Booking atrasa pagamento de estadias a pousadas e flats

Empresa diz que manutenção do sistema atrasou liberação de valores, que está sendo regularizada

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São Paulo

Debora Trachtenberg, 44 anos, dona da pousada Spa Oásis, em Caraíva, no litoral baiano, passou os últimos dias duplamente frustrada. Como consumidora da plataforma de viagens 123milhas, ela havia comprado uma passagem de São Paulo para Roma, em janeiro, por R$ 600 ida e volta. Planejou visitar o sogro, junto com o marido.

Mas a crise que se abateu sobre a 123milhas desde a noite de sexta-feira (18), quando a empresa anunciou a suspensão de venda de passagens promocionais entre setembro e dezembro, a fez ficar temerosa. "Não sei se vamos conseguir viajar em janeiro."

Já como empresária, ela diz estar desapontada com o Booking, pois afirma que a plataforma de venda de passagens e pacotes de viagem atrasou por dois meses os repasses das estadias do Spa Oásis. "Cerca de metade das minhas reservas são pelo Booking, que fica com 13% do valor como comissão", diz.

"Mas em junho eles deixaram de fazer os repasses. Nem na pandemia tive tanta dificuldade de pagar a minha equipe quanto agora", afirma Débora.

pousada a beira mar
Pousada Spa Oasis, em Caraíva, Bahia: metade dos clientes vêm pelo Booking - Divulgação

O Booking afirma que os atrasos se devem a uma manutenção planejada no sistema da empresa, mas que os pagamentos estão sendo regularizados. A empresa, porém, não deu prazo para a volta à normalidade.

A empresa vende pacotes de viagens e passagens aéreas, mas com data definida, modelo diferente do adotado pela 123milhas e do Hurb (antigo Hotel Urbano), com ofertas flexíveis. O Booking pertence ao grupo americano Booking Holdings, dono de empresas como Kayak e Rentalcars, e é listado na Nasdaq.

Em nota à Folha, o grupo informou que "a maioria dos parceiros de acomodação no Brasil e no exterior já tiveram seus pagamentos processados."

Apesar das explicações da plataforma, Débora teme que aconteça com o Booking o mesmo que ocorreu com o Hurb, que deixou de fazer o pagamento às pousadas neste ano e foi proibido de vender pacotes sem data definida.

Centenas de donos de pousadas e flats cadastrados no Booking, reunidos em grupos de WhatsApp e Facebook, estão registrando desde junho atrasos nos pagamentos das estadias vendidas pelo Booking. Segundo relatos a que a Folha teve acesso, a plataforma recebe o pagamento do cliente e só depois paga o anfitrião, deduzindo a sua comissão.

A falha no repasse das estadias não foi uma questão pontual no Brasil. De acordo com reportagem da BBC do último dia 10, anfitriões do Reino Unido reclamavam do mesmo problema, que também teve início em junho. Um dos proprietários diz que o Booking lhe deve cerca de 50 mil libras esterlinas (R$ 315 mil).

No início da tarde desta terça-feira (22), Débora recebeu as estadias atrasadas, mas continua apreensiva. "O Booking não é a melhor opção para os pousadeiros e nem mesmo para o consumidor, que paga mais caro do que se negociasse direto com o estabelecimento ou via Airbnb", diz ela, que há dez anos trabalha com a plataforma.

"Eles ficaram dois meses segurando nosso pagamento", afirma Débora, que chegou a entrar em contato com os hóspedes que fizeram reservas na pousada até novembro, pedindo que eles cancelassem o serviço e fechassem a estadia direto com ela. "Eu não poderia ficar com a agenda bloqueada, sem saber se iria receber."

Thiago Lisboa, 34 anos, dono de uma pequena pousada em Copacabana, zona sul no Rio, também se sente inseguro. Ele diz que ainda não recebeu cerca de R$ 33 mil do Booking.

"A minha pousada, Maroca Copacabana, é nova, foi inaugurada em março deste ano", afirma. "O Booking serviu como uma vitrine e aumentei a comissão deles, para uma faixa entre 20% e 30%, a fim de conseguir maior visibilidade no site."

Mas em junho ele afirma que parou de receber as estadias. Para piorar, diz que uma taxa de R$ 20 mil apareceu na sua conta. "O Booking diz que isso é um erro do sistema, mas meus pagamentos aparecem bloqueados também por conta desse erro", afirma Lisboa, que demitiu um dos funcionários por não conseguir arcar com a despesa.

O empresário diz ter investido todas as suas economias (cerca de R$ 100 mil) na pousada, que tem quase todas as suas reservas feitas por meio do Booking. "Até novembro, eu tenho R$ 120 mil a receber em estadias", diz. "Como minha pousada é nova, dependo da credibilidade do Booking para vender a hospedagem. Tenho medo de entrar em contato direto com os hóspedes e eles cancelarem a estadia, temendo se tratar de fraude."

Jéssica Cicuto Salusse, presidente da OBA Apartments, gestora de locação por temporada, afirma estar com um rombo de R$ 86 mil no caixa devido a atraso no pagamento do Booking. A empresa tem uma carteira de 60 proprietários de imóveis. Os repasses referentes a junho, que deveriam acontecer em julho, não ocorreram, diz Jéssica. A OBA arcou com o pagamento aos proprietários, esperando que a Booking cumprisse o compromisso no mês seguinte, o que não ocorreu, segundo seu relato.

Agora a gestora está sem dinheiro e os proprietários não receberam o mês de julho. "Estou desesperada", diz Jéssica. "Quantos empreendedores dependem desse dinheiro para sobreviver? Inclusive a nossa empresa."

Uma advogada, que falou com a reportagem em condição de anonimato, afirmou que tem dois dos seus seis apartamentos cadastrados no Booking. Ela está sem receber desde junho, mas a plataforma lhe enviou notas fiscais, como se a estadias tivessem sido pagas. A advogada diz ter bloqueado os imóveis para reserva a partir de outubro, diante da incerteza do repasse por parte do Booking.

O setor de turismo tem registrado problemas envolvendo plataformas de venda de passagens aéreas e pacotes turísticos. Depois de ser alvo de uma ação do Ministério da Justiça em abril deste ano, após uma disparada de reclamações de cancelamentos de reservas em hotéis e pousadas, o brasileiro Hurb viu a Latam suspender a venda de passagens no site da companhia, devido a uma dívida de R$ 13,6 milhões.

Já o 123milhas se tornou alvo de uma investigação da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), do Ministério da Justiça, e está na mira da CPI das Pirâmides Financeiras, em andamento na Câmara Federal, em Brasília.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, a origem da crise nas duas empresas está relacionada à venda de pacotes e passagens aéreas sem datas definidas. As companhias aplicam o dinheiro do consumidor e, quando decidem comprar as passagens ou estadias, os valores estão acima do esperado.

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