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Startups de aviação testam potencial do uso de hidrogênio verde para reduzir poluentes

Inovadores visam provar a viabilidade da aviação livre de carbono, começando com aeronaves pequenas e voos de pequena distância

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Sylvia Pfeifer
Financial Times

Numa manhã ensolarada de março deste ano, um pequeno avião azul e branco decolou de um aeródromo em Moses Lake, no estado de Washington, nos EUA. O avião voou 15 minutos numa altitude de 3.500 pés e então voltou para sua base em segurança.

O voo pode ter sido curto, mas para a empresa que desenvolveu o avião, Universal Hydrogen, foi revolucionário. A aeronave, um turboélice De Havilland Dash 8-300 apelidado Lightning McClean, tinha um motor normal e outro muito mais incomum: é um motor elétrico alimentado por uma célula de combustível de hidrogênio.

Durante o voo o avião usou em grande parte apenas o motor movido a hidrogênio. Segundo a Universal Hydrogen, isso fez dele de longe a maior aeronave a ter voado usando principalmente energia obtida de hidrogênio.

Aeronave movida a células de hidrogênio tem a pintura branca, azul e vermelha e faz primeiro voo
Avião com 40 passageiros movido a células de combustível hidrogênio faz primeiro voo - @Universal_H2/Twitter

Para a empresa americana fundada em 2020, foi também mais um passo no caminho para provar que a energia de hidrogênio é uma maneira viável de descarbonizar o transporte aéreo.

"Nosso primeiro voo com, de longe, a maior aeronave de célula de combustível de hidrogênio a já ter subido ao céu representa uma comprovação importante para a indústria, especialmente para o próximo avião comercial da Airbus e Boeing de projeto novo", diz o executivo-chefe da Universal, Paul Eremenko.

Dois meses antes, a startup anglo-americana ZeroAvia havia realizado um voo experimental bem-sucedido de um avião menor de hélice movido por células de combustível de hidrogênio, decolando de Gloucestershire, no sudoeste da Inglaterra.

Agora as duas empresas estão entre um grupinho de inovadoras que estão tentando criar algo diferente em uma indústria ainda dominada pela Airbus e Boeing.

Seus planos de hidrogênio são ambiciosos, na medida em que a aviação é um dos setores mais difíceis de se descarbonizar. O setor é responsável por cerca de 2,5% das emissões globais de dióxido de carbono, sem contar os efeitos não carbônicos como o óxido de nitrogênio e as esteiras de fumaça –os rastros de vapor deixados na esteira de um avião.

Fabricantes e companhias aéreas já se comprometeram a alcançar a meta de zero emissões de carbono até 2050, por meio de um misto de novas tecnologias de combustível, incluindo o uso de combustíveis de aviação sustentáveis e de hidrogênio, além de aviões, motores e controle de tráfego aéreo mais eficientes.

Mas há quem argumente que o hidrogênio verde, produzido pela fragmentação da água usando eletrolisadores que funcionam com energia renovável, é a única tecnologia que pode produzir voos de realmente zero emissões.

Ainda há grandes desafios técnicos e de engenharia, porém, que terão que ser superados para que o hidrogênio verde possa virar realidade comercial. E mesmo os maiores defensores do hidrogênio admitem que, inicialmente, ele só será viável para uso em aviões menores, em voos de duração mais curta.

O hidrogênio líquido, que é mais fácil de armazenar, precisa ser mantido a -253ºC. Caso contrário, ele evapora. Por essa razão, os tanques necessários para contê-lo são maiores e mais pesados que os tanques de combustível convencional, e isso afeta a autonomia e capacidade das aeronaves. Enquanto isso, as células de combustível de hidrogênio também trazem desafios de peso.

Além disso, serão necessários investimentos para desenvolver o fornecimento de hidrogênio verde, além da armazenagem e infraestrutura de aeroportos.

