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Valorização do salário mínimo pode pressionar arcabouço fiscal no futuro, dizem economistas

Regra prevê reajuste por inflação mais PIB de dois anos antes, ritmo que pode superar correção da regra de gastos

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Brasília

Plataforma de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a política de valorização do salário mínimo pode pressionar a sustentabilidade do arcabouço fiscal desenhado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) nos próximos anos.

É possível que o salário mínimo avance num ritmo mais célere do que a regra geral das despesas, o que tem sido apontado por economistas como uma incongruência entre políticas.

A medida deve custar R$ 82,4 bilhões entre 2024 e 2026, segundo estimativa do governo. Só no ano que vem, o cálculo indica um gasto extra de R$ 18,1 bilhões, ainda não contemplado na proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).

Nos anos seguintes, o impacto será ainda maior: R$ 25,2 bilhões em 2025 e R$ 39,1 bilhões em 2026.

A proposta de Lula resgata a fórmula já usada em gestões petistas: reajuste pela inflação mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião com Lula e o presidente da Argentina, Alberto Fernandez - Sergio Lima - 02.mai.2023/AFP

Já a regra fiscal diz que o limite de despesas cresce o equivalente a 70% da alta real das receitas (que está diretamente ligada ao ritmo da atividade econômica), respeitando um teto de alta real de 2,5% ao ano.

Em um cenário de aceleração do PIB, como é almejado por Lula, o descompasso entre a correção do piso nacional e a regra fiscal ficaria ainda mais evidente, dado que o crescimento dos salários e benefícios ultrapassaria cada vez mais a correção do limite de gastos.

O Ministério da Fazenda foi procurado para comentar as avaliações, mas não respondeu até a publicação deste texto.

O ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, destaca que dois terços dos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) equivalem a um salário mínimo. Além disso, há outras rubricas que são influenciadas como abono salarial e seguro-desemprego.

"Mais de 50% de toda a despesa do Orçamento é indexada ao salário mínimo", afirma. "E o problema é que, pela regra, a alta real vai ser bastante grande em 2023."

O projeto de lei enviado pelo governo ainda precisa ser votado pelo Congresso, mas, se prevalecer o mecanismo proposto, o ganho real do piso no ano que vem tende a ficar em 2,9% —tamanho da variação do PIB no ano passado. O percentual supera o teto de 2,5% de correção do limite de despesas acima da inflação.

Quando uma despesa cresce de forma mais acelerada do que a ampliação do teto em si, outros gastos precisam compensar esse movimento —ou seja, eles ficam com um espaço proporcionalmente menor no Orçamento.

O dilema é semelhante ao que foi visto sob o teto de gastos, regra fiscal aprovada no governo Michel Temer (MDB) e duramente criticada pelos petistas. O teto também limitava o crescimento das despesas, mas era mais rígido ao impedir qualquer tipo de correção acima da inflação. Com isso e também com as pressões políticas por alta de gastos, a regra se mostrou insustentável em poucos anos.

A diferença agora é que o arcabouço proposto por Haddad garante uma margem de manobra maior no Orçamento ao se apropriar do espaço adicional criado pela PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada na transição de governo e também permitir algum avanço acima da inflação.

No envio da proposta de LDO 2024, o governo indicou um espaço de R$ 196,4 bilhões para despesas discricionárias, que incluem custeio e investimentos públicos. Nos anos seguintes, a previsão é semelhante, sempre superior a R$ 190 bilhões.

Para Bittencourt, no entanto, a folga pode ficar bem mais estreita já nos próximos anos por causa não só da dinâmica de correção do salário mínimo, mas também da instituição de um mínimo para investimentos e da mudança nos pisos de saúde e educação. "É possível que o governo sinta desconforto [com o nível de discricionárias] ainda neste mandato", afirma.

Nas contas do ex-secretário, a nova regra fiscal pode garantir um espaço extra de R$ 125 bilhões a R$ 165 bilhões no ano que vem, considerando o piso (0,6%) e o teto máximo (2,5%) de crescimento do limite de despesas.

A nova margem não poderá ser consumida livremente pelo governo, uma vez que ela também deve acomodar o aumento nos gastos obrigatórios.

Desse valor, R$ 71,3 bilhões serão consumidos apenas pela correção dos benefícios previdenciários e assistenciais pelo INPC. O ganho real do salário mínimo demandará outros R$ 18,1 bilhões.

O presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, minimiza as preocupações com o tema. "A regra [do salário mínimo] é similar à do primeiro governo Lula, e foi exitosa. Com certeza será uma política de distribuição de renda, que trará melhoria no ambiente econômico, com aumento de consumo", disse.

A discussão em torno da regra do salário mínimo é politicamente delicada, por se tratar de uma das promessas de campanha de Lula. O Congresso, porém, tem buscado maneiras de minimizar as pressões sobre o limite de despesas e discute colocar a suspensão da alta real do salário mínimo como um dos gatilhos de ajuste, caso a meta fiscal seja descumprida por dois anos seguidos, como revelou a Folha.

Há ainda o impacto da mudança nos mínimos constitucionais de saúde e educação. Até 2016, eles correspondiam a uma proporção da arrecadação (15% da receita corrente líquida para a saúde e 18% da receita de impostos para a educação).

A partir de 2017, sob o teto de gastos, os pisos passaram a ser corrigidos apenas pela inflação —o que contribuiu para desacelerar seu ritmo de crescimento. Com o novo arcabouço, eles voltarão à regra anterior, atrelada às receitas.

A nova regra ainda não foi incorporada às estimativas da proposta de LDO. Por isso, os mínimos em saúde e educação devem crescer R$ 35 bilhões em relação a 2023, segundo Bittencourt. Isso também consumirá parte do espaço extra, achatando as despesas discricionárias.

O efeito da correção dos mínimos constitucionais também foi alvo de alerta do economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos. Ele calcula que o aumento será de R$ 33,4 bilhões, segundo R$ 28,8 na saúde e R$ 4,54 bilhões no mínimo da educação.

A questão já está no radar do governo. Haddad já disse que o governo deve rediscutir as normas que ditam o avanço de despesas obrigatórias e as vinculações orçamentárias (gastos atrelados a um piso ou a um percentual das receitas).

O governo também pode sofrer pressões pelo lado das receitas. O arcabouço exige o cumprimento de metas de resultado primário, obtidas a partir da diferença entre arrecadação e despesas. O objetivo da equipe de Haddad é sair de um déficit de 0,5% do PIB este ano para um superávit de 1% do PIB em 2026. O mercado tem dúvidas sobre a capacidade de o governo entregar essas metas.

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