Descrição de chapéu Financial Times Mercado imobiliário

Aluguel dispara em 'paraíso do Airbnb' e professores não encontram casa

Os turistas que lotam ilhas gregas e cidades italianas estão deixando imóveis fora do alcance também de estudantes e funcionários públicos

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Eleni Varvitsioti Amy Kazmin
Financial Times

George Moris nunca imaginou que o trabalho de professor de ensino fundamental na pitoresca ilha grega de Santorini o obrigaria a dormir em seu carro, passar a noite no sofá de um colega ou em salas de aula vazias.

Mas, empoderados por plataformas de partilha de residências, como o Airbnb, a maioria dos donos de imóveis em Santorini estão alugando seus espaços para turistas estrangeiros que pagam valores altos. Com isso, professores escolares como Moris e outros funcionários públicos estão tendo dificuldade em encontrar alojamento a preços acessíveis.

Quando Moris chegou a Santorini, em setembro de 2022, com a temporada de turismo ainda a pleno vapor, não encontrou nenhuma opção de aluguel de longo prazo. Em certo momento, ele encontrou um quarto de hotel por 20 euros por noite. "Um milagre, em se tratando de Santorini", disse.

Mas havia um porém: Moris teve que concordar que, se o dono do hotel encontrasse outro hóspede, "nem que fosse no meio da noite", ele sairia para que o proprietário pudesse cobrar uma diária mais alta.

Turistas olham o pôr do sol do Castelo de Oia, na ilha de Santorini, na Grécia. - Reuters/Louiza Vradi

Problemas desse tipo não se limitam a Santorini, que no ano passado recebeu quase 60% mais turistas do que antes da pandemia, em 2019. Em muitos dos destinos turísticos mais procurados da Europa —desde ilhas gregas ensolaradas até Praga, Lisboa e cidades históricas italianas—, o Airbnb e outras plataformas de aluguel de curto prazo estão prejudicando o mercado imobiliário residencial gravemente.

Em Santorini, professores escolares que chegam todo ano em setembro geralmente são obrigados a passar os primeiros meses do ano letivo vivendo em hotéis, até a temporada turística acabar. Com isso, seus custos de moradia muitas vezes superam seus rendimentos —o salário mensal de novos professores geralmente não passa de 1.000 euros.

"A maioria dos professores não quer ser mandada para cá", diz Anthi Patramani, presidente da associação dos responsáveis pelo ensino secundário na ilha. "Quando vêm, é um drama".

Na Itália, a crise dos aluguéis residenciais há tempo tem seu epicentro em Veneza, onde há mais leitos para turistas nas ilhas centrais da cidade, cerca de 49 mil, do que residentes permanentes. Cerca de 40% dessas vagas para turistas são alugadas no esquema Airbnb, para estadias de curta duração em apartamentos que, no passado, eram residenciais.

A tendência é semelhante em muitas outras cidades italianas. Autoridades locais e ativistas sociais dizem que isso não apenas está provocando uma escassez aguda de habitação a preços acessíveis, mas também destruindo a vida urbana tradicional no país.

"Isso está afetando nosso patrimônio cultural", disse Giacomo Menegus, assessor jurídico do grupo ativista Habitação sob Alta Pressão, movimento que surgiu em Veneza e agora se estende a outras cidades. "Não temos mais uma cidade viva, mas uma espécie de Disneylândia ou atração plástica, sem gente morando ali. Tudo vai se tornar mais ou menos fake ou extremamente turístico".

A ilha grega de Ios tem 2 mil residentes permanentes e recebe cerca de 150 mil visitantes a cada verão, especialmente clubbers do Reino Unido e Irlanda. Cabe ao prefeito, Gkikas Gkikas, a tarefa quase impossível de encontrar acomodação para professores, médicos, bombeiros e funcionários da guarda costeira enviados para trabalhar na ilha.

"Fica mais difícil a cada ano que passa", ele comentou. Este ano um bombeiro se hospedou no museu local e um guarda costeiro teve que se acomodar em um quarto adjacente ao heliporto da ilha.

