Isenção para compras internacionais de até US$ 50 é alvo do varejo brasileiro

Por outro lado, cobrança unificada de ICMS gera temor entre consumidores quanto a aumento de preços

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São Paulo

As novas regras de tributação para compras internacionais acenderam um alerta em consumidores e no setor varejista brasileiro, mas por motivos diferentes.

Para o público que consome produtos com frequência em plataformas como Shein e Shopee, o temor é pelo aumento dos preços. É que além do imposto de importação federal de 60% —como já ocorre hoje em dia— representantes dos estados anunciaram que compras internacionais terão a cobrança de uma alíquota fixa de ICMS.

Segundo anúncio feito pelo Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda) no dia 2 de junho, a alíquota será estabelecida em 17%. Antes, o percentual variava em cada unidade federativa. Essa cobrança do ICMS já está valendo e a expectativa dos estados é que haja efetivo recolhimento dos impostos, após a unificação da cobrança dos tributos federal e estadual.

Essa unificação se dará após a adoção do programa Remessa Conforme pelo governo federal. O programa começa em 1º de agosto e incentivará as plataformas a declararem a importação e o pagamento dos tributos antes do envio das mercadorias.

Outra preocupação dos consumidores está em uma possível tributação em cascata em compras acima de US$ 50 (R$ 241, na cotação atual). Ou seja, seria a cobrança de imposto sobre imposto: produtos poderiam sofrer aplicação do ICMS estadual sobre o preço já tributado pela União, pesando ainda mais no bolso dos consumidores. O Comsefaz nega que isso ocorrerá.

Imagem mostra um teclado e um carrinho de compras em miniatura em frente ao logo da Shein.
Empresas estrangeiras como a Shein poderão ser beneficiadas com a isenção fiscal de compras abaixo de US$ 50 - Dado Ruvic - 13.out.2020/Reuters

Do outro lado dessa disputa está o varejo brasileiro. Representantes das empresas nacionais criticam a isenção fiscal concedida pelo Ministério da Fazenda às estrangeiras nas compras abaixo de US$ 50 (R$ 241). As companhias temem que a medida afete a competitividade do mercado interno.

A alíquota zerada no Imposto de Importação para esses casos foi anunciada após a publicação da Portaria 612/2023, assinada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Isso vale para envios feitos tanto por empresas, quanto por pessoas físicas.

Pela lei, remessas entre pessoas físicas são isentas de imposto, mecanismo mantido pela pasta. Plataformas estrangeiras usam essa brecha para driblar a tributação ao enviar produtos como se fossem pessoas físicas.

A isenção do imposto federal nas remessas de valor mais baixo é o grande trunfo do governo para conseguir a adesão das empresas estrangeiras ao Remessa Conforme. Para conseguirem essa isenção, as companhias precisarão recolher o imposto estadual.

A ideia é que os produtos com documentação correta entrem no Brasil sem a necessidade da tributação ser feita no controle aduaneiro. Atualmente, o consumidor é notificado do bloqueio da remessa e apenas após pagar os impostos, a correspondência é liberada. A pasta também busca mapear todas as transações internacionais realizadas.

No centro desse cabo de guerra estão Ministério da Fazenda e secretários dos estados. Entenda a seguir como funcionará a cobrança do ICMS e os argumentos das companhias brasileiras que pedem por mais impostos.

Como funcionará a cobrança do ICMS nas compras internacionais

Procurado pela Folha, o Comsefaz disse que a alíquota de 17% do ICMS está em vigor e incidirá sobre qualquer remessa expressa importada, já incluindo o preço de produto, frete, seguro e eventuais encargos adicionais.

Dessa forma, compras abaixo de US$ 50 feitas em plataformas do Remessa Conforme terão apenas a incidência do ICMS. Produtos acima de US$ 50 seguem com aplicação tanto do imposto estadual, quanto do imposto de importação (federal).

O comitê afirmou que a padronização da alíquota do ICMS em 17% visa garantir a eficiência do programa de conformidade do Ministério da Fazenda, além de dar celeridade às importações. "A modernização das operações e a integração dos Fiscos estaduais e federal permitirá que as mercadorias adentrem o território nacional com o devido tratamento, sem necessidade de retenção da mercadoria", disse o Comsefaz.

O comitê negou a possibilidade de tributação em cascata nos casos de compras acima de US$ 50 (em que serão aplicados impostos federal e estadual). Segundo o órgão, embora o ICMS incida após a aplicação do imposto federal, o ICMS incidirá "por dentro", ou seja, sobre a base de cálculo do próprio imposto.

