Bilionários escondem riqueza e adotam 'luxo discreto' nos EUA

Ostentação continua perceptível, mas apenas para aqueles que sabem como e para onde olhar

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Guy Trebay
The New York Times

Hoje, os diagramas sociais barrocos do escritor Truman Capote parecem antiquados e pitorescos. Neles, o que distinguia os razoavelmente ricos dos verdadeiramente ricos eram os legumes melhores que estes serviam: "minúsculos".

Se Capote estivesse vivo hoje para se aproveitar de seus superiores na sociedade, os detalhes que ele provavelmente levaria em conta talvez não envolvessem a comida em suas mesas —até mesmo as pessoas mais ricas pedem comida delivery— mas sim a água Hallstein que eles importam da Áustria, ou seus sistemas de café dinamarqueses TopBrewer de US$ 15 mil (R$ 71,9 mil), operados por computador, ou os conjuntos de toalhas com monogramas bordados à mão que eles encomendam por US$ 700 (R$ 3.355) na cultuada loja de linho florentina Loretta Caponi, ou até mesmo os sutis interruptores que eles usam para apagar a luz.

Cena da quarta temporada de "Succession", série da HBO - Divulgação/HBO

Hoje em dia, em todo o Brooklyn gentrificado —um bairro também conhecido por alguns como "Hollywood no rio Hudson" que hoje serve de residência a Adam Driver, Matt Damon, Michelle Williams, Daniel Craig e Rachel Weisz—, os moradores riquíssimos das velhas casas de tijolos [brownstones] do distrito sinalizam a elegância doméstica com detalhes decorativos como um interruptor de luz de US$ 220 (R$ 1.050) fabricado pela empresa inglesa Forbes & Lomax.

Para o sujeito comum que está reformando uma casa, é claro, um interruptor de luz Leviton, à venda por US$ 22 (R$ 105) na Home Depot, faz o trabalho muito bem. No entanto, as casas gigantes de cinco andares do Brooklyn Heights, nas quais as obrigatórias janelas sem cortinas se abrem para cenas que lembram dioramas etnológicos (Prova A: Vida do Tecnocrata no Século 21) não podem ser consideradas como completas sem interruptores Forbes & Lomax em cada cômodo.

"São como joias para a casa", disse David Hottenroth, sócio do escritório de arquitetura Hottenroth & Joseph, se referindo aos elegantes interruptores ao estilo da década de 1930, feitos de níquel, bronze e latão.

Ou serão uma versão domiciliar do boné de beisebol Loro Piana de Kendall Roy em "Succession" (você se lembra de "Succession"?): absurdamente caros, mas tão sutis que você só repara neles se souber o quanto são caros?

"Nada deve ser notado" é um ditado frequentemente atribuído à herdeira Bunny Mellon. Na verdade, o oposto disso é verdade, por mais improvável que pareça. Foi no hábito ostensivamente modesto de Mellon de encomendar aventais de jardim de alta costura da Givenchy e pendurar seu melhor Braque em uma sala de guardados que se tornou possível detectar o início do trabalho de base para o que viria a ser comercializado como "luxo discreto", de acordo com Mac Griswold, biógrafo de Mellon. "Esse tipo de atitude ‘eu, rico?’ tem origem nela", disse Griswold.

Para o "old money", como no caso de Mellon, a discrição era de fato um valor fundamental, enquanto que para as pessoas da classe "new old money" —ou seja, grandes fortunas feitas, geralmente, com tecnologia, durante um período que abarca do Myspace ao TikTok— a ostentação de riqueza é perceptível, mas apenas para aqueles que sabem o que procurar.

"É o efeito Loro Piana, e é uma cortina de fumaça", disse William Norwich, romancista e editor que, em uma encarnação profissional anterior, teve lugar na primeira fila da elite endinheirada de Nova York como colunista de fofocas para a página seis do jornal The New York Post na década de 1980. "É um código", acrescentou. "Você telegrafa status sem parecer que o está fazendo".

E, no que diz respeito às tendências, a "riqueza furtiva" estava bem adaptada a um momento em que as redes sociais nos transformaram, na prática, em voyeurs, com os narizes permanentemente grudados à janela digital, enquanto as pessoas grotescamente ricas exibem seus brinquedos, seus carros, suas modas de grife, os closets em suas mansões de três mil metros quadrados em Calabasas dedicados às bolsas Hermès Birkin.

"Coletivamente, estamos dedicando mais tempo a verificar o que os ricos e famosos estão fazendo e menos tempo ao que Barry, do RH, e Sandra, da contabilidade, fizeram no último fim de semana", disse Nicholas Bloom, professor de economia da cátedra William D. Eberle, na Universidade Stanford.

Estamos dissecando as narrativas ao modo de Thorstein Veblen que nos são apresentadas por desconhecidos reluzentes, como a supermodelo e filantropa Karlie Kloss, que é casada com Josh Kushner —um investidor cuja participação em startups como Instagram, Spotify e Slack lhe rendeu uma fortuna pessoal estimada em US$ 3,6 bilhões.

Em posts criados para o deleite de seus 12 milhões de seguidores no Instagram, Kloss invoca uma narrativa na qual ela e sua família habitam um empíreo digital, um lugar a um universo de distância das preocupações cotidianas das pessoas comuns. No mundo de Kushner-Kloss, a luz é sempre suave, as viagens aéreas são discretamente privadas e o humano e o divino aparentemente convergirão em algum lugar nas Granadines, no convés do enorme iate Lürssen do bilionário David Geffen, o Rising Sun.

"Pornografia de riqueza" é como Stellene Volandes, editora-chefe da revista Town & Country, define esses posts. E, como no caso de qualquer permutação de entretenimento adulto, ela é gratuita online: Qualquer pessoa pode assistir.

