiros executivos da indústria automotiva a propor discussões sobre o retorno de automóveis com preços menores ao Brasil. Nesta quarta (24), o presidente do grupo Stellantis na América do Sul se encontrou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

A conversa, segundo Filosa, foi mais sobre o futuro da indústria nacional e menos sobre planos de curto prazo.

 Antonio Filosa é um homem branco, de cabelos escuros e entradas pronunciadas. Ele veste paletó escuro e camisa azul. Está sem gravata.
O presidente executivo da Stellantis América do Sul, Antonio Filosa, em jantar promovido pelo grupo Esfera Brasil, em São Paulo - Iara Morselle/Esfera Brasil

O executivo falou à Folha sobre o que espera desse futuro.

Como foi a reunião com o ministro Fernando Haddad? Foi uma reunião muito positiva com o ministro da Fazenda. Não temos falado especificamente dessa medida [relativa aos carros populares], mas temos falado da visão dele sobre o futuro da indústria no Brasil.

Saímos de lá com a certeza de que a indústria automobilística é prioridade para o governo e que muitas boas ideias e projetos estão sendo pensados para reindustrializar o [segmento] automotivo desse país.

Nós somos, de longe, os maiores investidores da indústria no país. Tudo o que queremos escutar é isso, então foi absolutamente animador.

Como o grupo Stellantis vê a retomada dos carros populares? A empresa está pronta para lançar produtos em uma faixa de preço mais baixa? A conversa de hoje [quarta] com o ministro foi para falar de longo prazo. Nós somos investidores muito fortes no Brasil. Na indústria automobilística, de longe somos os que investem mais. O interesse principal nosso e de nossos acionistas é entender o longo prazo.

Falando do curto e do médio prazos, quero dizer que a Stellantis não participou diretamente de discussões sobre o tema. Mas claro que recebemos informações. Como todo mundo, lemos os jornais e escutamos as análises.

O que posso falar é que seria interessante poder acelerar a produção e as vendas, porque isso gera mais empregos e mais atração de investimentos. Mas nós, como montadoras, temos que fazer a nossa parte. Temos que aumentar a eficiência industrial e, sobretudo, garantir que tudo seja feito com fornecedores locais. Senão você acelera a demanda, traz mais consumo para o Brasil, mas o dinheiro vai para fora.

A aceleração da demanda deve ser associada ao compromisso de localização, na minha visão. Depois, qualquer coisa que venha com o pacote de isenção fiscal –parcial ou total, não sei– e acesso facilitado ao crédito, vai ajudar. Os juros altos claramente têm um impacto nada positivo na indústria, é óbvio. Mas vejo que tudo isso vai ajudar.

E nós temos que fazer a nossa parte, com mais eficiência –que se reflete no preço– e mais localização, que resulta em geração de emprego e atração de investimentos para o Brasil. Se tudo isso acontecer bem, claramente estaremos prontos para apoiar o governo nesse desafio.

E como seria um novo carro popular? É importante falar que não pretendemos, de forma alguma, eliminar ou reduzir tecnologias que ajudam a mitigar os impactos ambientais. Temos um compromisso com a redução da emissão de CO2.

Por isso, em vez de carro popular, chamamos de carro verde acessível. Não temos nenhuma intenção de reduzir as tecnologias que ajudam a proteger o cliente no carro, ou seja, tudo que é ligado à segurança. Para nós, essas duas coisas são intocáveis.

Agora, se podemos baratear o carro porque vamos trocar um material meramente estético por outro quase igual, mas um pouco mais barato, isso vamos fazer. Mas nada que impacte a segurança e a redução da emissão de CO2.

Você acha que o ministério da Fazenda quer anunciar o carro popular agora, ou preferiria falar mais sobre projetos de longo prazo? Porque parece haver alguma discordância entre diferentes pastas do governo. Primeiro acho que o sucesso na votação de terça [sobre o arcabouço fiscal] foi um marco importante para o futuro. Isso porque, é óbvio, representa que Congresso e governo acharam um território comum de interesse fértil. E tudo isso foi traduzido em um acordo que representa um bem para o país, acho que foi um grande resultado.

Agora, sobre a "dialética" entre ministérios, é claro que cada um tem um papel para o futuro do país. Mas, no final, se a vontade existe –e me parece que existe–, tudo isso deveria ser resolvido com um acordo. Não conheço, sinceramente, em que ponto estão as conversas e quais são os detalhes, mas o que eu vi é vontade. Claro que cada um deles, tecnicamente, vai agregar nessa discussão.

Vocês conversaram sobre descarbonização, sobre a questão do etanol? Tivemos oportunidade, sim, de falar de rotas tecnológicas. Eletrificação pura, etanol, etanol junto com eletrificação, tudo isso. Eu percebi uma enorme vontade de entender tecnicamente o tema –o que é bastante interessante, por parte de um ministro da Fazenda, estar tão interessado em aspectos técnicos do tema. Para um engenheiro como eu, é muito gratificante.

Eu acredito que o Brasil terá uma grande chance de traçar, para o futuro automotivo, uma flexibilidade tecnológica que ninguém tem.

Por quê? Porque o Brasil, sim, pode abraçar a eletrificação, assim como estamos fazendo. E também pode abraçar o etanol, porque já temos e é muito bom. Podemos ainda combinar etanol com eletrificação, o que nós chamamos internamente de bioelétrico.

O Brasil tem a imensa sorte –entre aspas, porque não é sorte, é construção– de estar hoje em uma posição invejável e única no mundo. Há muitos caminhos positivos à frente para descarbonizar.

E há uma preocupação das montadoras em ocupar as fábricas.

Eu te convido a pensar não somente nas fábricas das montadoras, mas nas milhares de fábricas de nossos fornecedores.

Temos de tudo na nossa cadeia: empresas unifamiliares, empresas de médio porte, empresas globais de enorme porte. E, com todas elas, temos parcerias de longo prazo.

O que o fornecedor quer saber é para onde o país vai, e o que nós queremos assegurar aos fornecedores é que, também baseado na ótima conversa, parece-me que o Brasil vai se encaminhar muito bem para frente e terá a possibilidade de escolher inúmeras rotas tecnológicas.

Nós, como Stellantis, sempre encaramos esses desafios de transformação localizando a produção. Vamos trazer o que temos hoje de fornecedores e os que queremos trazer de fora para localizar essas tecnologias. Outros importam carros ou importam kits de eletrificação feitos na Ásia. Nós chamamos os nossos 2.000 engenheiros para desenvolver, junto com nossos fornecedores, soluções tecnológicas que serão industrializadas no Brasil, e não fora. Então isso é PIB para o país.

E quando essas novas soluções chegam ao mercado brasileiro? Estamos trabalhando muito intensamente, já anunciamos o nosso programa Bioeletro. Eu não posso falar de datas porque sou sempre restringido por acordos, mas não vai demorar muito para termos o prazer de sentar em um carro desses, estão chegando.


RAIO-X

Antonio Filosa é presidente para a América Latina do Grupo Stellantis, que controla Fiat, Peugeot, Citroën, Jeep, Dodge, Chrysler, Alfa Romeo, Masserati, entre outras montadoras. Ele é engenheiro, formado pela Universidade Politécnica de Milão.

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