Mudança climática preocupa produtores de lúpulo e cerveja pode até mudar de gosto

Temperaturas maiores ameaçam tradições de agricultores alemães, que lutam para preservar o sabor da bebida

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Catie Edmondson
Spalt (Alemanha) | The New York Times

Gerações de agricultores nas colinas ensolaradas e verdejantes de Spalt, na Alemanha, cuidam orgulhosamente de suas plantas de lúpulo, usadas na fabricação de cerveja, desde a Idade Média.

Quando questionados sobre o que torna a variedade de lúpulo natural de Spalt tão especial, os entusiastas falam sobre seu aroma delicado e picante, sua leveza, e a harmonia e o toque de amargor que a planta proporciona.

O lúpulo tem posição tão central na cultura da cidade que placas anunciando "Spalter Bier" podem ser encontradas em quase todas as ruas, muitas delas penduradas nas edificações de madeira e telhados vermelhos que foram construídas há centenas de anos para armazenar e secar a planta.

Mas a safra e essas tradições antigas estão sob uma ameaça que jamais haviam enfrentado. E a culpa é da mudança climática.

Spalt, uma cidade de cerca de 5.000 habitantes conhecida pelo lúpulo Spalter, que os entusiastas dizem ter um aroma delicado e picante, no sul da Alemanha
Spalt, uma cidade de cerca de 5.000 habitantes conhecida pelo lúpulo Spalter, que os entusiastas dizem ter um aroma delicado e picante, no sul da Alemanha - Ingmar Nolting - 28.ago.2023/The New York Times

A promessa de um clima mais quente e seco foi um golpe brutal para o setor de lúpulo em toda a Europa. Mas vem sendo especialmente cruel para Spalt, já que lúpulo sustenta essa ordeira cidade de 5.000 habitantes, no sul da Alemanha, há séculos.

Depois de uma temporada de cultivo marcada por temperaturas escaldantes, secas prolongadas e tempestades violentas, a safra de lúpulo da Alemanha no ano passado sofreu uma queda mais acentuada do que em qualquer outro momento desde a Segunda Guerra Mundial.

As variedades nativas, como a Spalter, que se desenvolveram naturalmente há séculos em climas mais frios e úmidos, foram as que mais sofreram. A colheita deste ano acaba de começar, mas a Associação de Produtores de Lúpulo da Alemanha já projetou que ela ficará abaixo da média.

Os produtores costumavam ter um ano seco e uma colheita ruim a cada década. "No entanto, agora pela primeira vez estamos registrando um segundo ano seco consecutivo", escreveu a associação, em agosto. "Para o futuro, devemos esperar por novos anos secos."

Essas realidades despertaram uma série de questões existenciais em Spalt —sobre a longevidade de sua cultura, se os agricultores mudarão para variedades de lúpulo mais novas e mais ajustadas ao clima e, caso o façam, se os fabricantes de cerveja desejarão comprá-las.

"É importante para nós que todo o sistema funcione, que funcione no futuro como funcionou no passado", disse Andreas Auernhammer, um produtor de lúpulo. "É por isso que ele existe há tanto tempo. Esperamos que daqui a 700 anos ainda exista. Não para nós, mas para os filhos de nossos filhos."

Auernhammer e outros agricultores daqui cultivam muitos tipos de lúpulo, inclusive variedades mais novas. No entanto, as variedades nativas e tradicionais de lúpulo, como a Spalter, ocupam um nicho especial no mercado.

Elas são vendidas não apenas para cervejarias alemãs que produzem pilsners e kölsches tradicionais, mas também para empresas internacionais, incluindo a gigante americana Samuel Adams.

Mas o aumento das temperaturas e a seca tornaram o cultivo do lúpulo Spalter mais difícil e mais caro, fazendo com que os agricultores dependam mais da irrigação das plantas —uma tarefa nada fácil em uma região montanhosa na qual a água é sempre escassa.

O fazendeiro Andreas Auernhammer, cercado por lúpulos Spalter colhidos por sua máquina de colheita em Spalt
O fazendeiro Andreas Auernhammer, cercado por lúpulos Spalter colhidos por sua máquina de colheita em Spalt - Ingmar Nolting - 28.ago.2023/The New York Times

Auernhammer estendeu uma série de tubos de irrigação pretos por sobre suas plantações. No ano passado, apesar de estar protegido por seu sistema de irrigação —considerado um dos melhores da cidade—, ele viu uma redução de 20% na colheita em algumas partes de suas terras.

