'Céu é o limite' para o agro, mas é preciso enfrentar 'bandidos', diz ex-ministro da Agricultura

Para Roberto Rodrigues, produção pode crescer sem desmate e com uso de áreas degradadas

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São Paulo

O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, 80, afirma que o "céu é o limite" para o crescimento da produção do agronegócio no Brasil, e que, para aumentá-la, "não é preciso desmatar mais nada". Mas, segundo ele, é preciso enfrentar "aventureiros e bandidos" que desmatam ilegalmente.

Titular da pasta entre 2003 e 2006, no governo Lula 1, Rodrigues diz que a utilização de pastagens degradadas para a agricultura é uma realidade, e que essas áreas podem suprir a necessidade de mais terras.

O ex-ministro da Agricultura no governo Lula 1, Roberto Rodrigues. - Leco Viana/TheNews2/Folhapress - 01.ago.22

"Podemos chegar a 500 milhões de toneladas em 20 anos, tranquilamente [a safra deste ano deverá atingir 316 milhões de toneladas]. Mas tem mercado?", pergunta.

Em entrevista, Rodrigues elenca os fatores que contribuíram para o Brasil transformar-se numa potência agrícola, e o que deveria ser feito, daqui em diante, para continuar crescendo de modo sustentável.

O Brasil vem batendo recordes no agronegócio. É um dos pilares do PIB e vem desenvolvendo de maneira acelerada várias regiões do país, onde há aumento da renda e queda da desigualdade. Como chegamos a isso? Internamente, o principal fator é a tecnologia, um negócio fantástico. Há 50 anos, importávamos 30% do que consumíamos. Hoje, somos o terceiro maior produtor mundial de alimentos, e o primeiro em saldo comercial.

Dos anos 1990 até hoje, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 103%; e a produção, 440%. Se pensarmos em frango, crescemos 526% no período.

Hoje, cultivamos 77 milhões de hectares com grãos. Em boa parte, fazemos duas safras por ano, ou até três, na mesma área. Se tivéssemos hoje a mesma produtividade que tínhamos em 1990, precisaríamos de 126 milhões de hectares para colher a safra deste ano.

Tivemos políticas públicas importantes, como as que levaram agricultores de estados do Sul para o Centro-Oeste e Norte do país, com tecnologia.

Outro fator é o empreendedorismo do produtor rural brasileiro, que largou tudo e foi para o Centro-Oeste e Matopiba [Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia], mais recentemente, ocupando um vazio territorial e que transformou o cerrado, que era algo indesejado nos anos 1970.

O cerrado hoje é o Maracanã onde será jogada a final da copa do mundo da alimentação. O empreendedorismo foi fantástico e incorporou rapidamente a tecnologia para aumentar a produtividade.

O fator externo é o crescimento da demanda, sobretudo da Ásia, com o aumento da renda per capita muito maior do que dos países desenvolvidos. Isso gerou uma demanda que estava reprimida e explodiu. O privilégio de ter condições internas bem colocadas fez aumentar a produção e as exportações, atendendo à demanda externa.

Como o sr. avalia a sustentabilidade dessa demanda, com a produtividade e os volumes colhidos no Brasil crescendo rapidamente? A OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] estima que, em dez anos, a oferta mundial de alimentos precise crescer 20% para que não falte comida para ninguém e para que haja segurança alimentar, que é a única garantia de estabilidade política e social nos países.

Quando a pandemia começou, os países não autossuficientes correram ao mercado atrás de comida para garantir o abastecimento, pois um país sem alimentos derruba o governo. Os estoques eram baixos e os preços dobraram em dólar, gerando essa inflação de alimentos que vivemos nos últimos dois anos e que, só agora, começa a amainar. Portanto, é um tema que persistirá a vida inteira.

Nos anos 2000, o agronegócio brasileiro exportou US$ 20 bilhões. Em 2022, US$ 160 bilhões, oito vezes mais em 22 anos. Qual é o país que fez isso? É um negócio impressionante.

