Vigilante que reclamou de 'marmita azeda' é suspensa de empresa

OUTRO LADO: terceirizada fala em mal-entendido e SPTuris, que contratou serviço, diz que responsabilidade de fiscalizar é do Ministério do Trabalho

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São Paulo

Ellen da Silva Lima, 22 anos, trabalha como vigilante freelancer. Ela tinha dois eventos agendados com a ESC Fonseccas Empresa de Segurança nos próximos dias em São Paulo: trabalhar no show de Alicia Keys, no Allianz Parque, nesta sexta (5), e no jogo entre São Paulo e Internacional, no Morumbi, no domingo (7).

Na terça-feira (2), um dia depois de ter relatado à Folha as más condições de trabalho justamente durante as comemorações do Dia do Trabalho, Ellen foi dispensada dos dois eventos. Ela relata que também foi bloqueada nos grupos de WhatsApp da ESC e nos contatos das duas contratantes da empresa, com quem costumava acertar os trabalhos.

"Eles me tiraram da escala e me bloquearam. Eu estava escalada há duas semanas para o trabalho no Allianz. Disseram que o efetivo diminuiu, mas não é verdade. Outras colegas que vão trabalhar lá contaram que o efetivo continua em 700 pessoas", afirma Ellen.

O bloqueio deixou a trabalhadora apreensiva. "Eu preciso sustentar minhas filhas, preciso desse bico até achar um emprego com registro em carteira", diz ela, que é mãe de três meninas e está separada do pai das crianças.

Mulher negra de jaqueta amarela
A segurança Ellen da Silva Lima durante a celebração do 1º de Maio, Dia do Trabalho, organizado por centrais sindicais no Vale do Anhangabaú, centro da capital paulista. - Bruno Santos/Folhapress

A segurança voltou a ser procurada pela ESC após a Folha entrar em contato com representantes da empresa para reportar o caso, mas agora teme ser alvo de retaliação.

"Nós seguranças somos humilhados com frequência", diz. "Os coordenadores dos eventos da ESC gostam muito de gritar quando vão indicar as posições de cada um. Se sentem bem maltratando as pessoas, são arrogantes", afirma.

Além do marmitex azedo –porque, segundo o relato de Ellen, a comida chega cedo e fica sem refrigeração, até que o vigilante seja escalado para comer–, a empresa contrata um excedente de vigilantes para cada evento. Quando reúne o efetivo que precisa, dispensa os demais, sem pagar a condução, de acordo com ela.

"Já me chamaram para um evento no Allianz e me dispensaram quando chegou a minha vez, eu e mais umas 30 pessoas que estavam atrás de mim na fila", diz. "Tive que pedir para uma prima pagar um Uber para me buscar, porque contava com o dinheiro do trabalho para pagar a condução de volta", diz ela, que mora na zona leste de São Paulo.

Ellen está desempregada há um ano e meio e prestava serviços para a ESC desde o ano passado.

"Nenhum dos vigilantes tem contrato de trabalho intermitente, todo mundo é freelancer", diz ela, que afirma não ter a CNV (Carteira Nacional de Vigilante). "Para isso, eu precisaria ser registrada em carteira."

Sindicato diz que 'frila de vigilante' vai contra legislação

O caso de Ellen revela parte de uma questão complexa envolvendo o setor de segurança de grandes eventos: em geral, os profissionais não estão habilitados para trabalhar como vigilantes.

"A lei 7.102/83 determina que vigilante tem que ter contrato com uma empresa legalmente constituída", diz o presidente do SEEVISP –Sindicato dos Empregados de Segurança, Vigilância e Similares de São Paulo, Antônio Pereira de Oliveira, referindo-se à legislação que trata do funcionamento das empresas particulares que oferecem serviços de vigilância e de transporte de valores.

O que pode ocorrer é o contrato de trabalho intermitente, ou seja, uma prestação de serviços de forma esporádica, mas com registro em carteira. "Fazer serviço freelancer de vigilante vai contra a legislação."