A diferença entre seus campos e os desprovidos de sistemas de irrigação é enorme. Fileira após fileira de exuberantes guirlandas de plantas de lúpulo são visíveis nos campos de Auernhammer.

Do outro lado da cidade, em um campo que não foi irrigado, as plantas são mais finas e têm menos videiras, com quase nenhuma folha na parte inferior dos caules. Nessas plantas, haverá menos lúpulo a colher.

Em um esforço para tornar os sistemas de irrigação mais acessíveis para os agricultores, o governo da Baviera prometeu um total de 40 milhões de euros para ampliar a infraestrutura na região.

Mas a questão de levar água para os campos é mais difícil do que simplesmente estender mais canos a fim de transportar água do lençol freático, que está cada vez mais escassa.

Os produtores de lúpulo, políticos e gestores de sistemas de água também estão pressionando para obter acesso a um enorme reservatório próximo chamado Brombachsee, onde o excesso de água da chuva é armazenado.

Esses esforços são particularmente importantes para a manutenção do lúpulo Spalter. As variedades mais novas de lúpulo colhidas no ano passado mostraram maior resistência ao calor, voltando a crescer depois que semanas de seca foram interrompidas por chuvas tardias.

"Nenhum de nós teria sugerido ou pensado que o lúpulo poderia se recuperar tão bem", disse Sebastian Gresset, que lidera a pesquisa de cultivo de lúpulo do Centro de Pesquisa Agrícola do Estado da Baviera. "Mas as variedades mais antigas não se recuperaram."

Nos últimos sete anos, Gresset e sua equipe vêm criando novas variedades de lúpulo projetadas para serem mais resistentes à seca e às altas temperaturas.

Alguns agricultores as adotaram rapidamente, porque elas exigem menos trabalho e dinheiro para serem cultivadas.

"Como responsável pelos contratos com todos os agricultores da região, posso dizer que quase todos os agricultores daqui gostariam de experimentar essas novas variedades", disse Frank Braun, presidente da HVG Spalt, uma empresa de cultivo de lúpulo. "Mas o produtor, o agricultor, também está sempre de olho na necessidade de vender aquilo que cultiva."

Frank Braun, presidente de empresa de cultivo de lúpulo Spalter, em um campo de lúpulo em Mosbach
Frank Braun, presidente de empresa de cultivo de lúpulo Spalter, em um campo em Mosbach - Ingmar Nolting - 12.set.2023/The New York Times

O problema, de acordo com Peter Hintermeier, diretor administrativo da BarthHaas, a maior comerciante de lúpulo do mundo, com sede em Nuremberg, é que os fabricantes de cerveja e os consumidores têm relutado em aceitar as novas variedades.

"Eles querem ter aquele sabor especial em sua cerveja favorita", disse Hintermeier sobre os consumidores de cerveja. "E, portanto, nossos clientes, as fábricas de cerveja, também estão muito preocupados. Porque elas querem satisfazer a demanda dos consumidores por um certo sabor. Assim, têm muito medo de mudar o sabor da cerveja."

Mas o trabalho para produzir um sabor semelhante também depende dos fabricantes de cerveja, não só dos agricultores, disse Gresset, reconhecendo que a introdução de uma nova variedade de lúpulo pode forçar os fabricantes a adaptar suas receitas.

"O clima está mudando, mas os consumidores continuam a pedir variedades que têm centenas de anos", disse ele.

Há quem já esteja experimentando com novas variedades.

Em uma recente manhã de calor intenso, aqui, um agricultor estava carregando um engradado de pilsners fabricadas com uma variedade mais nova, e distribuía amostras para seus colegas experimentarem. Eles concordaram em que o sabor era bom, mas o fabricante de cerveja ainda não estava satisfeito com o grau de amargor.

É por isso que, segundo os puristas, não há substituto para o lúpulo Spalter, apesar das mudanças no clima.

"Não há nenhuma variedade recém-criada que possa competir no campo do aroma puro e fino do lúpulo —simplesmente aquele sabor marcante de lúpulo— que é proporcionado por nossas variedades tradicionais", disse Braun.

"Essa é a razão para que essas variedades de terras antigas, mesmo que o clima seja ruim e o preço seja mais alto, devam permanecer —elas não desaparecerão. Se você quiser fazer cervejas finas, precisa delas e pronto."

Tradução de Paulo Migliacci

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