Senado quer liberar bancos para executar dívidas sem precisar ir à Justiça

Novo modelo teria como vantagem juros mais baixos; texto mantém monopólio da Caixa no penhor

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Brasília

O Senado quer liberar bancos e outros credores para executar dívidas em caso de inadimplência, inclusive aquelas sem uma garantia real vinculada (como imóvel ou veículo), sem necessidade de recorrer à Justiça.

A autorização foi incluída no chamado Marco das Garantias, que tramita em forma de projeto de lei e é considerado fundamental pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reduzir o custo dos empréstimos no país.

Cédulas de real. - 21.ago.2019-Gabriel Cabral/Folhapress

A proposta original foi enviada no fim de 2021, ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL), mas o texto é abraçado pela atual gestão diante da expectativa de efeitos positivos no mercado de crédito.

O aval para um uso mais amplo da via que dispensa a Justiça –hoje, restrita a imóveis– foi incluído pelo relator do texto, senador Weverton (PDT-MA), que promoveu uma série de mudanças após o texto ser aprovado na Câmara dos Deputados.

Em outra frente, ele também eliminou o trecho que buscava quebrar o monopólio da Caixa no penhor, linha de crédito em que o banco aceita bens (como joias, relógios, canetas de valor e obras de arte) como garantia em empréstimos. Dessa forma, o banco público continuará como único operador da modalidade —uma maneira de evitar que a maior exploração desse nicho abra espaço para práticas abusivas e agiotagem.

O projeto está na pauta da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado da próxima terça-feira (27). Se aprovado, ainda precisará passar pelo plenário da Casa –o que está previsto para ocorrer também nesta semana.

A versão vinda da Câmara já continha dispositivos para acelerar a execução extrajudicial de dívidas com garantia (como no caso dos automóveis), com maior facilidade nos bloqueios e leilões de bens por meio dos cartórios. Hoje, o processo é mais moroso, principalmente no arresto de veículos.

O relator, porém, decidiu ampliar o uso do instrumento e permitir a execução de empréstimos de forma ampla, mesmo que os montantes contratados não estejam ligados a garantias reais.

Uma das justificativas é desafogar o Judiciário, que hoje tem nas ações de execução o seu maior gargalo. Levantamentos usados pelo governo indicam que casos do tipo representam 43% dos processos judiciais no Brasil.

A primeira versão do relatório pretendia tornar a execução da dívida via cartórios obrigatória, mas o governo discordou desse modelo e pediu um ajuste, para que seja um caminho opcional. Dessa forma, o credor vai poder escolher qual tipo de cobrança adotar, se via Judiciário ou via cartórios.

A expectativa do governo é que a flexibilização facilite o processo de tomada de bens e de realização do leilão. Isso deve ter um impacto de redução da inadimplência —que é um dos principais componentes do chamado spread bancário, diferença entre o custo de captação das instituições financeiras e os juros cobrados nos empréstimos.

"O projeto é muito relevante e vai baratear muito o custo do crédito no país", diz à Folha Marcos Barbosa Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda.

Durante a tramitação, o projeto recebeu críticas em plenário diante do temor de que ele prejudique pessoas mais humildes. Há uma avaliação no governo, no entanto, de que a cobrança extrajudicial não vai afetar pequenos devedores, uma vez que os bancos costumam se empenhar na cobrança de débitos acima de R$ 100 mil. Abaixo disso, os custos não compensariam o esforço de recuperação dos valores.

Além disso, pessoas envolvidas na discussão destacam que a nova versão do projeto excluiu um dispositivo considerado dúbio sobre o chamado bem de família –que não pode ser penhorado para o pagamento de dívidas. Dessa forma, a tomada do único imóvel que protege as pessoas ou seus bens segue vedada pela legislação.

O senador Weverton afirma que a proposta desburocratiza o mercado de garantias ao alterar as regras atuais, que, segundo ele, aumentam os juros e dificultam os empréstimos. Ele salienta que o ponto central do projeto, a execução facilitada das dívidas, será uma opção de quem procura empréstimo –e não uma imposição.

"Quem for emprestar de forma desjudicializada vai pagar mais barato. O sistema judicializado não vai acabar. Mas, se você autorizar [a via extrajudicial], a operação tem risco e juro menor", diz o senador à Folha.

Para ele, as leis atuais protegem os mau pagadores. "Temos que começar um novo momento porque nossas leis ainda são muito paternalistas, prejudicando quem faz tudo certo. Se você paga suas contas em dia, qual o estímulo que tem em relação a quem paga atrasado? Nenhum, o tratamento é o mesmo", afirma.

Outro ponto importante presente no texto desde que ele foi enviado pelo Executivo é a permissão para que um mesmo bem seja usado como garantia em diferentes empréstimos. Pelas regras atuais, por exemplo, um imóvel de R$ 1 milhão só pode ser usado como garantia de um único financiamento até a quitação.

O novo modelo permite que o proprietário ofereça o imóvel como garantia em mais de um financiamento, com valores fracionados. O desenho replica algo que já existe em outros países, em que famílias conseguem contratar mais de uma operação de crédito até esgotar o valor total da garantia.

A medida é considerada importante para ampliar o acesso dos brasileiros a um tipo de financiamento mais barato.

Weverton também excluiu do texto a criação da chamada IGG (Instituição Garantidora de Garantias), prevista no projeto original enviado por Bolsonaro. Ela seria responsável por gerir as garantias de interessados em empréstimos, com o objetivo de facilitar o uso delas em múltiplas operações.

De acordo com envolvidos na discussão, a existência dessa figura legal incomodava instituições financeiras, que preferem fazer gestão própria das garantias ligadas às dívidas. Sua criação era comparada a uma espécie de "novo cartório" entre credores e devedores.

O Banco Central também demonstrou contrariedade com a criação dessa instituição, que precisaria ser fiscalizada pela autoridade monetária. Conclui-se nas discussões que as IGGs (empresas privadas) precisariam seguir requisitos mínimos de capital, como ocorre com instituições financeiras —o que poderia encarecer o custo de crédito.

O BC ainda relatou nas conversas um "temor sistêmico" no caso de algum problema de gestão nas IGGs levarem à insolvência, comprometendo a qualidade das garantias e levando risco ao sistema financeiro.

MONOPÓLIO DO PENHOR SEGUE COM A CAIXA

Ao propor o novo Marco das Garantias, o governo Bolsonaro tentou quebrar o monopólio da Caixa no segmento de crédito via penhor. A mudança foi aprovada pela Câmara dos Deputados, mas agora foi descartada pelo relator no Senado Federal.

A mudança legal enfrentava resistência da própria Caixa, que articulou para manter uma exclusividade de mercado criada há quase 90 anos. A negociação envolveu também representantes dos funcionários da instituição.

No governo e entre parlamentares, o diagnóstico foi o de que a quebra do monopólio da Caixa no penhor era um ponto de entrave ao avanço do projeto, mas sua manutenção no texto resultaria em um ganho pequeno, dado que o mercado tem alcance limitado no país.

A mudança não era considerada essencial e ainda embutia riscos. Técnicos avaliam que o penhor é um serviço que, em outros países, é muito ligado à agiotagem e, no Brasil, sua expansão poderia facilitar o uso de ouro ilegal e até estimular o garimpo. Por isso, os envolvidos optaram por manter o segmento sob uma instituição pública, sem evidências de práticas abusivas nesse segmento.

Para destravar o projeto, que é uma das apostas do governo para impulsionar o crédito, o governo concordou com a retirada do dispositivo.

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