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Ex-CEO da Abercrombie & Fitch é acusado de explorar homens sexualmente

Mike Jeffries será investigado por organizar encontros sexuais em diversos países com jovens traficados

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Rianna Croxford
BBC News Brasil

Aviso: esta reportagem contém descrições de atos sexuais

O ex-diretor-executivo (CEO, na sigla em inglês) da varejista de roupas Abercrombie & Fitch, Mike Jeffries, e seu parceiro Matthew Smith enfrentam acusações de exploração por parte de homens recrutados para eventos sexuais organizados por eles em todo o mundo.

Mike Jeffries, ex-CEO da Abercrombie & Fitch, enfrenta acusações de que teria explorado homens sexualmente - AP/Getty

Uma investigação da BBC descobriu que uma rede altamente organizada usou um intermediário para encontrar jovens para eventos com Jeffries e Smith.

Oito homens disseram à BBC que participaram destes eventos, alguns dos quais alegaram terem sido explorados ou abusados.

O intermediário do casal negou qualquer irregularidade e disse que os homens participavam desses eventos "com os olhos bem abertos".

A Abercrombie & Fitch (A&F) –que também possui a marca Hollister– disse estar "horrorizada e enojada" com o suposto comportamento.

Dois ex-procuradores dos EUA que analisaram de forma independente documentos e testemunhos descobertos pela BBC pediram uma investigação para determinar se acusações de tráfico sexual poderão ser apresentadas.

Segundo a lei americana, o tráfico sexual inclui fazer com que um adulto viaje para outro Estado ou país para ter relações sexuais por dinheiro, recorrendo à força, fraude ou coerção.

Modelos sem camisa

Mike Jeffries transformou a A&F de uma empresa de roupas familiar falida em um rede varejista multibilionária para adolescentes, vendendo sensualidade, com modelos masculinos sarados –todos americanos– sem camisa e outdoors provocativos.

Outrora um dos CEOs mais bem pagos dos EUA, foi uma figura controversa que enfrentou acusações de discriminação contra funcionários, preocupações sobre suas despesas generosas e queixas quanto à influência não oficial do seu parceiro de vida, o britânico Matthew Smith, dentro da A&F.

Em 2014, Jeffries deixou o cargo após queda nas vendas e saiu com um pacote de aposentadoria avaliado em cerca de US$ 25 milhões (R$ 127 milhões), de acordo com documentos da empresa na época.

A BBC agora revela alegações de que o magnata da moda teria explorado sexualmente jovens adultos em eventos que organizou nas suas residências em Nova York e em hotéis luxuosos em todo o mundo, incluindo Londres, Paris, Veneza e Marraquexe.

Como parte de uma investigação de dois anos, a BBC conversou com 12 homens que descreveram ter participado ou organizado eventos envolvendo atos sexuais realizados para Jeffries, de 79 anos, e seu parceiro britânico, Smith, de 60, entre 2009 e 2015.

Os oito homens que participaram dos eventos disseram ter sido recrutados por um intermediário, que descreveram como tendo "o nariz faltando e coberto por um pedaço de pele de cobra". A BBC identificou essa pessoa como sendo James Jacobson.

A BBC realizou extensa verificação dos depoimentos dos homens, que apresentam um número impressionante de semelhanças.

Obtivemos documentos –incluindo e-mails, passagens aéreas e itinerários de viagem detalhados – que sustentam pontos-chave dos relatos dos homens. Também entrevistamos dezenas de outras fontes, incluindo antigos empregados domésticos.

Metade dos homens que contaram à BBC sobre seu recrutamento alegaram ter sido inicialmente enganados quanto à natureza dos eventos ou não terem sido informados de que haveria sexo envolvido.

Outros disseram que entendiam que os eventos seriam sexuais, mas não exatamente o que se esperava deles. Todos foram pagos.

Vários disseram à BBC que o intermediário ou outros recrutadores levantaram a possibilidade de oportunidades para trabalharem como modelos para a A&F.

Todos, exceto um, disseram que se sentiram prejudicados pela experiência.

Promessa de fama

David Bradberry, então com 23 anos, afirma que foi apresentado a Jacobson em 2010 por um agente que o descreveu como representante dos "proprietários" da A&F, mas diz que não houve menção a sexo. Na reunião, ele diz que Jacobson sugeriu que Bruce Weber –então fotógrafo oficial da A&F– tirasse sua foto.

Então, diz Bradberry: "Jim [James Jacobson] deixou claro para mim que, a menos que eu o deixasse fazer sexo oral em mim, eu não teria uma reunião com a Abercrombie & Fitch ou Mike Jeffries."

"Fiquei paralisado", diz ele. "Era como se ele estivesse vendendo [o acesso à] fama. E o preço era obedecer."

Bradberry diz que foi levado a acreditar que "é assim que todos começam". Ele lembra que Jacobson lhe deu US$ 500 (R$ 2,5 mil) e disse que era por seu tempo.