As coisas nem sempre foram assim. Nos remotos anos Reagan, na década de 1980, também uma era de criação desenfreada de riqueza, a exibição de opulência e status pode ter sido grotesca ocasionalmente (pense em festas de aniversário para 500 pessoas no Templo de Dendur do Metropolitan Museum of Art), mas ainda assim era muito menos visível para o público em geral.

Os magnatas dos fundos de hedge, os predatórios reis das aquisições alavancadas e os magnatas do setor imobiliário competiam descaradamente para dar mais festas, exibir guarda-roupas melhores e gastar mais dinheiro do que os outros, montando luxuosos entretenimentos para convidados que "bebiam champanhe, comiam caviar e usavam Lacroix", como observou certa vez o The New York Times. No entanto, seus excessos eram percebidos por relativamente pouca gente.

"Na década de 1980, era possível dar uma festa particular em um local público como o Met, comprar pufes Lacroix, pedir a Robert Isabell que reproduzisse a decoração de Versalhes em sua casa por uma noite, trazendo todas as flores de avião da Holanda", disse Norwich. "E o único risco para sua privacidade talvez fosse alguns poucos meios de comunicação que espreitavam do lado de fora com uma caneta e um bloco de anotações".

Esse tipo de ostentação não é só mal visto na era do "new old money". Acarreta o risco de atrair os perigos comuns aos países em que as pessoas muito ricas são obrigadas a levar uma vida isolada, sob forte proteção. "Você não quer se tornar um alvo", acrescentou Norwich. Por isso, nos últimos anos, os filhos de plutocratas —a filha adolescente do bilionário Mort Zuckerman, Renee Esther, por exemplo— são levados para escolas particulares de elite em utilitários de luxo com janelas escuras e acompanhados por seguranças. "Os excessos da década de 1980 não poderiam ter acontecido se todos tivessem um iPhone", disse Norwich.

A privacidade, a discrição e, em grande parte, o anonimato são a base da riqueza furtiva. O tropo do luxo discreto foi desenvolvido para ocultar a verdade invariável de que o marco essencial de status é "quanto espaço você ocupa", como disse Norwich.

Ele se referia ao espaço econômico. E, nesse aspecto, os americanos dominam o mundo, pois as pessoas muito ricas do país representam mais de um terço da população mundial de indivíduos com patrimônio líquido extremamente alto (UHNWI, na sigla em inglês), de acordo com um relatório de patrimônio publicado pela Knight Frank, uma consultoria imobiliária independente com sede em Londres. É esse grupo, muito mais do que o "1%" (um clube cujo ponto de entrada é um patrimônio líquido de apenas US$ 30 milhões), que cada vez mais passa a definir uma nova ordem mundial nos escalões superiores de renda.

Não é de surpreender que esse grupo de UHNWIs também ocupe espaço em um sentido literal, já que, entre eles, os 13 maiores proprietários de terras do país —pense em John Malone, proprietário da Liberty Media e do Atlanta Braves; Ted Turner; ou Peter Buck, cofundador do Subway— controlam mais de 6,8 milhões de hectares de terra nos 48 estados contíguos, uma área equivalente ao tamanho da Virgínia Ocidental.

De certa forma, o status é calibrado em todos os momentos e em todas as sociedades, "de acordo com o grupo ao qual você se associa, sua posição e classificação em relação aos outros", disse Ronit Lami, psicóloga de patrimônio e terapeuta que se especializa em UHNWIs.

Hoje, ostentar riqueza não só é desaprovado, nos níveis mais elevados de patrimônio, como isso deflagra jogos competitivos nos quais não há garantia de que um participante possa vencer, acrescentou Lami. "Digamos que você tenha um avião particular: E daí?", ela disse. "Para um multibilionário, um avião particular provavelmente não será considerado um símbolo de status. Ele pode ter cinco ou seis".

Da mesma maneira, uma casa de US$ 20 milhões no West Village ou uma cobertura na Quinta Avenida podem não ser o troféu que a pessoa imaginou que seriam, já que para muita gente, em determinados estratos de renda, portfólios residenciais extensos são rotineiros. "Para que o imóvel seja um troféu, precisa custar US$ 50 milhões ou mais", disse categoricamente Kurt Rappaport, agente imobiliário de Los Angeles especializado em propriedades de elite.

Considere uma mansão em estilo colonial espanhol em Malibu que Rappaport vendeu no ano passado. Seu comprador era um produtor indicado ao Oscar e herdeiro de uma fortuna no ramo da cerveja. O preço foi de US$ 91 milhões e, muito provavelmente, disse Rappaport, o plano não era que a propriedade, no alto de uma encosta, se tornasse a residência principal de seu novo proprietário. "Essas propriedades são extensões da presença e da personalidade dos proprietários, mas de uma forma elevada", disse ele. "É um nível muito diferente do que postar suas joias no Instagram. Isso não é status. É exibir bijuteria".

Para o "new old money", a discrição é a maior exibição de status, disse Volandes, da Town & Country. "A jogada poderosa é não postar, não compartilhar", disse ela. "É saber aonde ir primeiro, o que comprar primeiro, afastar-se da multidão, não segui-la de forma alguma e não se exibir".

Sim, acrescentou ela, sempre haverá aqueles que se sobrecarreguem de símbolos de status —diamantes, bolsas de grife—, como mulas de carga em arreios reluzentes. Com certeza, bilionários sem noção usarão chapéus Stetson em suas viagens espaciais. Mas comportamento tosco não é prova de sucesso. E o gosto, tal como constituído atualmente, exige os tons abafados de um luxo silencioso que, como acrescentou Volandes, não é de fato tão silencioso assim. "Você só precisa ajustar sua audição".

Tradução de Paulo Migliacci

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