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Queijeiros da Itália resfriam suas vacas para manter o leite fluindo

Produtores de laticínios estão usando mais ventiladores e aspersores gigantes para ajudar o gado a suportar o calor extremo

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Amy Kazmin
Parma (Itália) | Financial Times

Enquanto a Itália sofria com uma onda de calor na semana passada, o rebanho de vacas de Roberto Gelfi desfrutava os privilégios de ser fornecedoras do leite que produz o queijo Parmigiano-Reggiano, o famoso "parmesão" original.

De manhã à noite, ventiladores gigantes giravam em alta velocidade para esfriar o gado premiado, cuja produção de leite pode cair 10% sob estresse térmico. Enquanto isso, máquinas borrifavam as vacas com uma névoa fina.

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Vacas em pasto irrigado em propriedade rural - Pierre Duarte/Folhapress

Gelfi, 58, proprietário da segunda geração da leiteria Zecca del Carzeto, instalou pela primeira vez seus refrigeradores para vacas há mais de uma década, usando-os então apenas nas horas mais quentes dos dois meses mais quentes. Agora, os sistemas de resfriamento normalmente funcionam cinco meses por ano, durante até 16 horas por dia, tudo por um custo considerável.

"As vacas geralmente sofrem quando o ar chega a mais de 26oC", disse Gelfi, que é presidente do capítulo de Parma da Confagricoltura, a mais antiga associação de agricultores e agronegócios da Itália.

Como manter as vacas frescas e confortáveis em um mundo em aquecimento é uma preocupação considerável para os produtores de leite na região italiana de Emilia-Romagna, onde o mundialmente famoso Parmigiano-Reggiano é produzido sob um código rígido de quase 17 páginas.

Homens trabalham em uma roda de queijo Parmigiano Reggiano em Reggio Emilia, norte da Itália - Marco Bertorello - 19.abr.2023/AFP

Assim como o fluxo de leite, os queijeiros alertam que o clima extremo –de enchentes a secas– está afetando o cultivo local de alfafa e outras forragens que as vacas devem comer. As fazendas locais também estão tendo que investir em novos poços e outros equipamentos de irrigação para lidar com a crescente demanda por água e a baixa oferta.

"O queijo é uma função do leite, e o calor excessivo estressa os animais que produzem leite e a produção de forragem", disse Luca Rovesti, presidente e executivo-chefe da queijaria Montecoppe, que tem cerca de 500 vacas em sua propriedade. "Menos leite significa menos queijo."

As vacas bebem até 140 litros de água por dia no calor do verão, em comparação com 80-90 litros no inverno, e também comem menos, o que reduz a produção de leite. O volume de leite é afetado mesmo depois que o pico de calor diminui, enquanto as vacas se recuperam do verão cansativo.

As noites sem dormir tornaram-se mais comuns; vacas encaloradas acham difícil deitar-se confortavelmente. "Uma energia incrível é consumida no verão pelas vacas para lidar com essa situação difícil de calor e umidade", disse Rovesti, acrescentando que mesmo as temperaturas noturnas mais baixas na região agora são tipicamente de 2°C a 3°C acima de 15 anos atrás.

Durante a recente onda de calor, os ventiladores e sistemas de irrigação da Montecoppe funcionaram 24 horas por dia, 7 dias por semana, para tentar manter as vacas confortáveis. O queijeiro agora planeja instalar máquinas de névoa adicionais na área de alimentação, na esperança de que os animais comam mais no próximo verão.

Na Giansanti Di Muzio, uma fazenda leiteira e queijeira artesanal de 30 hectares nos arredores de Parma, os volumes de leite caíram no verão, reduzindo a produção de rodas de queijo de 40 kg de sete para seis por dia.

O mestre queijeiro da fazenda, Vincenzo Fanari, 71, que faz Parmigiano-Reggiano desde os 16, disse que o leite de verão é mais fino que o de inverno, o que significa que é necessário mais para fazer cada roda de 40 kg. "Você precisa de leite extra no verão para fazer a mesma quantidade de queijo", acrescentou.

No entanto, as preocupações dos produtores em encorajar as vacas a comer mais têm um outro lado. Muitos também estão preocupados com a segurança dos suprimentos de forragem para alimentá-las, após a severa seca do ano passado e as enormes inundações desta primavera na região de Emilia-Romagna.

Rodas de queijo Parmigiano Reggiano são retratadas no departamento de maturação da Casearia Castelli, membro do Grupo Lactalis, no Caseificio Tricolore em Reggio Emilia, norte da Itália - Marco BERTORELLO/AFP

De acordo com as regras rigorosas para a produção de Parmigiano-Reggiano certificado, os queijeiros só podem usar leite de vacas que seguem uma dieta rigorosamente regulamentada, com pelo menos metade de sua alimentação total proveniente de forragem –principalmente alfafa.

De acordo com as regras, metade da forragem das vacas deve vir da fazenda que as cria, outros 25% podem vir de outras fazendas dentro da área designada de produção de Parmigiano-Reggiano e apenas 25% podem vir de fora do distrito.

Mas o clima extremo afetou fortemente a produção local de forragem, fazendo com que os preços disparassem. "O preço da forragem subiu, mas o preço do Parmigiano não", disse Marina Di Muzio, matriarca da família proprietária da Giansanti Di Muzio.

Em Montecoppe, a produção de forragem caiu 20% no ano passado, após um segundo ano consecutivo de seca extrema no norte da Itália. Isso forçou a propriedade a comprar mais a um custo significativo, já que os preços subiram cerca de 40%. Rovesti alertou que as recentes inundações devastadoras ameaçam aumentar ainda mais o custo neste inverno.

Os fabricantes de queijo dizem que esses desafios complexos podem deixar alguns laticínios e produtores lutando para preencher as cotas deste ano, que são alocadas por um consórcio que regula a produção de Parmigiano-Reggiano. De acordo com uma análise da Confagricoltura dos dados do Consórcio Parmigiano, a produção do queijo caiu 2,2% no ano passado, quando a região foi atingida pela seca.

Rovesti disse que muitos agricultores ainda não têm certeza se o clima extremo recente foi um fenômeno temporário ou um prenúncio do que está por vir. "A grande esperança é que as coisas voltem ao normal", disse ele. "Se este for o novo normal, a indústria terá que enfrentá-lo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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