Quem são os diretores da Americanas acusados de fraude bilionária

Executivos, com décadas de casa, aceleraram a distribuição de bônus e dividendos

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São Paulo e Rio de Janeiro

O documento divulgado nesta terça-feira (13) pela Americanas, em que a varejista reconhece uma fraude bilionária, não se restringe à constatação de operações fraudulentas de risco sacado (envolvendo bancos) e de bonificação (relacionada a fornecedores).

A Americanas dá nome aos supostos fraudadores: todos os ex-diretores que foram afastados em fevereiro, 23 dias após a divulgação do escândalo contábil, em 11 de janeiro, além de Miguel Gutierrez, que por 20 anos comandou uma das maiores varejistas do país.

Unidade da Americanas em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters

"O relatório indica, ainda, a participação na fraude do ex-CEO Miguel Gutierrez, dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes", diz o fato relevante divulgado nesta terça.

Durante audiência na CPI que investiga a empresa, também nesta terça, o atual CEO da varejista, Leonardo Coelho Pereira, mostrou supostas provas de que a diretoria anterior alterou intencionalmente os balanços para inflar artificialmente os lucros. Ele também afirmou haver indícios de participação das empresas de auditoria PwC e KPMG.

O texto afirma que Gutierrez se desligou da companhia em 31 de dezembro, ocasião em que Sergio Rial, então presidente do conselho do Santander Brasil, assumiu o controle da varejista.

Todos os outros executivos estavam afastados da empresa desde 3 de fevereiro. Timótheo de Barros (vice-presidente, responsável por lojas físicas, logística e tecnologia), porém, comunicou sua renúncia em 1º de maio, segundo a Americanas.

De acordo com a varejista, serão desligados Anna Saicali (presidente da Ame Digital) e Márcio Meirelles (vice-presidente, responsável pelas áreas digital, consumo e marketing), além de Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes —todos da área financeira da B2W, que reunia as operações digitais do grupo até a fusão com as Lojas Americanas, em 2021.

A Folha apurou que todos têm pelo menos 16 anos de casa. Nunes tinha 18 anos no grupo, Abrate, 20, e Anna Saicali, 26. O mais longevo é Gutierrez, há 30 anos na Americanas –os últimos 20 no comando executivo. Segundo fontes próximas à varejista, Gutierrez está na Espanha, uma vez que tem cidadania do país. Assim como os demais executivos, sua gestão é alvo de investigação por parte da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

A diretoria da Americanas

Quem estava no comando da empresa até o escândalo contábil

  • Anna Saicali

    presidente da Ame Digital; chegou à empresa em 1997

  • Timotheo Barros

    vice-presidente, responsável por lojas físicas, logística e tecnologia; chegou à empresa em 1996

  • Márcio Meirelles

    vice-presidente, responsável pelas áreas digital, consumo e marketing; chegou à empresa em 1994

  • Fábio da Silva Abrate

    diretor da Americanas S.A e da Ame Digital; chegou à empresa em 2003

  • Flavia Carneiro

    controller da B2W; chegou à empresa em 2007

  • Marcelo da Silva Nunes

    diretor financeiro B2W; chegou à empresa em 2005

  • Miguel Gutierrez

    presidente da Americanas entre 2002 e 2022; chegou à empresa em 1993

  • Sergio Rial

    presidente da Americanas em janeiro de 2023; chegou à empresa em setembro de 2022, como consultor

  • André Covre

    diretor financeiro e de relações com investidores em janeiro de 2023; assumiu junto com Sergio Rial

Acusada de fraude contábil por relatório independente contratado pela Americanas, a direção anterior da empresa turbinou a distribuição de bônus por desempenho e de dividendos a acionistas nos últimos anos. Em 2022, acelerou ainda a venda de ações da varejista que recebiam como bonificação.

A fraude nas demonstrações financeiras buscavam melhorar os resultados da companhia, por meio do lançamento de descontos nunca obtidos junto a fornecedores, ao mesmo tempo em que as operações de risco sacado junto a bancos (para financiar fornecedores) não eram devidamente contabilizadas. Tudo isso ajudava a inflar os resultados da companhia.

Reportagens publicadas pela Folha após o início da crise mostraram que a diretoria acusada pelo relatório e os próprios acionistas da empresa foram beneficiados pelos bons resultados financeiros apresentados nos anos anteriores à divulgação do escândalo contábil.

