Ala do governo dá até fim do ano para Haddad garantir déficit zero em 2024

Integrantes do Executivo querem evitar risco de bloqueios bilionários em meio às eleições; Gleisi defende revisar meta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Uma ala do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) consiga ver aprovado no Congresso até o fim do ano o cardápio de medidas para elevar a arrecadação e, assim, manter a meta de zerar o déficit nas contas públicas já em 2024.

Integrantes do Executivo querem iniciar o próximo exercício sem risco de contingenciamentos bilionários em ano eleitoral, quando haverá disputa pelas prefeituras.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista coletiva na sede da pasta, em Brasília - Gabriela Biló - 31.jul.2023/Folhapress

Se as medidas não forem aprovadas, ou se as propostas forem muito desidratadas pelo Congresso, integrantes do Palácio do Planalto veem como inevitável rediscutir o objetivo traçado para a política fiscal.

O alerta sobre as dificuldades de cumprir a meta fiscal de 2024 já foi feito em reuniões internas por técnicos e até pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), como mostrou a Folha.

O tema também está no radar de congressistas aliados do governo. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), defende mudança.

"Eu sou a favor [de alterar a meta fiscal], até em razão de possível frustração de receita, inclusive por posições do próprio Congresso", disse. "O Congresso pode fazer isso [mudar até o fim do ano]."

A proposta de Orçamento de 2024 será enviada nesta quinta-feira (31) com o déficit zero, ancorada em uma série de propostas tributárias para reequilibrar as contas. A viabilidade política dessas medidas, porém, ainda é dúvida.

Em meio à incerteza, técnicos veem o fim do ano como uma espécie de data-limite, pois boa parte das iniciativas defendidas pela Fazenda envolve o Imposto de Renda.

Aumentos no IR precisam ser aprovados no ano anterior ao de sua vigência, respeitando a regra da anterioridade anual. Isso significa que, se a votação não for concluída na Câmara e no Senado nos próximos quatro meses, quaisquer efeitos positivos sobre o caixa da União só serão observados em 2025.

Pelo menos três medidas envolvem mudanças no IR: a taxação dos fundos exclusivos de investimento (mantidos por super-ricos), a tributação de recursos offshore (situados principalmente em paraísos fiscais) e a mudança na dedução do Juro sobre Capital Próprio (uma forma de remunerar acionistas) da base de cálculo do IR das empresas.

Lula já enviou o projeto de lei das offshores e a MP (medida provisória) dos fundos exclusivos. Juntas, as duas medidas devem render R$ 20,3 bilhões em recursos no ano que vem, segundo estimativas do governo.

Já a mudança no JCP pode elevar a arrecadação em até R$ 6 bilhões em 2024, a depender do formato adotado.

Na avaliação de técnicos ouvidos pela reportagem, a aprovação das medidas enfrentará obstáculos no Congresso, mas não faz sentido se antecipar ao cenário de não aprovação. Por isso, é preciso acompanhar a evolução das propostas no Legislativo.

Caso as iniciativas elaboradas por Haddad demorem a avançar, o entendimento é de que a rediscussão da meta será feita, para viabilizar a aprovação de um Orçamento já ajustado a essa realidade.

No desenho do novo arcabouço fiscal, o descumprimento da meta não gera punição ao gestor, desde que ele tenha adotado providências para tentar evitar o estouro, como contingenciar despesas.

Mas bloqueios de verbas em ano de eleições municipais seriam um complicador político para Lula, que prometeu a retomada de investimentos, relançou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e espera poder contar com os recursos para tocar ações estratégicas.

Como mostrou a Folha, Tebet aproveitou uma reunião recente com a presença de Haddad e dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão) para enfatizar os obstáculos de se conseguir a aprovação de tantas medidas para ampliar a arrecadação.

Na ocasião, a ministra do Planejamento argumentou que uma meta de déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) seria mais crível. Com a margem de tolerância de 0,25 ponto percentual criada pelo novo arcabouço, o governo poderia registrar um resultado negativo de até 0,75% do PIB.

Eu sou a favor [de alterar a meta fiscal], até em razão de possível frustração de receita, inclusive por posições do próprio Congresso

Gleisi Hoffmann

presidente nacional do PT e deputada federal pelo Paraná

Segundo os relatos, no entanto, Haddad se manteve irredutível. Além disso, ele ponderou que o Orçamento só é votado em dezembro, dando tempo para administrar eventual alteração, caso ela seja de fato necessária.

Tebet, que evita se opor publicamente a Haddad, optou então por ficar ao lado do ministro.

Na tarde desta terça-feira (29), Haddad, Tebet, Dweck e Costa tiveram uma reunião com Lula no Palácio do Planalto para discutir o Orçamento de 2024. Segundo relatos de pessoas presentes, foi um encontro "de praxe". Não houve discussão sobre a meta.

Antes da reunião na Presidência, o ministro da Fazenda reiterou seu compromisso com o déficit zero, a despeito das pressões por mudança.

[Projeto de Orçamento] Equilibrado significa que as receitas primárias são iguais às despesas primárias

Fernando Haddad

ministro da Fazenda

"Vai equilibrado, nem teria tempo de mudar o Orçamento, que está pronto há mais de 15 dias. No dia 31 [quinta-feira], a gente apresenta os parâmetros, os dados e as medidas fiscais já fechados com o Planejamento", disse. "Equilibrado significa que as receitas primárias são iguais às despesas primárias."

No Congresso, porém, deputados aliados do governo já articulam mudar a meta para um déficit de 0,5% do PIB.

O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, disse à Folha que pediu uma reunião com Haddad para saber "como ficará a equação".

"Ninguém pode fugir dos fatos, a realidade nos impõe discernimento. Do que adianta querer construir fantasia, ficção, se a realidade dos fatos contradiz tudo isso?", disse Forte.

O deputado vê um prazo até mais curto para o governo rever a meta fiscal do ano que vem. "Na virada de setembro para outubro, vendo que não tem reação da economia e que nós estamos patinando sem sair do canto, o governo vai ser obrigado a fazer essa revisão [da meta fiscal]", afirmou.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.