Segundo Oliveira, o vigilante precisa fazer cursos de formação na área, reciclagem a cada dois anos e ter contrato em carteira para obter a CNV, emitida pelo GESP (Sistema de Gestão Eletrônica de Segurança Privada) da Polícia Federal. "Mas o que vemos a todo momento é que as empresas não seguem as convenções coletivas de trabalho [CCTs] e atuam fora da legislação", afirma. "A CNV é fundamental inclusive para garantir que a pessoa não tem antecedentes criminais."

Pela mais recente CCT, o piso de vigilante para São Paulo está em R$ 140 a diária de 12 horas, mais uma refeição, que deve ser "de boa qualidade", ressalta Oliveira. "Se ultrapassar as 12 horas, o bom senso diz que a empresa deve pagar mais uma refeição ao funcionário", afirma.

A legislação diz que a empresa tem direito a convocar uma reserva técnica (para além do total do efetivo previsto), que pode chegar a 30% do pessoal mas, em caso de dispensa, a CCT determina o pagamento de R$ 20 como ajuda de custo para condução.

Além disso, o vigilante também precisa ser convocado para o trabalho com pelo menos três dias de antecedência.

Ellen diz que não é sempre assim. "Conto com a minha mãe para ficar com as minhas filhas, fora do horário da creche. Mas como ela tem problemas de saúde, nem sempre ela pode ficar. A ESC já me chamou algumas vezes de última hora e eu tive que dar metade da diária para a pessoa que cuida das meninas", diz ela, cujas filhas têm 2, 3 e 5 anos.

Outro lado

Procurada pela Folha, a ESC Fonseccas Empresa de Segurança não soube explicar o que aconteceu para Ellen ser bloqueada no grupo de WhatsApp da companhia. "Não existe grupo de WhatsApp da empresa para os eventos, cada funcionário é contatado individualmente", disse Everson Cremonesi, gerente operacional da ESC.

A Folha, no entanto, teve acesso ao print de tela do grupo de WhatsApp da companhia, que apontou a remoção de Ellen.

Cremonesi acha que pode ter havido um mal-entendido pelo fato de Ellen ter sido bloqueada também por parte das responsáveis pela contratação dos vigilantes, mas disse que ela já estava sendo contatada para trabalhar em outros eventos.

O executivo afirma que a empresa segue todas as normas para participar de licitações de eventos da Prefeitura de São Paulo, como foi o Ato do 1º de Maio, no Vale do Anhangabaú –evento, inclusive, que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu gerar mais empregos no país e melhorar a condição de vida dos trabalhadores. Na ocasião, a contratação da ESC foi feita pela SPTuris (São Paulo Turismo).

No que se refere à dispensa de trabalhadores chamados para atuar em eventos, Cremonesi afirma que a empresa faz a reserva técnica de até 30% do efetivo –para evitar falhas de pessoal de última hora. "Mas temos feito o pagamento de R$ 20 como ajuda de custo para condução", afirma.

De acordo com Cremonesi, a ESC tem "2.000 funcionários cadastrados" para o serviço de vigilante. O executivo não soube dizer, porém, quantos são contratados em regime de trabalho intermitente e quantos são freelancers. "Alguns pedem para continuarem como freelancers porque não querem perder o direito aos auxílios governamentais", afirmou.

Sobre a questão da marmita que "azeda" antes de ser consumida, Cremonesi diz desconhecer esse tipo de ocorrência, e que existe uma empresa contratada, "que tem nutricionista", para fornecer as refeições. "Eu como a mesma comida que eles recebem no evento", diz.

Questionada pela Folha sobre os problemas envolvendo a ESC, a SPTuris informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que "a empresa ESC foi contratada por meio de processo licitatório para executar serviços de segurança no evento do Dia do Trabalhador no Vale do Anhangabaú em 1º de maio", informou, em nota.

"A pasta monitora a prestação de serviços e o cumprimento de contratos. Até o momento não foram registradas reclamações ou denúncias trabalhistas relacionadas à realização do evento."

Questionada novamente pela Folha a respeito da contratação de freelancers por parte da ESC, contra o que indica a legislação, a SPTuris informou que "o contrato assinado com a ESC demandava a atuação de profissionais devidamente habilitados, com curso de formação de vigilantes aplicado por empresa devidamente autorizada."

"Cabe destacar que a SPTuris monitora a prestação de serviços, mas a fiscalização trabalhista cabe ao Ministério do Trabalho."

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