A primeira vez que produzimos 100 milhões de toneladas de grãos foi 2001. Demoramos 500 anos para chegar a isso. Quatorze anos depois, em 2015, produzimos 200 milhões, e neste ano, oito anos depois, mais de 300 milhões de toneladas de grãos. É espetacular.

Para o futuro, os temas que nos trouxeram até aqui persistem. Tem demanda externa grande, tecnologia tropical sendo gerada e empreendedorismo. O que falta? Políticas públicas.

Que tipo de política pública? Primeiro, logística e infraestrutura. Até os anos 1970, a agricultura era costeira, mas a "gauchada" foi para o Centro-Oeste e puxou o resto do Brasil, como uma locomotiva puxando vagões de gente de outros estados para a região. Mas a ferrovia, o armazém e o porto não foram.

Neste ano, temos safras gigantescas de soja e de milho e não temos onde guardar. O produtor é obrigado a vender, e, como o comprador sabe que ele precisa se livrar daquilo, o preço cai espetacularmente. Falta infraestrutura logística.

Isso não é uma coisa que o setor privado possa fazer por conta própria. É preciso financiamento, segurança jurídica, reforma tributária, para que o investidor confie e faça aportes na infraestrutura.

Outro ponto é comércio. Para o aumento da produção, o céu é o limite. Podemos chegar a 500 milhões de toneladas em 20 anos, tranquilamente. Mas tem mercado?

Temos de fazer um esforço diplomático muito maior do que o que vem sendo feito para ter acordos comerciais. Com a China, por exemplo, que garanta o mercado para os próximos 20 anos.

Nos anos 1950 jogamos café no mar para baixar estoques e melhorar os preços. Imagina o que vamos fazer hoje com 300 milhões de toneladas de grãos? E se a China não quiser comprar?

Temos que ter acordos com China, Índia, Indonésia, Tailândia, Malásia e com os grandes países do Oriente Médio, ricos e que não têm opções de abastecimento. E com os países desenvolvidos também. O acordo União Europeia-Mercosul é fundamental.

O que mais? Não há espaço para crescimento sem tecnologia sustentável. Precisamos fazer duas safras por ano em todas as fazendas brasileiras, ou até três, com irrigação.

Hoje temos, de longe, a melhor tecnologia tropical do planeta. Mas isso é um processo dinâmico. Se pararmos, outros passam na frente. É o que aconteceu com São Paulo. O pai da moderna agricultura brasileira é Campinas. Vai lá hoje para ver. É uma tristeza. Não tem recursos, não tem pesquisador novo, todo o mundo se aposentando.

A pesquisa hoje é privada, e precisamos da pública. Pois a privada só se interessa por grandes áreas, e ela está certa. Vai investir em beterraba? Não, vai investir em soja, milho, algodão e pecuária. Para outras culturas, é o Estado que precisa fazer a pesquisa pública.

A produção mundial de alimentos vai crescer no cinturão tropical do planeta. Quem está aí é a América Latina, a África subsaariana e parte da Ásia. É aí que tem terra disponível para aumentar a área produtiva e aí a tecnologia ainda é muito baixa para aumentar a produção por hectare. A grande explosão vai ser aí.

Outras regiões vão crescer, mas não com o mesmo volume e ambição que tem esse cinturão tropical. E o líder é o Brasil. Quem detém tecnologia tropical sustentável é o Brasil, não só para alimentos mas agroenergia, biomassa. O Brasil tem matriz energética 44% renovável. A do mundo é 15%, e 15% por causa do Brasil. Sem o Brasil, seriam 11%.

Podemos ser não apenas um grande exportador de alimentos para o mundo inteiro mas de tecnologia, de equipamentos. Com o que aprendemos a duras penas em 50 anos, podemos liderar nesse cinturão tropical e ajudar o mundo a ser um produtor de energia.

Os desafios da humanidade são segurança alimentar, energia e mudanças climáticas. Os três serão resolvidos pela agricultura tropical, e o Brasil poderá ser um líder nesse processo, não imposto, mas um líder natural.

