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Brasil é líder em processos de passageiros contra aéreas, dizem entidades

Idec e Proteste recomendam tentar resolver as questões primeiro com as empresas ou em arbitragens; conheça os direitos de quem voa

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São Paulo

O aumento de processos movidos por passageiros brasileiros preocupa as empresas aéreas. Entidades do setor apontam o Brasil como líder em ações judiciais no mundo, e dizem que a questão encarece as passagens e trava a entrada de novas empresas no mercado brasileiro. O gasto das empresas com as reclamações está perto de R$ 1 bilhão por ano.

"O Brasil continua a ser o maior país do mundo em número de processos legais contra o setor [aéreo], de passageiros registrando queixas, do que qualquer outro país no mundo", diz Peter Cerdá, diretor para as Américas da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo).

Passageiros no aeroporto de Congonhas, em 10 de outubro, quando um acidente na pista gerou atrasos e cancelamentos em série - Danilo Verpa/Folhapress

A ampla maioria destes processos é aberta por passageiros, que reclamam de problemas como alterações, atrasos e cancelamentos de voos, extravio de bagagens e cobrança indevida de taxas.

De acordo com dados da Alta (Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo), de cada 100 voos no Brasil, 8 geram processo. Nos EUA, o índice é de 0,01 processo a cada 100 voos.

Os processos também vem pesando mais no caixa das empresas. Em 2017, os gastos com condenações judiciais relacionadas aos serviços prestados pelas aéreas brasileiras foi de R$ 280 milhões, ou 0,8% dos custos totais, segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil. Em 2021, foram R$ 490 milhões, ou 1,4% das despesas.

Além disso, há gastos com indenizações extrajudiciais e assistência a passageiros. A Alta estima que o custo total relacionado às queixas dos viajantes deve ter ficado em torno de R$ 1 bilhão em 2022. A Anac ainda não divulgou os dados consolidados do ano passado.

"Hoje temos várias empresas 'low fare' [baixo custo] voando de e para o Brasil, mas não dentro do Brasil, por insegurança jurídica, causada pelo excesso de demandas judiciais e também porque muitas vezes o Congresso Nacional tenta reverter normas votadas pelo órgão regulador [Anac], afirma José Ricardo Botelho, diretor-executivo da Alta.

Como exemplo, ele cita o caso da Flybondi. "Em pouco tempo voando aqui, ela passou a ter mais ações contra ela do que em três anos voando na Argentina", exemplifica Botelho. "É a judicialização mais agressiva do planeta Terra. Isso impõe um custo operacional para a empresa muito grande."

Em dezembro de 2022, a Alta firmou um convênio com a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) para pesquisar as razões da alta quantidade de processos e possíveis soluções para o gargalo.

As empresas reclamam que, muitas vezes, os juízes ampliam as punições e compensações previstas nas regras da Anac [veja como elas funcionam ao final do texto], para incluir indenizações por dano moral, por exemplo, o que eleva o valor das causas.

As empresas também pedem padronização entre as decisões: para uma mesma situação, um passageiro pode receber uma indenização muito alta, enquanto outro tem o pedido negado. A questão, no entanto, só deverá ser pacificada quando o tema chegar a tribunais superiores, que poderão definir jurisprudência.

"É difícil fixar parâmetros de dano moral. Se a pessoa tem a passagem cancelada e perde um casamento, vai gerar um dano porque ela vai perder um evento único na vida. É diferente de quem estava viajando a passeio e não tinha nenhum compromisso", comenta Igor Marchetti, advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Marchetti concorda que a variação ampla de decisões gera insegurança jurídica e dúvidas entre os consumidores, e que deveria haver mais isonomia. Ele questiona, no entanto, a postura das empresas aéreas de criticar a busca dos passageiros por reparação.

"Todos os fornecedores e prestadores de serviço seguem as leis do Brasil, que incluem dano moral, e ninguém fala que as atividades ficam inviáveis. Me parece um discurso um pouco exagerado. Em 2016, tivemos mudanças [nas regras da Anac] que mitigaram direitos do consumidor, como a franquia de bagagem, mas o preço das passagens não diminuiu", critica.

Henrique Lian, diretor de Relações Institucionais da Proteste, sugere que as aéreas precisam deixar suas regras mais claras. "Cada bilhete traz um conjunto de regras diferentes em temas como remarcação. Algumas companhias explicam isso melhor do que outras", pondera.

O Idec e a Proteste recomendam aos consumidores que tentem resolver as questões primeiro diretamente com as empresas, depois em espaços de mediação, como o site consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça, e que só procurem abrir uma ação depois de esgotar outras possibilidades.

"Os processos têm duração média de um ano e meio, e são desgastantes do ponto vista emocional e financeiro. É preciso preparar documentação, ir mais de uma vez até o juizado, para ter uma indenização que poderia ter tido por vias amigáveis", comenta Lian.

Outro ponto que tem ampliado o volume de ações na Justiça contra o setir é o avanço de startups e escritórios especializados em processos relacionados a problemas com voos, que entram na Justiça em nome do passageiro e prometem indenizações sem esforço.

"Temos visto algumas 'lawtechs' e aplicativos que captam clientes de companhias aéreas que tiveram algum problema, exercendo uma espécie advocacia um tanto predatória, porque não favorece os acordos e a mediação", diz Lian, da Proteste.

Uma das startups, a Resolvii, diz já ter indenizado 10 mil clientes e obtido R$ 50 milhões em vitórias judiciais. A indenização média é de R$ 5.000 por pessoa, segundo o site da empresa. Em caso de vitória, a empresa fica com 35% do valor obtido.


Problemas que costumam gerar processos

  • Atrasos e cancelamentos de voos
  • Perda de bagagem
  • Falta de apoio da companhia aérea em caso de problemas

Quais são os direitos do viajante aéreo no Brasil?

Atrasos e cancelamentos

  • Ser informado pela empresa sobre mudanças no voo, por razões programadas, até 72 horas antes da partida.
  • Caso o voo atrase mais de duas horas, o passageiro tem direito a voucher de alimentação
  • Se o atraso passar de quatro horas ou o voo for cancelado, a empresa deve oferecer acomodação para pernoite (se necessário), reembolso integral ou oferta de transporte por outra forma, de acordo com a escolha do passageiro.

Bagagens

  • Cada passageiro pode levar bagagem de mão de até 10 kg, mas o peso e o conteúdo podem ser reduzidos se houver falta de capacidade na aeronave.
  • Caso haja extravio de bagagem, a empresa tem até sete dias para devolvê-la ou indenizar o passageiro. Em voos internacionais, o prazo é de 21 dias.

O que o passageiro pode fazer em caso de problemas?

  1. Buscar resolver diretamente com a companhia aérea, por telefone, atendimento presencial, email ou mensagens. É importante guardar registros dos contatos, como protocolos, que servem como prova.
  2. Caso não haja solução, o passo seguinte é fazer queixas em canais de mediação e entidades como Anac, Procon e o site consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça.
  3. Se o impasse persistir, pode-se entrar com processo judicial, geralmente no Juizado Especial Cível. É comum que haja uma audiência de conciliação, na qual as empresas oferecem um acordo. Se o consumidor não aceitar, o caso é decidido por um juiz, que determinará se a empresa aérea deve ou não indenizar o passageiro.

Fontes: Anac, Idec e Proteste

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior desta reportagem afirmou incorretamente que havia 80 milhões de processos contra as companhias aéreas em tramitação, com base em um estudo da Alta (Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo). A entidade disse, após a publicação do texto, que o dado estava errado e passará por revisão.

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