Mesmo assim, Eremenko, da Universal –ex-diretor de tecnologia da Airbus e da United Technologies— diz que o hidrogênio é o caminho certo a ser seguido pela aviação.

Ele diz que a Universal não está competindo com empresas como Airbus ou Boeing, mas tentando resolver um problema enfrentado por todos os fabricantes de aeronaves: "Como levar hidrogênio do ponto de produção para o aeroporto e como colocá-lo nos aviões, sem um investimento maciço, global e simultâneo de capital para infraestrutura."

O pilar principal do modelo comercial da Universal é baseado na entrega de seu hidrogênio em cápsulas modulares a ser usadas por aviões da Boeing e Airbus de corredor único.

A empresa pretende, inicialmente, vender kits de conversão para aeronaves regionais, incluindo suas cápsulas de hidrogênio modulares que serão armazenadas na parte traseira da fuselagem. Um trem de força movido a célula de combustível elétrica vai substituir os motores turboélice existentes.

Eremenko diz que esse sistema custará menos que um projeto totalmente novo e que levará menos tempo para ser certificado pelos reguladores. Ele sugere que até 2025/26 já será possível adaptar aviões comerciais regionais para uso com hidrogênio.

Mas a base principal do modelo comercial da Universal é o fornecimento de seu hidrogênio em cápsulas modulares a ser usadas por aviões de corredor único da Boeing e Airbus. Eremenko destaca que a tecnologia será compatível com as redes existentes de aviões de transporte e com os equipamentos de manuseio de carga dos aeroportos.

Os aviões não precisariam passar por uma reforma radical. Em vez de ser movidos pela energia elétrica das células de combustível, terão motores a jato que poderão queimar hidrogênio.

A ZeroAvia também pretende instalar seus motores em aviões existentes, para simplificar a aprovação dos regulares e reduzir o tempo até chegar ao mercado.

Para o voo de teste em janeiro, a empresa adaptou um avião de hélice Dornier 228 de 19 lugares com um protótipo de motor hidrogênio-elétrico em tamanho real na asa esquerda. Os tanques que armazenam os sistemas de geração de energia de hidrogênio e células de combustível foram alojados dentro da cabine.

Val Miftakhov, que fundou a ZeroAvia em 2017, diz que seus primeiros voos comerciais estão previstos para o final de 2025 e que um avião comercial com entre 40 e 80 assentos entrará em operação até 2027.

Paul Hutton, executivo-chefe da Cranfield Aerospace Solutions, também pensa que começar com um avião já existente é a maneira mais rápida e segura de provar que seu novo sistema de propulsão a hidrogênio funciona. Desse jeito, ele explica, "a única coisa que você estará mudando é o sistema de propulsão".

A Cranfield Aerospace Solutions, que nasceu inicialmente da Universidade Cranfield, passou as últimas três décadas projetando e certificando modificações complexas de aviões para grandes fabricantes de equipamentos originais, como Boeing, Airbus e Rolls-Royce. Mais recentemente, porém, ela começou a desenvolver um sistema de propulsão a célula de hidrogênio.

Em abril, a empresa anunciou sua fusão com a Britten-Norman, fabricante britânica da Islander, um avião leve de nove assentos amplamente usado para voos regionais curtos. A finalidade, segundo a Cranfield, é criar "a primeira aeronave sub-regional plenamente integrada e de zero emissões no mundo" para entrar em operação em 2026.

A empresa vai adaptar o Islander para operar com energia de célula de combustível usando hidrogênio gasoso, antes de modificar um avião usando um trem de força baseado em célula de força de hidrogênio líquido. Sua ambição final é projetar seu próprio avião.

Hutton considera que o grupo resultante da fusão está bem posicionado precisamente por estar situado entre as fabricantes de equipamentos originais e as startups puras: "Temos aquele comportamento de startup, mas a credibilidade que vem de existirmos há 30 anos e agora, também, como fabricante de equipamento original."

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