Orçamento da União perde R$ 1,2 bi da Copel se Congresso mudar cobrança na transmissão

Em carta ao Ministério de Minas e Energia, Copel avisa que pagamento de outorga, fixado em R$ 3,7 bi, pode ser menor

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Brasília

Mudanças na forma de cobrar a tarifa de transmissão, em análise no Congresso, podem alterar o valor do bônus de outorga que a Copel deve pagar à União pela prorrogação dos contratos de concessão de três de suas principais hidrelétricas.

O valor já foi fixado em R$ 3,7 bilhões e até aprovado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), mas pode cair quase à metade.

O termo que prorroga as concessões e libera os recursos precisa ser assinado até dezembro deste ano, e o valor está sendo considerado no Orçamento de 2024 pelo Ministério da Fazenda, dentro do esforço para garantir receitas capazes de cumprir a meta de zerar o resultado primário.

Vista da Hidrelétrica Governador José Richa (Salto Caxias), da Copel; usina é uma das três que garante bônus de outorga para a União - 08.02.23 - Divulgaçao Copel

Por meio de correspondência oficial ao MME (Ministério de Minas e Energia), obtida pela Folha, a Copel avisa que as regras em vigor fazem parte das premissas para o cálculo da outorga das hidrelétricas Governador Bento Munhoz da Rocha Netto (também denominada Foz do Areia), Governador Ney Aminthas de Barros Braga e Governador José Richa (anteriormente denominadas, respectivamente, Segredo e Salto Caxias) —e avisa que as mudanças propostas pelo Legislativo vão elevar os custos da companhia, reduzindo o bônus de outorga.

O Congresso discute a mudança por meio do PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 365/2022. O texto, proposto pelo deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), já foi aprovado na Câmara.

Agora, o PDL está sob a relatoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), e previsto para ser avaliado na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado nesta terça-feira (26).

O PDL vai sustar duas resoluções normativas da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) que tratam do cálculo da Tust (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão) paga por todos os usuários, geradores, distribuidoras e consumidores livres conectados diretamente à rede de transmissão.

"Nesse contexto, a Copel vem informar a esse ministério que a revogação das resoluções supracitadas impõe custo extra para a companhia, com encargos de uso do sistema de transmissão do que foi computado para o cálculo dos bônus de outorga. Assim, caso o PDL 365/2022 seja aprovado, os valores a serem recolhidos deverão ser revistos em menos R$ 1,2 bilhão, conforme estimativas realizadas por esta companhia", destaca a carta.

Procurada, a Copel disse que não se manifesta sobre a questão.

A proposta do Congresso de derrubar as resoluções da Aneel sofre forte oposição de entidades de consumidores desde que foi apresentada, e por diferentes razões. Primeiro porque vai elevar a tarifa de energia dos consumidores que usam mais energia renovável, notadamente nos estados mais pobres.

O aumento na conta de luz, segundo dados da própria Aneel, pode chegar a 2,4% no Nordeste e a quase 1% no Norte. Em menor escala, afetaria também consumidores de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal.

"Acreditamos que os parlamentares não estão devidamente informados sobre os efeitos desse PDL, e temos municiados os parlamentares com mais dados", afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.

"As medidas propostas pelo PDL não vão fazer diferença para os geradores eólicos e solares, como se imagina, mas vão representar aumento na conta de luz dos consumidores dos estados mais pobres no Norte e Nordeste."

A frente afirma ainda que o Nordeste vai continuar elevando a sua participação na expansão das renováveis com ou sem PDL, pois a região é naturalmente propícia a projetos eólicos e fotovoltaicos.

Neste ano, já sob a vigência das resoluções da Aneel, dados consolidados até esta segunda-feira (25) apontam que a região responde por 59% da expansão da matriz elétrica, sendo 3.296,8 MW (megawatts) de usinas eólicas e 1.230,6 MW de centrais solares fotovoltaicas.

O PDL também preocupa o setor de energia porque é visto como uma interferência indevida do Legislativo sobre uma agência reguladora.

"A proposta de intervenção em um tema exclusivamente técnico e regulatório, e que foi amplamente debatido com todo setor elétrico e seus usuários, produzirá efeitos negativos no mercado de energia, como instabilidade e insegurança jurídica", destacou a Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) em nota aos senadores.

O cerne da divergência sobre a tarifa de transmissão é o chamado "sinal locacional", o mecanismo que, pelo preço, indica qual é o local mais racional para instalação de novos empreendimentos de energia, de forma a aproximar a geração do consumo.

A Aneel concluiu que, por causa do aumento no número de projetos hidrelétricos, eólicos e solares no Norte e Nordeste, os consumidores dessas regiões agora devem pagar menos, pois estão próximos dos geradores. Em contrapartida, esses novos geradores demandam a construção de mais linhas de transmissão, então, a leitura é que devem pagar mais.

O PDL inverte a lógica. Onera os geradores do Sul e Sudeste (daí o impacto reportado pela Copel), e os consumidores dos locais onde há mais renováveis.

A prerrogativa da Aneel para tratar do sinal locacional consta da lei que criou a agência em 1996.

Antes de publicar as resoluções que tratam do tema, em 2022, a agência promoveu duas longas consultas públicas, que tiveram início em 2018. A Aneel contabilizou que foram 418 dias para que todos os interessados apresentassem as suas contribuições.

As empresas de energia renováveis foram voto vencido nesse longo debate e, após a publicação das resoluções, recorreram ao Congresso na tentativa de impedir a sua efetiva aplicação.

Procurada pela reportagem, a Aneel afirmou em nota que a correta sinalização de preços no sistema elétrico evita subsídios cruzados, dá mais eficiência ao funcionamento do setor elétrico, beneficiando todos os usuários no longo prazo, sejam consumidores, sejam geradores, e que a mudança é feita de forma gradativa, ao longo de cinco anos.

Procurados pela reportagem para explicarem qual será o posicionamento do governo, Fazenda e MME não responderam até a publicação deste texto.

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