Olhando para o passado, ele diz que este incidente deveria ter sido "uma bandeira vermelha", mas que ele achava que Jacobson "era apenas um velho assustador que eu não teria que ver novamente".

Bradberry aceitou um convite para um evento diurno na antiga casa de Jeffries nos Hamptons, em Long Island, Nova York –recentemente vendida por US$ 29 milhões (R$ 147 milhões).

Ele diz que entendia que Mike Jeffries era um "homem poderoso" que poderia "fazer sua carreira".

Antes do evento, ele relata que Jacobson lhe disse para comprar roupas com alguns cartões-presente da A&F, o que ele afirma que fez com que a coisa parecesse "legítima" e "oficial".

Nos Hamptons, Bradberry diz que conversou com Jeffries e Smith sobre suas aspirações de ser um modelo da A&F. Mais tarde, diz ele, Jeffries colocou "poppers" sob seu nariz – uma droga inalável que pode causar forte tontura e desorientação – e mais tarde fez sexo com ele.

Homens que participaram desses eventos disseram à BBC que Mike Jeffries e Matthew Smith se envolviam em atividades sexuais com cerca de quatro homens ou os "orientavam" a fazer sexo uns com os outros.

Posteriormente, os homens disseram que a equipe do evento lhes entregava envelopes cheios de milhares de dólares em dinheiro.

Bradberry diz que a localização "isolada" e a presença da equipe pessoal de Jeffries, vestida com uniformes da A&F, supervisionando os eventos significava que ele "não se sentia seguro para dizer 'não' ou 'não me sinto confortável com isso'".

A investigação da BBC também revelou detalhes da forma como eram organizados os eventos sexuais para Jeffries, nos quais:

  • Os "recrutadores" encontravam homens para participar dos eventos e recebiam entre US$ 500 e US$ 1.000 (de R$ 2,5 mil a R$ 5 mil) de Jacobson por cada indicação
  • Jacobson, descrito pelos homens como o "intermediário" ou "agente de elenco", encontrava homens para os eventos sexuais. A BBC foi informada de que ele encaminhava fotos deles para Jeffries e Smith
  • A maioria dos homens alega que Jacobson fez uma proposta a eles ou "teste" sexual, solicitando ou oferecendo-se para fazer sexo oral antes de serem apresentados a Jeffries e Smith
  • Um "embelezador" pessoal foi contratado para raspar intimamente os pelos corporais de alguns homens que participavam de eventos, uma experiência que alguns descreveram como "desumanizante"
  • Todos os homens disseram que foram obrigados a assinar acordos de confidencialidade. Eles disseram que tinham pouco tempo para lê-lo e não tinham permissão para guardar cópias, mas entendiam que seriam processados se falassem
  • Um pequeno grupo de funcionários de Jeffries, que usavam uniformes da A&F, supervisionava os homens – mesmo durante os atos sexuais – e lhes entregava dinheiro
  • Alega-se que Jeffries teria financiado toda a operação, incluindo o dinheiro para as compensações pelas indicações, enquanto Smith teria organizado os pagamentos em dinheiro.

Funcionários domésticos que trabalhavam na antiga casa de Jeffries nos Hamptons disseram à BBC que os eventos aconteciam no local regularmente aos fins de semana.

Alguns disseram que foram instruídos a deixar o local todos os sábados à tarde durante vários anos, o que os levou a acreditar que algo estranho estava acontecendo. Um ex-funcionário diz que entendia que era porque seu chefe estava tendo sua "hora do recreio".

Barrett Pall, ex-modelo que se tornou coach de vida e ativista, diz que se sentiu pressionado a participar de um evento nos Hamptons em 2011.

À época, com 22 anos, ele diz que foi recrutado por um modelo mais velho, que recebeu uma compensação financeira pela indicação, para ser seu "substituto" para "algum tipo de experiência sexual" com o casal.

Ele diz que se sentiu obrigado a obedecer, pois o homem mais velho o apoiava financeiramente e ele se sentia endividado. Como os outros homens, ele diz que inicialmente participou de um "teste" com Jacobson.

Pall diz que o modelo mais velho lhe disse que "você não precisa fazer nada que não queira", mas sugeriu que "quanto mais longe você for, melhor", e aludiu a oportunidades de carreira.

Ao chegar ao evento, ele diz que se sentiu pressionado para "performar".

"Como eu iria embora? Eu não tinha carro", diz ele. "Eu tinha um acompanhante sentado e me observando."

Pall diz que um dos outros homens recrutados para o evento fez sexo oral nele enquanto Jeffries e Smith assistiam. Ele diz que o casal o encorajou a ir até a cama e beijar Jeffries.

Mais tarde, outros dois homens recrutados para o evento tiveram relações sexuais com o chefe da A&F e seu parceiro, acrescenta. A certa altura, Pall diz que Jeffries estava atrás dele, apalpando-o.

"Acho que essa experiência me quebrou", diz.

"Acho que isso roubou qualquer grama de inocência que me restava. Me bagunçou mentalmente. Mas com a linguagem que tenho hoje, posso sentar aqui e dizer que se aproveitaram de mim."