Levantamento feito pelo especialista em governança corporativa Renato Chaves mostrou que, entre 2012 e 2021, a diretoria da Americanas recebeu R$ 505,4 milhões em salários, bônus e ações. Corrigido pela inflação, o valor supera os R$ 630 milhões.

Segundo documentos entregues pelas empresas à CVM, é quase o dobro do pago no mesmo período às diretorias de Magalu e Lojas Renner, por exemplo. Em valores nominais, a primeira pagou na década R$ 271 milhões e a segunda, R$ 253 milhões.

De acordo com levantamento feito pela Trademap para a Folha, a remuneração dos administradores da Americanas acelerou em 2022. Em 2020, o total somava R$ 36 milhões, que passou a R$ 37 milhões no ano seguinte e saltou a R$ 54,7 milhões em 2022. No ano passado, desse total de R$ 54,7 milhões, R$ 4,5 milhões foram para os sete membros do conselho de administração, R$ 581,6 mil para os três membros do conselho fiscal e R$ 49,6 milhões para os quatro membros da diretoria estatutária.

O que significa que Gutierrez, Saicali, Barros e Meirelles receberam R$ 12,4 milhões cada um, um valor 46% superior ao que foi pago em 2021.

"Entre 2020 e 2022, é um avanço de 265% na remuneração média por membro da diretoria estatutária", diz Murilo Giovaneli, gerente de dados econômicos da Trademap. "Isso chama muito a atenção. Não há um crescimento tão exacerbado nas outras grandes varejistas –Magalu, Via, C&A, Renner e Marisa–, nas quais as remunerações média e total são mais constantes ao longo dos últimos anos."

A Folha tentou contato com Miguel Gutierrez, Anna Saicali e Fabio Abrate, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. Os demais executivos não foram localizados.

Conselho diz que não sabia o que faziam os diretores

"Os documentos que deram origem ao relatório demonstram ainda os esforços da diretoria anterior das Americanas para ocultar do Conselho de Administração e do mercado em geral a real situação de resultado e patrimonial da companhia", diz o fato relevante da Americanas publicado nesta terça-feira.

O conselho da Americanas é formado pelos representantes dos acionistas de referência da empresa, que eram os controladores da varejista até o final de 2021: Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, sócios na empresa de private equity 3G. Estão no conselho hoje o próprio Sicupira, Paulo Alberto Lemann (filho de Jorge Paulo); Cláudio Moniz Barreto Garcia e Eduardo Saggioro Garcia.

Participam como membros independentes do conselho Pierre Moreau, Sidney Victor da Costa Breyer e Vanessa Claro Lopes.

Carioca, engenheiro formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Gutierrez passou os últimos 20 anos no comando da varejista, acumulando a função com a diretoria de relações com investidores.

A reportagem falou com fornecedores, consultores, especialistas em varejo e prestadores de serviços da varejista. Ninguém havia conversado com Gutierrez, quase um "sujeito oculto" na Americanas. Seu contato com o mercado se restringia a teleconferências com analistas e investidores a cada três meses, na divulgação de balanços da varejista.

Gutierrez era muito próximo de Beto Sicupira, que ocupou a presidência do conselho da Americanas por muitos anos. Foi ele o integrante do trio de sócios do antigo GP Investimentos (berço do 3G Capital) responsável por desenvolver a empresa, enquanto Marcel Telles fez o mesmo na Ambev.

De acordo com uma fonte que trabalhou próxima a Gutierrez na Americanas, como prestador de serviços, o executivo não dava um passo sem pedir permissão a Sicupira. Não havia autonomia no alto escalão da varejista: as decisões dependiam do ex-controlador.

Mesmo decisões menores, como o pagamento de R$ 50 mil a um fornecedor, só era tomada após pedir anuência ao "Beto". O mesmo acontecia com os demais diretores –Anna Saicali, Timotheo Barros e Márcio Meirelles.

Ex-funcionários de alto nível se queixaram de que Gutierrez tratava executivos e funcionários de maneira grosseira e hostil, beirando o assédio moral.

Na Americanas, onde acumulou quase 30 anos de casa, Gutierrez reproduzia, de certa forma, a postura de Sicupira, conhecido pelo perfil agressivo, diferente dos sócios Lemann e Telles que, embora fossem duros na cobrança por resultados, costumam adotar uma postura mais cordata.

Procurado pela Folha, Beto Sicupira não atendeu a reportagem até o fechamento deste texto.

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