Vamos considerar dois exemplos. No primeiro, uma compra de produto com preço em R$ 100 (abaixo de US$ 50), já considerando frete e demais encargos. Essa mercadoria não sofrerá aplicação do imposto federal caso a empresa entre no Remessa Conforme. Com a aplicação de 17% de ICMS por dentro, o preço final do produto ficará em R$ 120,48 —serão destinados R$ 20,48 aos cofres estaduais. Na prática, a taxa efetiva que incide para o ICMS é de 20,48% (considerando o valor do produto).

Em um segundo exemplo, o produto custa R$ 500 (acima de US$ 50). O imposto federal de 60% irá aumentar o preço em R$ 300. A aplicação de 17% de ICMS por dentro será feita sobre o valor de R$ 800 e serão destinados R$ 163,85 aos estados. Nesse exemplo, a taxa efetiva que incide para o ICMS é de 32,77% (em relação a R$ 500, valor inicial do produto sem as tributações).

Por que as empresas brasileiras pedem por mais impostos

Em nota divulgada nesta terça (11), o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) demonstrou preocupação com uma possível "onda de demissões e fechamento de lojas", após a portaria publicada pela Fazenda.

Segundo o instituto, a isenção fiscal de compras abaixo de US$ 50 provoca uma desigualdade. "Enquanto uma compra feita por meio de plataforma digital de venda cross-border [via importação] será tributada em 17%, a indústria e o comércio brasileiros continuarão sujeitos a uma carga fiscal que varia de 80% a 130% em toda a sua cadeia produtiva e de distribuição", afirma no comunicado.

"Isso acaba incentivando o fechamento de empresas e a criação de empregos em outros países", diz a nota. Entre alguns dos varejistas representados pelo IDV estão Renner, C&A, Via (Casas Bahia e Ponto), Magazine Luiza, Grupo Pão de Açúcar e Livraria Cultura. Ao todo, são 71 associados.

No comunicado, o instituto afirma que acionou os Correios e a Senacon. A entidade cobra a estatal por mais fiscalização das remessas ilícitas ou fraudadas. Quanto à secretaria, o IDV pede por maior proteção aos consumidores que podem ser lesados na compra de produtos falsificados.

Segundo o instituto, estimativas apontam que R$ 137,7 bilhões deixaram de ser recolhidos em impostos nos últimos cinco anos.

A Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) também se posicionou contrária à adoção da portaria 612/2023.

O presidente da federação, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, entregou uma carta na última sexta (7) ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, em que pede a revogação da portaria. O texto é assinado por entidades como o IDV, além de outras associações de indústrias.

O que pensa o Idec

Ione Amorim, coordenadora do Programa de Finanças do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), enxerga que o debate está sendo conduzido de forma precipitada. "O imposto não é uma novidade, o novo é ele ser cobrado de fato", afirmou em entrevista à Folha.

"Penso que poderia ser um processo gradual. Não precisaria entrar com a tributação de 60% [do imposto federal] de vez. Até mesmo o ICMS. Poderiam ser alíquotas progressivas. O debate deveria ser melhor discutido para equacionar. Esse problema não é imediato, e há muito a amadurecer pelos mercados."

Sobre a aplicação da alíquota de 17% do ICMS, Amorim avalia que, mesmo com o tributo incidindo por dentro, a mudança na prática será pequena e poderá confundir o consumidor. "O ICMS terá um impacto para o consumidor e é muita informação para ele assimilar de uma vez só. Esse modelo é prejudicial porque você não uniformiza o entendimento. Quando falamos de tributação, precisa ter objetividade."

O Idec também entende ser natural o posicionamento das companhias brasileiras. "Não é saudável termos menos concorrência, você tira do comprador uma opção. [Porém,] não é solução as empresas pedirem proteção. O ideal é buscar equilíbrio", disse a especialista.

Por fim, o instituto vê de forma positiva o movimento de tributação de mercadorias na origem proposto pelo Remessa Conforme. "O produto já vindo com o encargo discriminado, tende a facilitar a redução do prazo de entrega. Permite controlar melhor o valor dos produtos e do recolhimento", analisou a coordenadora do Idec.

Erramos: o texto foi alterado

O ICMS incidirá sobre compras internacionais de qualquer valor, incluindo aquelas abaixo de US$ 50. O Comsefaz havia afirmado inicialmente que não haveria incidência, mas corrigiu a informação posteriormente.

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