O maior evento descrito à BBC foi realizado em 2011 numa habitação privada de um hotel cinco estrelas, para o qual dezenas de homens foram levados de avião para Marraquexe, no Marrocos.

A BBC entende que Jeffries e Smith também convidaram amigos.

Alex –que pediu que seu nome fosse alterado para proteger sua identidade– diz que era um modelo em dificuldades para sustentar sua família quando foi recrutado como dançarino para o evento, onde esperava ter que se despir.

Jeffries "aproveitava-se de pessoas em um ponto muito vulnerável de suas vidas, especialmente quando estão nessas grandes cidades, vindos de pequenas cidades americanas", diz Alex.

O ex-CEO era o "chefão", diz ele. "Se não fosse por ele, nada disso teria existido."

Alex, um homem heterossexual na época com 20 anos, diz que foi "testado" por Jacobson, que elogiou sua dança, mas exigiu que ele "terminasse o trabalho" fazendo sexo oral nele.

"Eu tinha dívidas, queria sustentar minha família", diz Alex. "Fiz o trabalho e fiquei, tipo, enojado."

Pensando que "a parte mais difícil já estava resolvida", Alex voou para Marraquexe para o evento algumas semanas depois. Mas, momentos depois de dançar, diz ele, Jeffries tentou beijá-lo.

"Eu estava tentando participar sem ofendê-lo. Fiquei extremamente desconfortável", afirma Alex.

Eventualmente, ele relata que foi se esconder em um quarto dos fundos, onde adormeceu.

Alex diz que acordou com uma camisinha dentro de seu corpo e temeu que o champanhe que lhe deram antes tivesse sido "batizado" com drogas.

"Quando juntei as coisas, acredito que há uma grande possibilidade de eu ter sido drogado e estuprado. Provavelmente nunca saberei com certeza a resposta para o que aconteceu", diz ele.

Alguns dos homens, incluindo Alex e Bradberry, dizem que participaram de mais de um evento, tendo sido convencidos por Jacobson de que a próxima vez seria mais fácil ou esperando que eventualmente lhes fosse oferecido trabalho de modelo, então "tudo teria significado alguma coisa".

Estes acontecimentos "afetaram diretamente minha autoestima", diz Bradberry.

"Meus vinte anos foram cheios de angústia e luta, ansiedade, depressão." Mas ele diz que agora vive uma vida mais tranquila, "cheia de esperança".

'Táticas coercitivas'

Brad Edwards, um advogado civil que examinou as provas obtidas pela BBC, diz que os procuradores dos EUA deveriam investigar se o que estes "homens corajosos" descrevem poderia ser enquadrado como tráfico sexual.

"Pode haver evidências de coerção para alguns dos homens, enquanto outros podem não ter sentido as táticas coercitivas", diz Edwards

"Lembre-se, coerção é a crença razoável de que danos graves serão infligidos –e danos graves podem ser danos à reputação, danos financeiros, danos físicos."

Edwards também diz que Jeffries e Smith podem argumentar que os homens eram adultos que consentiram e que o fato de alguns terem praticado sexo em troca de dinheiro no passado era "um fator", embora ele tenha dito que ações passadas eram "realmente irrelevantes" para saber se um determinado ato sexual em troca de dinheiro foi devido à força, fraude ou coerção.

Ele diz que, no entanto haveria um ônus de prova "muito alto" para os promotores.

"Dadas as histórias destes homens corajosos que vieram a público, penso que é muito importante que os procuradores federais analisem este caso", diz ele.

Elizabeth Geddes, que foi procuradora federal durante mais de 15 anos e também analisou nossas conclusões, diz: "Certamente há um argumento de que estes jovens foram sujeitos a potencial coerção. Penso que há motivos para um procurador abrir uma investigação e avaliar atentamente esta conduta para determinar se um processo criminal é justificado."

Jacobson –o intermediário, agora com 70 anos– diz num comunicado, através de seu advogado, que se ofende com a sugestão de que teria havido "qualquer comportamento coercitivo, enganoso ou enérgico da minha parte" e "não tem conhecimento de qualquer conduta desse tipo por parte de terceiros".

Ele diz que não se lembra de ter feito promessas de oportunidades de trabalhos como modelo.

"Qualquer encontro que tive foi totalmente consensual, não coercitivo", diz ele. "Todos com quem tive contato e que participaram desses eventos foram com os olhos bem abertos."

A BBC fez repetidas tentativas por carta, e-mail e telefone, durante várias semanas, para contactar Jeffries e Smith, convidando-os a responder a uma lista detalhada de alegações para garantir que estavam plenamente conscientes das acusações contra eles. Eles não responderam.

A A&F, que afirmou considerar Jeffries seu fundador moderno, disse à BBC que está "horrorizada e enojada" com seu suposto comportamento.

A empresa afirma que a nova liderança transformou a empresa na "organização orientada por valores que somos hoje" e que tem "tolerância zero para abusos, assédio ou discriminação de qualquer tipo".

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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