Americanas assume fraude em resultados

Documento apresentado por assessores jurídicos indica que ex-CEO Miguel Gutierrez, que comandou empresa por 20 anos, participou da operação

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São Paulo

Cinco meses depois de vir à tona um dos maiores escândalos corporativos da história do Brasil, quando a Americanas divulgou em fato relevante "inconsistências contábeis" da ordem de R$ 20 bilhões em seus balanços, a varejista assume que houve, enfim, uma fraude.

Relatório elaborado por assessores jurídicos que acompanham a Americanas desde que ela entrou em recuperação judicial, em 19 de janeiro, apontam que demonstrações financeiras da varejista vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da empresa. O documento foi apresentado nesta segunda (12) ao conselho de administração da companhia, que emitiu na manhã desta terça-feira (13) um fato relevante.

O relatório foi baseado em documentos do comitê de investigação independente, criado no final de janeiro.

Fachada de unidade das Lojas Americanas em São Paulo (SP) - Zanone Fraissat - 27.jan.2023/Folhapress

Em suma, a Americanas afirma que a fraude ocorria na suposta contratação de bônus junto à indústria –uma prática comum no varejo, quando fabricantes dão descontos para grandes encomendas, que o relatório apontou como "contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC)". Ou seja, o nome do fabricante aparecia em campanhas da Americanas, que por isso recebia um desconto na compra dos produtos.

Mas estes descontos não ocorreram de fato. Com as supostas negociações vantajosas, a companhia melhorava o seu balanço. Por outro lado, para cumprir o pagamento aos fornecedores, a diretoria anterior contratou empréstimos sem o conhecimento do conselho de administração, o que aumentou o seu passivo, irregularmente contabilizado, diz o documento.

"Esses lançamentos [de VPC], feitos durante um significativo período, atingiram, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022", diz o relatório.

"As contrapartidas contábeis em balanço patrimonial desses contratos de VPC criados ao longo do tempo, os quais não tiveram lastro financeiro associado, se deram majoritariamente na forma de lançamentos redutores da conta de fornecedores, totalizando, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 17,7 bilhões em 30 de setembro de 2022. A diferença de R$ 4 bilhões teve como contrapartidas lançamentos contábeis em outras contas do ativo da companhia", diz o fato relevante.

Além disso, as operações de financiamento de compras —risco sacado, forfait ou confirming— somam R$ 18,4 bilhões e as operações de financiamento de capital de giro alcançam R$ 2,2 bilhões, em números preliminares, diz o texto.

A empresa também informou que foram identificados lançamentos redutores da conta de fornecedores oriundos de juros sobre operações financeiras, que deveriam ter transitado pelo resultado da companhia ao longo do tempo, totalizando, em números também preliminares e não auditados, R$ 3,6 bilhões.

De acordo com a Americanas, os ajustes contábeis definitivos estarão refletidos nos demonstrativos financeiros históricos auditados que serão reapresentados assim que os trabalhos estiverem concluídos.

Ainda conforme o fato relevante, o conselho de administração orientou a companhia e os assessores a apresentarem o relatório a todas as autoridades competentes e avaliarem as medidas necessárias para ressarcir os danos causados pela fraude.

Revelações acontecem no dia de CPI em Brasília

As revelações do relatório acontecem no dia em que o atual presidente da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, presta depoimento nesta tarde à CPI da varejista, instalada em Brasília.

Segundo o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), o fato não é mera coincidência.

"É uma tentativa de desviar as responsabilidades do trio controlador da Americanas quando essa fraude foi cometida", diz ele, que é membro titular da CPI da Americanas. Para ele, o reconhecimento da fraude é "chover no molhado, todo mundo já sabia disso."

"O que este fato relevante está dizendo é que Lemann, Sicupira e Telles não tinham conhecimento da fraude. Isso é um absurdo completo e uma tentativa de desviar as responsabilidades que precisam ser cobradas a partir da nossa Comissão Parlamentar de Inquérito", afirma o parlamentar, referindo-se aos atuais principais acionistas da Americanas –os bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles que, até o final de 2021, eram os controladores da varejista.

O fato relevante de hoje indica a participação na fraude do ex-presidente-executivo Miguel Gutierrez, que se desligou da empresa em dezembro de 2022 depois de passar 20 anos no comando da varejista, bem como de outros ex-diretores e ex-executivos, e afirma que houve esforços da diretoria anterior para ocultar a real situação do resultado e patrimonial.

Não foi possível obter um posicionamento de Gutierrez. A Folha entrou em contato com a defesa do executivo, mas ainda não obteve retorno.

O relatório indica a participação dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.

"O Sr. Miguel Gutierrez desligou-se da companhia em 31 de dezembro de 2022. O Sr.José Timótheo de Barros foi afastado de suas funções executivas na companhia em 03 de fevereiro de 2023 e comunicou sua renúncia em 1º de maio de 2023", diz o fato relevante.

"Os desligamentos dos Srs. Anna Christina Ramos Saicali, Márcio Cruz Meirelles, Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes, também afastados de suas funções executivas na companhia desde o dia 03 de fevereiro de 2023, assim como dos demais colaboradores identificados até o momento, já foram determinados pela Administração da Companhia", informa a Americanas.

Colaborou Nicola Pamplona, do Rio

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