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Natalie Unterstell

Na corrida para regular 'net zero', alguns quadros ainda parecem uma pintura surrealista

Precisamos que novos planos e políticas brasileiras se alinhem de verdade ao Acordo de Paris

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Os compromissos de neutralidade de carbono, ou "net zero", estão saindo da fase de definição e padronização para entrar na etapa de implementação e regulamentação. O desafio é mostrar total honestidade.

É preciso que a quantidade e também a qualidade de compromissos net zero continuem a aumentar, especialmente para as empresas. Para isso, precisamos de novas formas de governança, incluindo passar do atual quadro predominantemente voluntário para regulamentações sobre ação climática.

Dos 149 países que estabeleceram metas net zero, 29, incluindo a União Europeia, já as traduziram em lei. Governos que representam 90% do PIB global comprometeram-se a eliminar suas emissões até a metade deste século.

Em relação aos atores privados, quase metade (45%) da lista Forbes 2000 tem algum tipo de compromisso net zero, o que significa que mais da metade das maiores empresas do mundo ainda estão andando "por fora" do jogo. No âmbito dos mercados, ainda precisamos nivelar o campo de jogo e recompensar os líderes.

Para superar essa lacuna de credibilidade, é crucial demonstrar "total honestidade", que implica comprometer-se com uma transição alinhada com o Acordo de Paris e fornecer clareza sobre os desafios remanescentes. Isso se traduz em profundas reduções nas emissões e na exploração de combustíveis fósseis, conforme enfatizado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, enquanto expandimos as opções de energia renovável barata e segura. A proteção e a restauração dos ecossistemas também são essenciais em todas as estratégias climáticas para proteger os estoques de carbono, uma ação crítica também para a adaptação.

Para alguns atores, o relatório AR6 do IPCC deixou isso claro. No entanto, agir de forma consistente com os cenários de 1,5°C e 2°C máximos de aquecimento global demanda um esforço considerável.

Para outros, o quadro das metas net zero parece uma pintura surrealista, com muitos elementos desconexos na paisagem e a inserção de soluções futuristas ainda incertas, como algumas tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS).

Para setores de difícil descarbonização, as opções de remoção de carbono podem ser aplicadas para compensar as emissões residuais na última etapa dos caminhos para limitar o aquecimento a 1,5°C. Contudo, alguns representantes do setor parecem ter inclinação para "muito net e pouco zero", ou seja, compensação total com pouca descarbonização efetiva.

E quanto ao Brasil? Algo positivo é que a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) tenha acabado de lançar a primeira Prática Recomendada para a demonstração da neutralidade de carbono, a ABNT PR 2060. Essa ferramenta pode apoiar um "ciclo de ambição" no plano doméstico, em que atores públicos e privados organizam e implementam planos de transição para zero emissões líquidas. Vale lembrar que há empresas e também governos estaduais e municipais que já se comprometeram com metas do tipo.

Mas acelerar nossa transição ainda requer sinais políticos claros da União para os entes federados e os agentes econômicos. Com seis meses de novo governo no poder e a COP 28 se aproximando, o Brasil ainda não confirmou a correção de suas metas climáticas (a NDC) em vigor. Estas permitem emissões adicionais equivalentes a um Mato Grosso e um Rio de Janeiro em 2025, e a uma Colômbia em 2030, em relação ao compromisso de 2016, de acordo com os cálculos do Instituto Talanoa. A correção da NDC brasileira é necessária e pode contribuir para minimizar o gap global entre o cenário indicado pela ciência e a realidade de aumento das emissões até 2030.

Além disso, acompanhamos com atenção os anúncios de que novos planos e promessas climáticas estão sendo gestados por ministérios como Fazenda, Desenvolvimento Indústria e Comércio, Minas e Energia, Meio Ambiente, Agricultura, entre outros.

É preciso que a nova geração de planos climáticos esteja alinhada ao Acordo de Paris. Para avançar, o governo terá acesso fácil a modelagens realizadas por instituições renomadas e exercícios que testaram cenários de descarbonização com centenas de atores da sociedade.

Se os planos e programas de transição energética, transformação ecológica, agricultura de baixo carbono e redução do desmatamento, entre outros, forem construídos como peças isoladas e setoriais apenas, corremos o risco de adotar políticas subótimas. É essencial que cada um e todos esses planos sejam desenhados de forma integrada e para resultar em uma trajetória nacional de net zero.

O sucesso deste governo na agenda climática dependerá de sua ambição e capacidade de apresentar um roteiro que detalhe e mobilize os agentes econômicos. Assim, o Brasil poderá posicionar nossa economia na vanguarda da descarbonização, rumo ao real zero.

Natalie Unterstell

Socioambientalista, é presidente do Instituto Talanoa

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