Antonis Koutsoumpas, 30 anos, professor de matemática que foi enviado a Ios na metade do ano, passou três meses em um quarto sem cozinha, aquecimento ou água quente. Mas disse que os moradores permanentes da ilha, animados com a renda extra proporcionada pelos aluguéis de curta duração, se mostram indiferentes aos apelos das autoridades.

"O pior foi que não houve ajuda nenhuma dos moradores locais, nem mesmo os que eram pais de alunos", disse Koutsoumpas.

Dimitris Alvanos, médico residente em Ios há 21 anos, disse que a crise de falta de habitação nas ilhas gregas Cíclades é um problema para os serviços de saúde, porque faltam funcionários para trabalhar nos centros médicos.

Para incentivar médicos a se mudar para as ilhas, o governo ofereceu um abono de 1.800 euros em julho e agosto. Mas, segundo Albano, apesar de alguns médicos terem se interessado, "como eles não conseguiram encontrar hospedagem, ninguém veio".

Enquanto as universidades ficaram fechadas no período da pandemia, muitos apartamentos residenciais passaram a ser alugados no esquema de estadias curtas. Na primavera deste ano, universitários de várias cidades italianas, incluindo Milão, Roma, Florença, Bolonha, Pádua e Turim, acamparam em barracas em espaços públicos para protestar contra a falta aguda de habitação acessível.

"Muitas pessoas que costumavam alugar seus apartamentos a estudantes decidiram, em vez disso, alugar para turistas", explicou a vereadora Francesca Benciolini, em Pádua.

Com a crise habitacional se intensificando, crescem os chamados por uma intervenção. O movimento Habitação sob Alta Pressão está pedindo ao governo que apoie legislação que empodere as cidades a regulamentar seus mercados habitacionais locais e a utilização das unidades residenciais.

Medidas regulatórias adotadas em cada cidade poderiam incluir cotas de unidades usadas para aluguéis por estadia curta ou um sistema de alvarás que permitiria a locatários alugar seus imóveis a turistas por um período fixo e então exigir que voltassem para o mercado residencial de longo prazo.

Até agora, porém, o ministro do Turismo italiano sugeriu uma lei que apenas imponha o cadastramento de imóveis alugados por estadias curtas, algo que Menegus argumenta que seria "totalmente insuficiente para restaurar o mercado habitacional em cidades onde há Airbnbs demais".

A Airbnb disse que seu serviço atende "uma pequena parcela do total de visitantes à Europa" —apenas 4% dos turistas que vão a Veneza, por exemplo. A empresa destacou que o aluguel de cômodos garante "uma tábua de salvação econômica" às famílias anfitriãs. "Nós nos preocupamos profundamente com questões habitacionais, obedecemos as regras locais na Grécia e propusemos regras nacionais na Itália para ajudar a preservar cidades históricas como Veneza", acrescentou.

Algumas cidades italianas estão tentando agir, na medida do que seus poderes limitados permitem. O prefeito de Florença, Dario Nardella, disse que a cidade vai oferecer incentivos fiscais aos proprietários para que aluguem seus imóveis a residentes de longo prazo. Mas é possível que a iniciativa seja contestada legalmente.

Em um esforço para coibir o impacto dos aluguéis de curta duração, várias cidades impuseram restrições, incluindo Paris, Londres e Barcelona. Mas a implementação das medidas tem sido difícil. Alguns locatários ficaram hábeis em redigir anúncios online de maneiras que contornam as regras que exigem registros ou que regem o número de noites por ano que os imóveis podem ser alugados por curtos períodos.

Na Grécia há discussões em curso sobre a adoção de mais controles municipais, visando locadores que possuem vários imóveis que alugam por estadias curtas.

Enquanto isso, nas ilhas do país muito procuradas por turistas, o governo estuda oferecer incentivos a construtoras para que renovem prédios municipais antigos e então reservem 40% desses imóveis para o uso residencial de médicos, enfermeiros e professores.

"Há imóveis que poderiam ser usados", disse Akis Skertsos, ministro responsável pela habitação. "Mas o problema não será resolvido de imediato".

Tradução de Clara Allain

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