Meta de déficit zero em 2024 eleva pressão por receitas para fechar Orçamento

Técnicos têm adotado projeções mais conservadoras; auxiliares de Haddad falam em medidas de reserva

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Brasília

A promessa do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de zerar o déficit nas contas públicas já em 2024 tem tornado ainda mais desafiadora a tarefa de fechar a proposta de Orçamento para o ano que vem —que precisa ser enviada até 31 de agosto ao Congresso Nacional.

Segundo relatos colhidos pela Folha, há pressão nos bastidores para que a Receita Federal coloque no papel as estimativas de arrecadação necessárias para o governo conseguir atingir a meta traçada.

Ao enviar o PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), a equipe econômica contou com um aumento de R$ 155,7 bilhões nas receitas administradas, decorrente de "medidas legislativas que se encontram em discussão no Poder Executivo".

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Ueslei Marcelino - 02.mai.2023/Reuters

Desde então, parte das medidas foi encaminhada, mas outras ainda estão sendo debatidas internamente no governo.

Além disso, os técnicos têm adotado projeções mais conservadoras do que alguns números que vêm sendo alardeados pela equipe econômica, exigindo um esforço fiscal ainda maior para fechar o Orçamento. Segundo um integrante do governo, o cronograma interno está atrasado justamente à espera dessas estimativas.

Nos últimos dias, o alto escalão do Ministério da Fazenda tem pedido aos técnicos prioridade na elaboração das projeções de receita. Segundo relatos de diferentes membros do governo, feitos sob reserva, a pressão é grande para conseguir chegar ao déficit zero.

Há uma avaliação interna de que alcançar esse objetivo é crucial para manter a credibilidade da nova regra fiscal, que, se aprovada pelo Congresso, terá seu primeiro ano de vigência em 2024. Uma demonstração de dificuldade em cumpri-la já na estreia seria um sinal ruim no momento em que o próprio governo trabalha para reduzir incertezas fiscais e abrir caminho para um corte de juros pelo Banco Central.

Embora Haddad tenha avançado em algumas frentes, como a vitória no STJ (Superior Tribunal de Justiça) em torno da cobrança de tributos federais sobre benefícios fiscais do ICMS, os cálculos do Orçamento precisam ter respaldo em notas técnicas e documentos produzidos por servidores da pasta.

Os técnicos, porém, têm tido dificuldades em apresentar certas estimativas diante da falta de parâmetros suficientes para as projeções. Esse é o caso, por exemplo, da tributação de rendimentos obtidos no exterior, proposto por MP (medida provisória), mas cujo real potencial de arrecadação ainda é desconhecido pela Receita.

A própria vitória no STJ é alvo de controvérsia. Nos bastidores, há quem fale em R$ 90 bilhões ou R$ 60 bilhões, enquanto o número elencado como risco possível no PLDO de 2024 é de R$ 47 bilhões.

As medidas até podem render bilhões em novas receitas para o governo, mas colocar números otimistas no papel e apresentá-los em um documento oficial são decisões delicadas, uma vez que essas notas técnicas serão depois analisadas com lupa pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Em caso de irregularidade, quem assinou o documento responde com o próprio CPF.

Há uma corrida para elaborar os documentos necessários ao envio de outras medidas que ainda não saíram da Fazenda, como a tributação de apostas esportivas.

O caso dessa iniciativa também ilustra a dificuldade do governo. Nesta terça-feira (27), o assessor especial do Ministério da Fazenda José Francisco Manssur disse que o governo estima arrecadar de R$ 3 bilhões a R$ 6 bilhões no ano que vem com a regulamentação das apostas esportivas no Brasil.

O valor representa metade da estimativa de receita anual mencionada por Haddad, que chegou a falar em um potencial entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões. Pessoas do setor, no entanto, dizem que há muita dificuldade de estimar as potenciais receitas, e que qualquer projeção nesse momento é especulativa.

Auxiliares do ministro da Fazenda desconversam sobre eventuais dificuldades e afirmam que há inclusive um cardápio de "medidas de reserva" para fechar as contas do Orçamento, caso haja algum imprevisto com as ações já planejadas.

Em conversas informais, membros do governo dizem que a reserva inclui "plano B", "plano C", e assim por diante. Um dos alvos no radar da equipe econômica são os gastos tributários, como são chamados os benefícios concedidos a empresas ou setores.

Procurados, os ministérios da Fazenda e do Planejamento não responderam até a publicação deste texto.

Um interlocutor diz que não há qualquer esforço atípico em relação ao "processo normal" de preparação do Orçamento, embora o governo precise enviar ao Congresso até o fim de agosto as iniciativas que faltam para equilibrar as contas de 2024. Pelas regras legais, uma receita só pode ser contabilizada na proposta de Orçamento se a respectiva medida já estiver tramitando, em forma de projeto de lei ou MP.

No caso de projeto de lei, a contabilização é mais frágil, uma vez que a demora na aprovação dessa iniciativa obrigaria o governo a descontar essas receitas de suas projeções já em março, quando é divulgado o primeiro relatório bimestral de avaliação do Orçamento.

Apesar da importância estratégica de arranjar as receitas necessárias, um técnico explica que a tarefa não é simples, uma vez que o governo só pode incluir na conta da meta fiscal números líquidos de arrecadação, já descontadas as transferências constitucionais para estados e municípios.

Outro fator de dificuldade é que, pela regra do novo arcabouço fiscal, um aumento significativo de receitas ajuda a impulsionar o limite para gastos, gerando uma espécie de "retroalimentação". Uma ala do governo tem alertado sobre o desenho do arcabouço ter gerado uma dependência elevada de receitas —algo que já vinha sendo alvo de ressalvas por parte de economistas.

Técnicos que participam das discussões levantam um terceiro ponto: embora o arcabouço tenha criado uma margem de tolerância (banda) para o cumprimento da meta fiscal, o envio do Orçamento precisa seguir o centro do objetivo fixado para o ano.

O dispositivo está no terceiro parágrafo do artigo 4º do projeto de lei. O texto diz que "a elaboração e a aprovação do projeto de lei orçamentária anual, bem como a execução da respectiva lei, deverão ser compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida na lei de diretrizes orçamentárias". Os intervalos de tolerância são aplicados apenas "na execução", isto é, ao longo do exercício de 2024.

Isso significa que a equipe econômica precisa entregar a proposta de Orçamento com receitas suficientes para zerar o déficit, ainda que a margem de tolerância para o ano que vem permita a realização de um resultado negativo em até R$ 28,8 bilhões.

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