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Governo precisa de alta de quase 10% nas receitas para conseguir gasto máximo em 2024, diz economista

Necessidade de conciliar diferentes regras dificulta ampliação das despesas no ano que vem

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Brasília

O governo Lula (PT) precisará arranjar mais R$ 120 bilhões em novas receitas para conseguir usufruir do dispositivo do novo arcabouço fiscal que autoriza gastos extras em 2024, calcula o economista-chefe e sócio da Warren Rena, Felipe Salto.

O valor é bem maior do que o ganho potencial em novas despesas, que ele estima em até R$ 28,56 bilhões. O número também representa uma alta real (já descontada a inflação) da receita líquida de quase 10%.

A diferença ocorre porque, da forma como o texto foi construído, não basta o governo conseguir atingir o patamar de receitas que dispara o gatilho de gastos adicionais. É preciso também cumprir a meta fiscal estipulada pela equipe econômica, que é de zerar o déficit em 2024.

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O economista Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda de São Paulo, hoje sócio da Warren Rena - Gabriel Cabral - 03.jun.2022/Folhapress

As contas foram feitas por Salto a pedido da Folha.

"A conclusão é interessante. Mostra o quão difícil é cumprir a meta de primário. Não adianta nada ter esse mecanismo para subir o limite se não tiver espaço no resultado primário. Isso é uma coisa boa da regra. A interação das duas metas: gasto e primário", diz ele, que já foi secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado.

Em entrevista recente à Folha, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, já havia alertado que o governo não poderá executar os gastos extras se não houver um volume ainda maior de receitas para assegurar o cumprimento da meta de primário. Do contrário, o governo terá de contingenciar recursos —o equivalente a dar com uma mão e tirar com a outra.

A divergência entre governo e mercado é sobre o tamanho do esforço de arrecadação necessário para conciliar todas as regras.

A proposta do novo arcabouço fiscal já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e aguarda aval do Senado Federal. O texto prevê que o crescimento do limite de gastos do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação.

O percentual resultante desse cálculo deve respeitar o intervalo de 0,6% a 2,5%. Na prática, esses são o piso e o teto de avanço das despesas, independentemente do quadro econômico do país.

O governo também precisa seguir uma meta de resultado primário, que no ano que vem é de zerar o déficit (igualando receitas e despesas). Há uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB (Produto Interno Bruto) para mais ou menos —cerca de R$ 25 bilhões, atualmente.

A equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) tinha a expectativa de alcançar a alta de 2,5% no primeiro ano de vigência do novo arcabouço, o que seria suficiente para acomodar o avanço mais forte de alguns gastos obrigatórios, incluindo a retomada dos pisos constitucionais de saúde e educação em patamares mais elevados.

No entanto, mudanças feitas pelo relator na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), acabaram restringindo esse potencial a algo em torno de 1% a 1,5%, segundo diferentes estimativas do mercado e do próprio governo.

O aperto foi reconhecido por membros do governo Lula. "Hoje, do jeito que o projeto está, teria que cortar nas despesas discricionárias em torno de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões [em relação ao previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias] por causa da alteração que o relator fez", disse nesta terça-feira (30) a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB).

Para não frustrar totalmente os planos da equipe econômica, o relator propôs um meio-termo, que foi validado pela Câmara. O texto prevê que o governo siga a regra geral na elaboração do Orçamento de 2024, mas com a possibilidade de abrir créditos adicionais ao longo do ano que vem até o limite de alta de 2,5%, caso a arrecadação de 2024 suba de forma mais expressiva em relação a 2023.

Uma análise isolada da regra indicaria que uma alta real de 3,6% na arrecadação no ano que vem já seria suficiente para autorizar a expansão dos gastos (afinal, 70% de 3,6% equivalem a 2,5%).

No entanto, sem nenhuma receita adicional, o rombo seria de R$ 120 bilhões —descumprindo a meta de zerar o déficit primário no ano que vem. "Logo, ele subiria mais o limite para gastar, mas não poderia gastar", diz Salto.

Para conciliar todas as exigências, o governo teria de obter um crescimento da receita líquida de ao menos R$ 100 bilhões. "Isso significa uma alta real de 8,7% em relação a 2023, o que é difícil, vale dizer", afirma.

Neste cenário, o resultado seria negativo em 0,17% do PIB, estima Salto. O espaço para gastar, já contando com a margem de tolerância da meta, seria de 0,08% do PIB —aproximadamente R$ 10 bilhões.

Chegar ao teto do crescimento de despesas de 2,5% exigiria um esforço ainda maior, dado que a expansão das despesas seria de R$ 28,56 bilhões. Por isso a necessidade de reforçar as receitas em R$ 120 bilhões.

"Para cumprir a meta de primário e ainda poder gastar todo o adicional dado pelo 2,5%, ele precisaria de R$ 120 bilhões [em arrecadação]. Neste caso, a receita líquida iria a R$ 2,172 trilhões. A alta real seria de 9,7%", diz Salto.

Os valores estimados pelo economista são maiores do que a alta real de 5% nas receitas que o governo calcula como necessária para viabilizar as despesas extras no ano que vem.

Nas últimas semanas, o governo obteve algumas vitórias no Congresso que podem ajudar na tarefa de reforçar o caixa em 2024. Ainda assim, o alcance da meta de zerar o déficit público no ano que vem ainda é uma dúvida entre analistas do mercado.

Nas contas do governo, iniciativas já validadas pelo Legislativo e pelo Judiciário podem render ao menos R$ 130 bilhões aos cofres públicos no ano que vem. Outras ações podem ampliar esse valor, mas ainda demandam aval dos parlamentares ou decisão política do Executivo (como a reoneração dos combustíveis, que pode resultar, sozinha, em mais R$ 60 bilhões).

As contas do mercado têm sido mais tímidas. Além disso, o governo também tem adotado algumas medidas que abrem mão de receitas, como a correção da tabela do Imposto de Renda, a prorrogação de incentivos para o setor de eventos e empresas aéreas e um novo programa de estímulo à aquisição de automóveis.

"As receitas ajudam, mas [o governo] ainda terá dificuldades. Não é um recurso líquido e certo, porque depende de várias coisas, inclusive das reações dos contribuintes e do próprio Judiciário", diz Salto.

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