Carros elétricos terão produção nacional e preços mais atraentes

Montadoras chinesas sairão na frente com fábricas no Brasil e na Argentina

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São Paulo

Os automóveis 100% elétricos seguem em crescimento constante no Brasil. Segundo a Anfavea (associação nacional das montadoras), o ano passado terminou com 8.458 emplacamentos nessa categoria, uma alta de 195,7% sobre 2021.

Embora o avanço impressione, as unidades comercializadas representaram apenas 0,4% dos licenciamentos de carros de passeio e veículos comerciais leves no país. É um resultado bem inferior à participação global: os modelos que não queimam combustível foram responsáveis por 10% das vendas mundo afora, de acordo com a consultoria EV Volume.

Compacto elétrico EQ1, conhecido como iCar no Brasil, é produzido pela Chery na cidade chinesa de Wuhu - Zhou Mu/Xinhua

Para que a presença desses automóveis se torne relevante no mercado nacional, será necessário oferecer opções mais em conta e produzidas localmente. É um processo lento, mas, pelos movimentos de hoje, os chineses saem na frente.

A BYD, que produz ônibus 100% elétricos em Campinas (interior de São Paulo), está prestes a anunciar sua primeira fábrica nacional de carros de passeio. O local mais provável é o complexo industrial desativado que pertence à Ford, em Camaçari (BA). As negociações estão avançadas, mas o acordo ainda não foi confirmado pelas empresas.

Um dos modelos cotados para produção nacional é o Yuan EV Plus, que já está à venda por R$ 270 mil. São R$ 20 mil a mais do que o pedido por um Jeep Compass Trailhawk, que é movido a diesel e tem
tamanho similar ao do utilitário esportivo chinês.

BYD Yuan, com motorização 100% elétrica, é apresentado durante evento em São Paulo - Rahel Patrasso/Xinhua

A produção nacional vai buscar reduzir essa diferença, tornando o modelo 100% elétrico mais atraente para o consumidor. É uma estratégia global, movida pelos investimentos elevados em carros que não queimam combustível. São veículos projetados para atender a normas que restringem emissões.

Ao mesmo tempo, as montadoras buscam mostrar que os novos automóveis também agradam ao volante.

"Um carro elétrico é até mais simples de dirigir do que um automóvel automático convencional", diz Luiz Eduardo Martins, gerente de engenharia veicular da GM América do Sul.

A montadora é uma das mais empenhadas na transição energética, e vê o Brasil como um cenário ideal para os automóveis eletrificados.

"O Brasil tem potencial para ser um hub para produção de tecnologias e veículos, considerando as condições adequadas que temos aqui, como matéria-prima para produção de baterias, engenharia qualificada, parque industrial bem desenvolvido e grande mercado consumidor", afirma Gláucia Roveri, gerente de desenvolvimento de infraestrutura para veículos elétricos da GM.

Mas os custos de desenvolvimento —e, principalmente, das baterias— pressionam os preços e explicam as diferenças ainda vultosas para modelos equivalentes equipados com motores a combustão.
Há também uma questão tributária em jogo: os modelos importados que chegam ao Brasil com tecnologias menos poluentes recebem alguns incentivos fiscais.

Cassio Pagliarini, da Bright Consulting, afirma que o critério utilizado atualmente para definir a tributação dos eletrificados é o mais justo.

"Hoje é a eficiência energética que gere o imposto cobrado de automóveis elétricos, híbridos e plug-in, que vai de 5,27% a 15,05%, sempre com a possibilidade de redução de até dois pontos percentuais pelo [programa de incentivo] Rota 2030", diz o especialista. Ele defende que o mesmo critério seja adotado para os demais automóveis.

"Já passou da hora para que automóveis a combustão também sejam regidos por uma regra relacionada à eficiência energética, emissões e segurança que não se descole dos objetivos governamentais para desenvolvimento do setor."

Contudo, diante dos custos envolvidos, os incentivos fiscais aos elétricos importados ainda não são suficientes para que os modelos cheguem ao país com preços competitivos. A produção localizada deve reduzir as despesas logísticas e acelerar a redução dos valores, e uma das possibilidades é a futura fábrica da chinesa Chery na Argentina.

Com investimento estimado no equivalente a R$ 2,1 bilhões, a linha de montagem deverá ter capacidade para produzir 100 mil veículos por ano. As negociações não envolvem o grupo Caoa Chery, que monta automóveis da marca chinesa em Anápolis (GO).

O local da futura fábrica argentina ainda não foi revelado, nem os modelos que serão feitos por lá. As possibilidades incluem SUVs e o eQ1, que no Brasil é comercializado como Caoa Chery iCar (R$ 150 mil).

Os carros 100% elétricos também estão no horizonte da GWM, que inicia a produção nacional em 2024. O primeiro veículo montado em Iracemápolis (interior de São Paulo) será a picape média da linha Proer, que terá motorização híbrida flex.

