Descrição de chapéu The New York Times

Vice, colosso digital em decadência, pede recuperação judicial

Além de seu site, o grupo tem a agência de publicidade Virtue, a divisão Pulse Films e o site voltado para mulheres Refinery29; todos continuam em operação

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Lauren Hirsch Benjamin Mullin
The New York Times

A Vice Media entrou com pedido de recuperação judicial na segunda-feira (15), pontuando um declínio de um ano de uma queridinha das novas mídias para uma história de advertência sobre os problemas enfrentados pela indústria de publicação digital.

A recuperação judicial não vai interromper as operações cotidianas dos negócios da Vice, que, além de seu site, incluem a agência de publicidade Virtue, a divisão Pulse Films e o site voltado para mulheres Refinery29, adquirido pela Vice em 2019.

Nancy Dubuc era CEO da Vice até o início do ano, mas deixou o cargo em meio à crise da empresa - Fred Prouser - 16.abr.2013 / Reuters

Um grupo de credores da Vice, incluindo Fortress Investment Group e Soros Fund Management, está na posição de liderança para adquirir a empresa para evitar a falência. O grupo apresentou uma oferta de US$ 225 milhões, que seria coberta por seus empréstimos feitos à empresa.

Segue-se um processo de venda. Os credores garantiram um empréstimo de US$ 20 milhões para continuar operando a Vice e, se não surgir uma oferta melhor, o grupo que inclui Fortress e Soros adquirirá a companhia.

Ainda assim, os sonhos que os executivos da Vice tinham de estrear na Bolsa ou de uma venda por uma avaliação impressionante foram apagados. A empresa foi avaliada em US$ 5,7 bilhões em certo momento.

Os investimentos de titãs da mídia como a Disney e hábeis investidores financeiros como a TPG, que gastou centenas de milhões de dólares, serão inutilizados pela falência, consolidando o status da Vice entre as mais notáveis apostas ruins da indústria de mídia.

Como alguns de seus pares na indústria de mídia digital, incluindo BuzzFeed e Vox Media, a Vice e seus investidores apostaram muito no poder crescente de redes de mídia social como Facebook e Instagram, prevendo que elas forneceriam uma onda de leitores jovens e em ascensão que os anunciantes desejavam alcançar.

Embora os leitores chegassem aos milhões, as novas empresas de mídia tiveram dificuldades para obter lucros com eles, e a maior parte dos dólares de anúncios digitais foi para as grandes plataformas de tecnologia. No mês passado, o BuzzFeed fechou sua divisão de notícias vencedora do Prêmio Pulitzer depois de abrir o capital por uma fração de sua avaliação anterior, e a Vox Media no início deste ano levantou dinheiro por cerca de metade de sua avaliação de 2015.

"Definitivamente há pontos em comum nas dificuldades que as organizações de mídia têm enfrentado, e a Vice não é exceção", disse S. Mitra Kalita, fundadora e editora da empresa de jornalismo comunitário Epicenter-NYC, com sede no bairro de Queens, em Nova York. "Agora sabemos que atrelar uma marca à rede social apenas para seu crescimento e audiência não é sustentável."

O pedido de falência dará à empresa algum alívio de sua pesada carga de dívidas, já que seus credores, incluindo a Fortress, tentam salvar seus investimentos. A Vice Media levantou um empréstimo de US$ 250 milhões da Fortress e do Soros Fund Management em 2019, enquanto lutava contra uma queda nos lucros. Ela está inadimplente com esse empréstimo há meses.

"É o credor chegando e dizendo: 'Cansei de financiar as perdas –se vou financiar as perdas, vou assumir o controle da empresa", disse Eric Snyder, presidente de falências da firma de advocacia Wilk Auslander. "Não é incomum que o credor chegue e diga ao devedor, o tomador do empréstimo: 'Você está colocando isso em falência, você vai fazer uma moção para vender, vamos fazer uma primeira oferta.'"

