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Henrique A. Castro

O novo Conselhão sob a longa sombra do passado

Nossos conselhos econômicos nunca se consolidaram como espaços de diálogo

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Henrique A. Castro

Pesquisador do Núcleo de Direito e Economia Política da FGV Direito SP, escreveu sua tese de doutorado sobre órgãos de deliberação público-privada na economia ("Compulsory Deliberation: Variations in Stability Between South African and Brazilian Economic Councils")

"O Conselhão voltou!", anunciou o ministro Alexandre Padilha na primeira reunião do fórum que reúne empresários, trabalhadores e sociedade civil para assessorar o presidente em políticas de desenvolvimento.

No entanto, não é a primeira vez que o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e (agora também) Sustentável volta. O atual governo lembrou de sua desconstituição por Bolsonaro, mas esqueceu que Dilma Rousseff abandonou o órgão. Quem lançou a moda de revivê-lo foi Temer, inimigo mortal dos petistas.

Ironias à parte, a animação de Padilha contrasta com um passado que também paira sobre o igualmente reanimado Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial: repetidamente reconstituídos em quase todos os governos desde Vargas, nossos órgãos de deliberação público-privada sobre a economia nunca se consolidam.

Apesar da recorrente retórica de diálogo, os conselhos raramente transcenderam a função de plataformas para que as autoridades do dia anunciem e busquem adesão a suas políticas. Não foi diferente com o Conselhão quando criado em 2003.

Infelizmente, instrumentalizá-los para o marketing é receita para a autoderrota: participantes, especialmente empresariais, gradualmente deixam de comparecer se sentem que apenas referendam decisões prontas. Quando governos enfim abandonam estes órgãos, eles já são vitrines sem plateia.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sessão inaugural do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, no Itamaraty - Gabriela Biló - 4.mai.2023/Folhapress

Interesse só persistirá quando os conselhos forem mobilizados para sua vocação mais meritória: incorporar as experiências dos atores "da linha de frente" às políticas econômicas.

Para o governo, manter encontros periódicos que por vezes não levam a nada é certamente uma dor de cabeça. No entanto, o empenho não seria em vão. Isso porque diálogos duravelmente institucionalizados levam a políticas mais bem conectadas com a realidade e com as quais seus alvos conseguem se identificar.

Já tivemos lampejos de sucesso, como a criação de leis de incentivo à inovação na gênese do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, conduzido pelo então ministro Luiz Furlan. No entanto, estes lampejos dependeram sempre do comprometimento individual de lideranças de alto escalão que raramente permanecem em seus cargos no longo prazo. Os "novos" conselhos precisam tornar suas operações menos dependentes de tais pessoalismos.

Uma saída seria estabelecer regras que possibilitem aos segmentos representados conduzir os conselhos econômicos de forma relativamente autônoma. Isso significaria distribuir prerrogativas internas tradicionalmente exclusivas ao Poder Público, como formar a pauta, agendar encontros e presidir as discussões.

Ao menos algumas destas regras precisariam ser positivadas em lei ordinária, para que governos não possam alterá-las por decreto, como fez Bolsonaro com órgãos participativos em tantas áreas.

Com essa combinação, participantes poderiam manter diálogos mesmo sem ânimo das autoridades. Arranjos do tipo já existem nos conselhos participativos que melhor resistiram às investidas do governo anterior, como o Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

Na ausência de poder decisório vinculante, isso não traria ingerências indevidas sobre as políticas públicas. Pelo contrário, espaços oficiais de prestígio criam alternativas a canais informais que privilegiam os interesses mais bem organizados.

Nenhum arranjo jurídico supre a vontade de dialogar. No entanto, regras que valorizam a agência dos participantes provocam maior comprometimento de longo prazo, o que, por sua vez, mantém condições para revigoramento do diálogo após lapsos governamentais.

Foi o que ocorreu com o sul-africano National Economic Development and Labour Council que, após à gestão de Jacob Zuma (2009-2018), rejuvenesceu-se e desempenhou papel internacionalmente reconhecido durante a crise da Covid-19.

O novo Conselhão ainda não deu sinais de que irá além do marketing, inclusive pela estranha inclusão de influencers. Continua sobre o governo o ônus demonstrar que seu empenho no diálogo sobre a economia vai além da boca para fora.

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