Há muitas críticas ao avanço do agronegócio, sobretudo de ambientalistas e do Ministério do Meio Ambiente, sobre desrespeito ao Código Florestal e a prática do desmatamento. Como conciliar o avanço do agro com práticas sustentáveis? Para o Brasil, não precisa desmatar mais nada. Ao contrário. Podemos usar áreas desmatadas, abandonadas e degradadas para recuperar e fazer agricultura. O Brasil tem hoje, mais ou menos, 9% do seu território com todas as plantas cultivadas, de alface a eucalipto. É muito pouco.

Temos mais de 20% de pastagens. Uma pastagem pobre, já que a pecuária, durante muitos anos, foi uma atividade sem técnica. Mas isso mudou completamente nos últimos anos.

Há 20 anos, tínhamos menos de uma cabeça [de gado] por hectare. Mudou até por uma questão de fora para dentro. A área de alimentos hoje cresce no Brasil das pastagens. O agricultor está fazendo pasto virar comida. Temos pelo menos 45 milhões de hectares, que podem ser recuperados para agricultura e para floresta.

Como avalia as reclamações do setor sobre a falta de financiamento e programas para garantir renda? O Brasil é o único país grande que ainda não tem um programa de renda no campo. A última vez que isso aconteceu foi nos anos 1970. Quando fui ministro, a primeira coisa que fiz, em 2003, foi o seguro rural.

Primeiro porque é a única condição que temos para haver estabilidade de renda no campo. No ano passado, tivemos uma seca brutal no Sul e ela teria quebrado todo o mundo se não fosse o seguro rural. Mas, hoje, não temos nem 10% da área plantada brasileira segurada.

Porque é caro, o governo não coloca recursos no Orçamento para isso, para subvenção ao prêmio [valor pago pelo segurado], algo que acontece no mundo inteiro. Seguro é fundamental, pois estabiliza a atividade.

Nenhuma seguradora vai fazer seguro para produtor que não usar tecnologia. O seguro rural, portanto, impulsiona o uso da tecnologia. Ele libera o produtor rural do crédito oficial. Pois, tendo seguro, qualquer banco dá crédito para o produtor, pois não tem risco.

Nos EUA, todo banco dá crédito rural a agricultores, pois eles têm seguro. Na Europa também. O seguro é elementar.

Como aumentar isso? Tem de aumentar o recurso para a subvenção ao prêmio. Faz anos que nosso orçamento para o seguro da safra é de R$ 1 bilhão, para 5 milhões de produtores. Para os partidos políticos no ano passado, tinha R$ 5 bilhões.

Precisamos de R$ 10 bilhões. Mas põe R$ 3 bilhões e vamos ver a diferença. O seguro rural estabiliza a renda, impulsiona a tecnologia e libera os bancos públicos do crédito; e o setor privado vai financiar.

É preciso também ter preço de garantia, o antigo preço mínimo. Ter uma banda de preços para cada região do país para que o seguro exerça sua função de tranquilizar o produtor que quebrou. Isso tudo ajuda a criar uma agricultura estruturada, não dependente do Plano Safra todos os anos, se vai ou não ter crédito.

Outra coisa essencial é sustentabilidade, que é hoje pré-condição para competitividade. Quem não produzir de forma sustentável não vai ter mercado, e esse ponto é essencial.

É preciso controle rigoroso de doenças e pragas que permita ter a segurança de que não vai ter problemas. Procurar insumos cada vez mais biológicos e menos químicos, que hoje demandam importações.

Rastreabilidade, com identificação da origem da produção. Acabar com o que é ilegal, com o desmatamento ilegal, os incêndios criminosos, invasão e grilagem de terra, garimpo clandestino. Tem que fazer cumprir as leis.

A ilegalidade bate na sustentabilidade. Mas essa coisa que é feita por aventureiros e bandidos tem de ser enfrentada com o rigor da lei. Senão, o concorrente usa esses defeitos como se fosse o todo da agricultura, para depreciar nossa condição competitiva.


Roberto Rodrigues, 80
Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV-EESP e embaixador especial da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura para o Cooperativismo, foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento entre 2003 e 2006, no governo Lula 1, e secretário de Agricultura do Estado de São Paulo (1993-1994). É engenheiro agrônomo formado pela Esalq‑USP e foi professor do Departamento de Economia Rural da Unesp.

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