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Fundos climáticos precisam de fiscalização contra maquiagem ambiental, dizem investidores

Instrumentos de financiamento geram preocupações sobre validade de investimentos verdes

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Patrick Temple-West
Nova York | Financial Times

Com governos do mundo todo investindo bilhões de dólares na transição para um futuro de baixo carbono, os bancos são peças-chave para financiar projetos de energia eólica, solar e outras energias limpas. No entanto, as ferramentas de financiamento têm desvantagens que podem prejudicar os objetivos de sustentabilidade.

Isso não impede investidores de injetar dinheiro no financiamento de energia renovável. Nos primeiros seis meses de 2023, US$ 18 bilhões (R$ 87 bilhões) foram direcionados para fundos de títulos ambientais e sociais em todo o mundo —quase alcançando os US$ 22 bilhões (R$ 107 bilhões) arrecadados em todo o ano de 2022, de acordo com o Bank of America.

Ilustração sobre responsabilidades sociais e ambientais das empresas. Personagens regam plantas e interagem, com símbolos ligados à atividade econômica ao fundo.
Ilustração sobre responsabilidades sociais e ambientais das empresas - Adobe Stock

Quase metade dos investimentos em títulos sustentáveis foram direcionados para fundos europeus, afirmou o BofA. Nos Estados Unidos, o fluxo de títulos sustentáveis atingiu US$ 1,7 bilhão (R$ 8,2 bilhões) no acumulado do ano até junho de 2023, em comparação com US$ 819 milhões (R$ 3,9 bilhões) até maio.

"A oferta de títulos verdes teve um impulso impressionante este ano", observou o Morgan Stanley em um relatório de julho, após os dois primeiros trimestres de 2023 estabelecerem recordes de emissão: US$ 176 bilhões (R$ 854 bilhões) e US$ 185 bilhões (R$ 898 bilhões), respectivamente.

Países ou empresas emitem títulos verdes para pagar por projetos específicos de desenvolvimento de baixo carbono. Eles seguem padrões voluntários desenvolvidos pela International Capital Markets Association ou pela Climate Bonds Initiative. No entanto, há muita margem de manobra na definição de "título verde", o que pode levantar preocupações com o greenwashing (maquiagem ambiental).

Por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos, a Masdar —a empresa estatal de energias renováveis do país— emitiu um títule verde de US$ 750 milhões (R$ 3,6 bilhões) em julho. Mas o Morgan Stanley disse que esse acordo foi "um tanto controverso" porque os Emirados Árabes Unidos, como país, são grandes produtores de petróleo.

Enquanto os títulos verdes continuam sendo a ferramenta de dívida segura dos bancos para finanças sustentáveis, outros produtos estão ganhando popularidade. Os sustainability-linked bonds (SLBs) vinculam os pagamentos de juros da dívida de uma empresa às suas promessas climáticas, punindo-as com taxas de juros mais altas se não cumprirem as metas ambientais.

As empresas gostam desses títulos porque eles não impõem obrigações ao negócio de atingir metas como redução de emissões ou uso de água ou reformulação de suas cadeias de suprimentos.

No entanto, analistas sugerem que os aumentos nas taxas embutidas nos termos dos títulos têm sido muito pequenos para incentivar as empresas a melhorarem seu desempenho. Da mesma forma, alguns fundos de pensão e investidores ambientais silenciosamente afirmaram que não acreditam que os SLBs financiem projetos rigorosos de combate às mudanças climáticas.

A empresa italiana de energia Enel, que atua no Brasil, foi a primeira a emitir um título vinculado à sustentabilidade. Desde 2019, ela emitiu um total de US$ 29 bilhões (R$ 141 bilhões) em diferentes negociações. O Chile se tornou o segundo maior emissor de títulos vinculados à sustentabilidade, com um total de US$ 8 bilhões (R$ 39 bilhões).

Em julho, o Chile emitiu o primeiro título vinculado à sustentabilidade em moeda chilena. O aeroporto de Heathrow também emitiu um título vinculado à sustentabilidade no valor de 650 milhões de libras (R$ 3,9 bilhões). Os objetivos citados nesse papel incluem a meta de reduzir as emissões.

Os bancos têm a responsabilidade de mostrar aos seus clientes corporativos que há financiamento barato e abundante disponível para projetos comerciais relacionados ao clima, afirma Mona Dajani, sócia do escritório de advocacia Shearman & Sterling e chefe global de energias renováveis.

"Mas isso vem com o enorme ônus de supervisão", acrescenta ela. "Os bancos precisam trabalhar com seus pares do setor não apenas para estabelecer padrões próprios, mas também para estabelecer o que equivale a um pacto para a aplicação coletiva."

Os próprios bancos têm metas de emissão líquida zero e estão usando títulos verdes para financiar seus projetos de redução de carbono. Em julho, dois dos três maiores títulos verdes foram emitidos por bancos.

O banco japonês Mizuho emitiu o maior, no valor de US$ 1,4 bilhão (R$ 6,8 bilhões), e o DNB da Noruega emitiu outro no valor de US$ 1,1 bilhão (R$ 5,3 bilhões). Dos US$ 23 bilhões (R$ 112 bilhões) em títulos verdes emitidos por empresas em julho, US$ 6,5 bilhões (R$ 32 bilhões)) vieram do setor bancário, de acordo com o Morgan Stanley.

"No último ano, especialmente, estamos vendo um aumento no ímpeto da emissão de títulos verdes pelos bancos", diz Dajani.

Mas ela também observa que "é difícil confirmar um número único para quantas emissões foram eliminadas ou quanto de energia renovável foi adicionada à rede por meio do financiamento de dívidas sustentáveis".

Isso se deve em grande parte a um problema de padrões inadequados, explica ela, destacando que o que constitui um título verde é mal definido e os dados são confusos sobre os resultados dos produtos financiados por títulos verdes.

"Os títulos verdes não valem nada se seus recursos forem destinados a um projeto que teria sido realizado de qualquer maneira, a um projeto que não produzirá resultados duradouros ou se os resultados de seus projetos financiados forem ambíguos em relação ao próprio projeto", diz Dajani.

Daniel Green, professor de finanças na Harvard Business School, concorda que o maior desafio dos títulos verdes é que "eles são usados principalmente para financiar investimentos que teriam sido feitos mesmo sem acesso a títulos verdes". Cerca de um terço da emissão global de títulos verdes é usada para financiar projetos de energia, ele destaca, enquanto a maioria dos recursos financia projetos de transporte e construção.

"Embora esses projetos sejam de alguma forma mais sustentáveis, quase sempre aumentam em vez de reduzir as emissões", diz Green, citando como exemplo um recente acordo de títulos verdes para financiar a expansão do aeroporto internacional de Hong Kong, que adicionaria uma pista para aliviar o congestionamento do tráfego aéreo.

Agora, os investimentos verdes enfrentam um ciclo de taxas de juros mais altas em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Em geral, taxas mais altas prejudicam novos investimentos —desde casas até projetos de infraestrutura. Mas os projetos verdes podem ter alguma imunidade, acredita Green.

"Alguns projetos verdes podem estar protegidos porque subsídios e regulamentações os tornam atrativos independentemente dos custos de financiamento", diz ele. "Por outro lado, gastos verdes mais discricionários podem sofrer grandes cortes em um ambiente de taxas altas. Esse padrão se manifestou, por exemplo, na recente desaceleração das vendas de veículos elétricos."

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