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Agrofolha PIB

Brasil cresce com soja, minas e ouro preto, mas consumo e investimento fraquejam

Setores menos sujeitos ao efeito de juros foram bem; demanda interna tropeçou

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Vinicius Torres Freire

Colunista da Folha

A economia brasileira teve um crescimento muito bom e, outra vez, muito além das previsões de quase todo mundo que se dedica profissionalmente a esses chutes informados. O PIB aumentou 1,9% no primeiro trimestre de 2023 ante o quarto trimestre de 2022. Caso o crescimento dos próximos trimestres seja zero, nenhum, o PIB deste 2023 terá crescido 2,4% —as próximas estimativas devem vir acima dos 2%. No final de 2022, a mediana da centena de projeções "de mercado" compiladas pelo Banco Central era de alta de 0,8% do PIB. É uma enormidade de diferença.

Como já se sabe, esse resultado excepcional do trimestre se deveu à agropecuária, em particular à produção de soja (quando se considera o PIB pelo ponto de vista da produção), com alta de incríveis 21,6%. O conjunto da indústria ficou estagnado, mas as indústrias extrativas (minério, petróleo, etc. "minas e ouro preto"), foram bem (alta de 2,3%).

Trator fabricado pela New Holland que utiliza o gás gerado a partir da decomposição de resíduos orgânicos como combustível; sistema produz menos CO2 e consome menos do que o modelo a diesel
Trator fabricado pela New Holland que utiliza o gás gerado a partir da decomposição de resíduos orgânicos como combustível; sistema produz menos CO2 e consome menos do que o modelo a diesel - Divulgação

A indústria de transformação ("fábricas") encolheu pelo terceiro trimestre seguido; a construção civil, pelo segundo. O setor de serviços resiste (alta de 0,6%), também impulsionado pela demanda de setores primários e exportadores (grãos, minérios etc.).

Olhando para o mesmo PIB de outra maneira, pelo ponto de vista do consumo, a gente vê, claro, o mesmo resultado muito bom, no conjunto. Mas os números dão mais o que pensar sobre o que tem se passado na economia.

O investimento em novas instalações produtivas, novas casas, máquinas e equipamentos caiu pelo segundo trimestre seguido; a taxa de investimento (quanto a economia usa do PIB para a expansão produtiva) cai desde meados de 2022. O consumo privado, dito das famílias, aumentou apenas 0,2%.

Onde está o crescimento do PIB, da perspectiva do consumo? Em exportações muito maiores que importações: o mundo lá fora foi o responsável por boa parte do crescimento do consumo da nossa produção; em "variação de estoques", no caso, provavelmente, produção agrícola a ser exportada.

A demanda doméstica (consumo das famílias, do governo e investimento), deu uma contribuição negativa ao crescimento do PIB (-0,48 ponto percentual). Exportações (menos importações), com contribuição de 1,26 ponto, e variação de estoques (1,17 ponto) levaram o PIB trimestral adiante.

Trocando em miúdos, a economia cresceu naqueles setores menos sujeitos a taxas de juros, grosso modo. Altas taxas de juros e condições financeiras mais apertadas em geral, além de famílias e empresas endividadas, contêm o consumo privado e investimento produtivo. Aparecem aí os sinais de desaquecimento da economia, que deve fraquejar um pouco mais ao longo do ano por causa da desaceleração do crescimento do emprego e do salário.

Ainda assim, dado o pessimismo do final do ano passado, o resultado foi muito bom, repita-se. Recorde-se que a economia cresceu 2,9% em 2022. Nos quatro trimestres até o primeiro de 2023, 3,3% —no conjunto, deu uma aceleradinha.

Esse resultado deve ajudar ainda a arrecadação do governo, que vai precisar de muita receita a fim de acertar suas contas, seus déficits, e conter a alta da dívida pública. Por fim, dando uma corzinha política à numeralha do PIB, o agronegócio, que em geral não tem simpatia pelo governo Lula, para dizer o mínimo, deve dizer que está segurando as pontas da economia brasileira. A indústria vai pedir mais ajuda.

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