A Fortress vê um papel contínuo na Vice para Shane Smith, o impetuoso cofundador que se tornou sinônimo do jornalismo "gonzo" da empresa, a partir de locais exóticos, e supervisionou uma cultura de ampliar fronteiras, repleta de alegações de assédio sexual, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto. Hozefa Lokhandwala e Bruce Dixon, co-CEOs da Vice, também permanecerão.

Em um comunicado, Dixon e Lokhandwala disseram que a falência acabaria "fortalecendo a empresa".

"Estamos ansiosos para concluir o processo de venda nos próximos dois a três meses e mapear um próximo capítulo saudável e bem-sucedido na Vice."

Disney chegou a avaliar oferta bilionária para comprar Vice, mas não houve acerto - Brendan McDermid -5.out.23/REUTERS

A falência é um momento de humildade para a Vice, que há uma década parecia destinada a ser vendida por uma quantia estonteante ou estrear nos mercados públicos. Na década de 2010, a Vice levantou muito dinheiro de empresas de mídia tradicionais, que havia atacado por se tornarem complacentes. A empresa vendeu aos anunciantes e investidores sua capacidade de atingir jovens da geração do milênio que estavam ansiosos por uma alternativa para seus rivais corporativos, entregando reportagens do tipo "você está lá" da Coreia do Norte e da Libéria sem a moderação da grande mídia noticiosa.

Mas a dura realidade da edição digital atingiu a Vice, e as coisas deram errado. Em 2017, a empresa arrecadou US$ 400 milhões da empresa de private equity TPG em um acordo denominado "Projeto Vênus", que avaliou a empresa em US$ 5,7 bilhões. Mas a infusão de dinheiro sobrecarregou a Vice com obrigações financeiras caso não atingisse metas de lucratividade agressivas, e acabou se tornando um fardo para a empresa. Mais tarde naquele ano, The New York Times e outros veículos publicaram investigações sobre denúncias de assédio sexual na empresa, dando início a uma crise na Vice que abalou a confiança em sua administração.

Smith substituiu-se como CEO da empresa, nomeando Nancy Dubuc –uma antiga executiva de TV da A&E que liderou sucessos como "Duck Dynasty"– para supervisionar o crescente império de mídia baseado no bairro do Brooklyn, em Nova York. Os investidores esperavam que Dubuc vendesse a empresa ou a tornasse pública, e ela fez diversas tentativas.

A mais recente ocorreu no último inverno, num processo de venda que despertou o interesse de vários potenciais pretendentes. O Antenna Group, empresa de mídia grega que já fez negócios com a Vice antes, manifestou interesse em adquiri-la, mas o negócio não se concretizou. Dubuc saiu em fevereiro, sem nenhum comprador à vista e sem atingir seu objetivo de obter lucro de forma consistente na Vice.

A situação piorou no mês passado. A empresa demitiu funcionários depois que a Antenna parou de fazer pagamentos à Vice por um acordo de produção no valor de centenas de milhões de dólares. Os cortes incluíram funcionários da Vice World News, a iniciativa global de jornalismo da empresa, depois que ficou claro que esses esforços não eram mais viáveis financeiramente.

Alex Detrick, porta-voz da Antenna e ex-diretor de comunicações da Vice sob Smith, se recusou a comentar.

Kalita, da Epicenter-NYC, que também cofundou a URL Media –uma rede de meios de comunicação de propriedade de pessoas negras e pardas que compartilham conteúdo e publicidade–, disse que a falência da Vice é um lembrete para os fundadores desenvolverem muitos tipos diferentes de negócios além da publicidade.

"Acho que mesmo aqueles de nós que administram startups de mídia lucrativas hoje", disse Kalita, "estão pensando com mais cuidado sobre o crescimento e garantindo que possamos definir continuamente nosso público e o valor que representamos para ele."

Matéria publicada originalmente no The New York Times.

Tradução Luiz Roberto M. Gonçalves

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