'Boom' do comércio virtual esvazia corredores de compras em Nova York

Concorrência do varejo online e aluguéis impraticáveis levam a fechamento de centenas de lojas

Silas Martí
Nova York

O sol forte desta primavera americana reacendeu a vida nas calçadas, mas ninguém parece entrar nas lojas. Numa butique de sapatos vazia, a música pop fazendo tremer caixas de som, um vendedor pendurava cartazes anunciando uma liquidação.

“Muitos negócios aqui estão fechando”, dizia Joe Aziz, que viu seu pedaço da rua Bleecker, antes uma das mais badaladas vias do Greenwich Village nova-iorquino, virar um deserto de vendas. “São os aluguéis e a internet. Querem comprar só pelos sites, e lojas virtuais não pagam aluguel.”

Há pouco mais de uma década, era difícil imaginar esse desfecho triste para o lugar onde Carrie Bradshaw, a protagonista do seriado “Sex and the City”, fugia do regime e buscava paz de espírito nos doces da Magnolia’s, uma pequena confeitaria que logo ganhou as butiques Marc Jacobs e Ralph Lauren como vizinhas.

Placa de imobiliária no espaço onde funcionava loja da grife Ralph Lauren em Greenwich Village 
Placa de imobiliária no espaço onde funcionava loja da grife Ralph Lauren em Greenwich Village  - Chris Mottalini/The New York Times

​Num passado não muito remoto, os gigantes da indústria da moda não viam como escandaloso desembolsar o equivalente a quase R$ 100 mil por mês numa quitinete com vitrine por ali. Esse valor chegou a um pico insustentável de mais de R$ 600 mil mensais há dois anos.

E então veio um colapso retumbante. No lugar de fileiras de saltos agulha estonteantes, cartazes anunciam pontos comerciais que agora juntam pó.

“Isso faz parte da história de Nova York, não tem jeito”, diz Ruth Messinger, uma ex-vereadora que, mesmo na época do auge da Bleecker e de bairros como o Upper West Side, onde vive, tentava convencer a prefeitura a criar leis que protegessem pequenas butiques e negócios locais da invasão desses gigantes corporativos.

Mas, como qualquer burocrata ou acadêmico que tentou regular a fúria dos ciclos predatórios de investimento na maior metrópole do país mais rico do mundo, ela nunca passou de voto vencido.

“Quando os bairros passam por fases de gentrificação, os donos dos prédios aumentam os aluguéis sem dó, e todas as tentativas de controle viram questão de amor e ódio nessa cidade”, ela afirma. “Num lugar que só pode crescer na vertical, sempre vai haver gente disposta a pagar o que for por qualquer pedacinho de terra.”

Ou quase isso. Toda essa dinâmica descrita por Messinger, de fato, moldou por muito tempo a paisagem mercantil de Manhattan, mas o poderio do comércio online provocou uma revolução insuspeitada por urbanistas e corretores de imóveis, algo que já apelidaram sem muito exagero de “morte causada pela Amazon”.

Só no ano passado, mais lojas americanas fecharam as portas do que num intervalo de três anos no início deste século. Mesmo sucessos da era hipster, como a American Apparel, declararam falência, e redes como Macy’s, Guess, Abercrombie & Fitch e Nine West, entre outras, fecharam centenas de lojas em todo o país.

Mas, enquanto shoppings suburbanos somem do mapa ou se transformam em armazéns de distribuição das gigantes virtuais, poucos lugares deixam tão nítido o apagão comercial como as grande artérias de consumo de Nova York.

“Há um vazio tremendo agora”, diz Jeff Fishman, um corretor de imóveis especializado em aluguéis comerciais. “Quanto mais lojas ficam vazias, mais negócios somem.”

Enquanto a Bleecker tem trechos escuros, quase 200 lojas na Broadway, a avenida que cruza a fulgurante Times Square, têm portas lacradas.

Numa das esquinas da praça mais famosa da cidade, a crise aparece com plenitude —uma H&M, rede de fast fashion com bilhões de dólares em roupas encalhadas, fica de frente para a Toys R’ Us, a megaloja de brinquedos que faliu.

Os arredores da Bloomingdale’s, uma das mais tradicionais lojas de departamento da cidade, viraram um reduto sem graça de bancos e farmácias, inquilinos corporativos que nunca atrasam aluguéis.

“Está tudo meio dormente”, diz Lindsay Sidiqqi, gerente de uma loja de tênis esportivos nessa parte de Manhattan. “Algumas das lojas estão vazias há anos. Só vemos placas dizendo que algo virá em breve.”

E mesmo que esses novos negócios demorem a chegar, no entanto, há quem veja essa época incerta com otimismo.

O arquiteto e urbanista Vishaan Chakrabarti, que dá aulas na Universidade Columbia, diz que Nova York sente agora só os piores sintomas de um momento de metamorfoses.

“No passado, havia a preocupação de que a cidade estava parecendo um shopping, mas acredito que a pressão sobre o comércio agora vai fazer Nova York ser como era antes, uma cidade única”, afirma o arquiteto.

“Todos esses bairros são vibrantes demais e têm movimento demais para que nada de novo aconteça em todos eles. E, depois de uma correção no valor dos aluguéis, isso é só o começo de uma cidade que vai ser mais interessante.”

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