A marca confirmou que o investimento de R$ 10 bilhões inclui a fabricação de carros que só consomem eletricidade. Ainda não há data divulgada para o lançamento dessas opções.

Mas apesar das expectativas, o momento assusta. Diante de um mercado travado por juros altos e dificuldades na obtenção de crédito, algumas marcas já têm promovido reduções de preço de seus carros 100% elétricos no Brasil.

A Peugeot revisou a tabela do compacto e-208 GT, que custava R$ 245 mil no lançamento, em 2021. Hoje é oferecido por R$ 222 mil. Na JAC, o e-JS1 teve o preço reduzido de R$ 160 mil para R$ 146 mil.

Os descontos estão inseridos em um movimento global. A Tesla, por exemplo, reduziu em 20% o preço do Model Y nos Estados Unidos. A mudança ocorreu em janeiro, e hoje o carro custa o equivalente a R$ 288,2 mil. É possível diminuir esse valor por meio de incentivos fiscais, que variam de estado para estado.

O desconto generoso tem um motivo: encaixar o automóvel em uma faixa que permite acesso aos melhores benefícios tributários disponíveis nos EUA. Outros carros da empresa de Elon Musk também tiveram preços revistos. O Model S, por exemplo, ficou 5% mais em conta.

A tendência mundial é que os valores caiam de acordo com o ganho de escala, a amortização dos investimentos e a regularização do fornecimento de semicondutores. Esses fatores, somados à produção regional, vão ajudar o Brasil a se tornar mais relevante no longo processo de eletrificação dos carros.

Empresas buscam melhorias na infraestrutura de recarga

A chegada de um maior volume de automóveis elétricos, contudo, depende da melhora na infraestrutura. Os pontos de recarga seguem em expansão, mas ainda não é possível rodar por todo o Brasil com um veículo que não tem tanque de combustível.

Sudeste e Sul possuem a melhor capilaridade de eletropostos, mas o interesse é grande em outras regiões, como mostra estudo feito pela Tupinambá Energia em setembro de 2022.

O levantamento mostra que 58% dos 1.680 consumidores entrevistados têm intenção de adquirir um veículo híbrido ou elétrico. O índice é mais alto no Centro-Oeste (66%) e no Sul (61%). O Sudeste registra resultado dentro da média (58%), seguido por Nordeste (53%) e Norte (32%).

A ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico) estima que cerca de 3.000 eletropostos estejam disponíveis no Brasil. Há ainda os equipamentos para uso residencial, que tendem a se multiplicar junto com a frota circulante.

"O mais importante é que o proprietário tenha uma boa solução de recarga no seu ponto de partida, seja em casa, no escritório ou em qualquer outro local onde o veículo fique estacionado, em geral à noite, que é o período em que a recarga costuma acontecer com mais frequência", afirma Gláucia Roveri, da GM.

Uma das mudanças em curso é a cobrança pela recarga. "Eletropostos gratuitos são viáveis apenas em períodos iniciais de transição, quando o mercado de carros elétricos ainda é incipiente", afirma Ricardo David, sócio-diretor da Elev, empresa especializada em soluções para a eletromobilidade.

"Embora sejam divulgados por fabricantes como uma vantagem, esses equipamentos podem causar filas e frustração aos motoristas de automóveis elétricos."

Shell, inaugura o segundo eletroposto do programa Shell Recharge
Shell inaugura o segundo eletroposto do programa Shell Recharge no Brasil, localizado no Posto Jardim do Trevo, em Campinas (SP) - Divulgação

Os postos Shell Recharge já cobram pelo serviço, mas os preços são menores que o custo dos combustíveis. "O valor do serviço é proporcional à potência instalada do carregador, e quanto maior a potência, mais rápida será a recarga e menor o tempo de espera", explica Ana Kira, gerente de mobilidade elétrica da Raízen. "Atualmente, o preço da recarga rápida custa a partir de R$1,90 por kWh."

Kira afirma que a empresa tem realizado análises estratégicas para facilitar o deslocamento dos motoristas de automóveis elétricos pelo país. "A princípio, a estratégia do programa estava focada apenas no Sudeste, mas agora o projeto está em expansão e com perspectiva de entrada em novas regiões, como
Sul e Centro-Oeste."

A Vibra Energia, que é como a BR Distribuidora passou a se chamar em 2021, também planeja expandir sua rede de recarga. A empresa prevê a instalação de um total de 70 eletropostos Petrobras até o fim de 2023, cobrindo cerca de 9.000 quilômetros em corredores rodoviários.

A infraestrutura passa ainda por testes feitos por montadoras. A Ford, por exemplo, incluiu o pilar eletrificação dentro de sua estratégia para o mercado de veículos comerciais, chamada Ford Pro.

"Temos cinco unidades da van elétrica e-Transit circulando por São Paulo, todas com empresas do segmento de vendas e entregas urbanas", afirma Matias Guimil, gerente de estratégia e produto da Ford América do Sul. "Esse tipo de empresa tem como prioridade a agenda ESG, mas o maior interesse é avaliar o custo de operação."

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