Filha e neta de sacoleiras, empresária impulsiona carreiras de mulheres periféricas

Vivi Duarte criou o Instituto Plano de Menina e Plano Feminino com cursos de autoconhecimento e habilidades técnicas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A empresária Viviane Duarte, 45, encontrou sua missão: ajudar mulheres da periferia a romper com os limites de ascensão econômica. Isso sem romantizar a pobreza. Vivi, como é chamada, conhece bem o empreendedorismo da sobrevivência, já que é filha e neta de sacoleiras do Brás, bairro que concentra o comércio popular de São Paulo.

"Sempre estive nesse lugar de ver mulheres realizando planos e botando comida na mesa", diz. Esse esforço que presenciou desde a infância a incentivou a criar o Instituto Plano de Menina, que impulsiona jovens periféricas no mercado de trabalho, e o Plano Feminino, que dá consultoria a empresas sobre diversidade, raça e gênero.

Viviane Duarte é CEO da Plano Feminino, que faz consultoria para outras empresas e marcas com foco em gênero, raça e diversidade. A empresa também dá mentoria para meninas e mulheres planejarem suas carreiras - Karime Duarte/Folhapress

"Nasci nesse lugar que não era de privilégio, mas era de muita força, principalmente de mulheres", diz. Ela cresceu em um cortiço da Freguesia do Ó, periferia da zona norte de São Paulo, e sempre quis ser jornalista. "Fui incentivada a estudar, correr atrás e prestar atenção nas minhas escolhas."

Vivi começou a trabalhar aos 14 anos em lojas. Foi estoquista, vendedora em shopping e atendente de telemarketing. "Já fiz tanta coisa que moldou a mulher que sou hoje, para conseguir vender projetos de milhões", afirma.

Apesar das dificuldades, ela sempre foi incentivada pela mãe a estudar e a correr atrás do que queria. Escolheu estudar jornalismo.

Quando Vivi entrou na faculdade, já era mãe —hoje seu filho tem 23 anos e é pai de uma menina de seis. No segundo ano da graduação, começou a trabalhar em uma empresa e achou que a área comercial oferecia mais oportunidades de ascensão financeira. Assim, fez pós-graduação em marketing e negócios.

Foi nessa época que começou a estudar também o público feminino. "A gente tem tantos números a nosso favor. A mulher é mais de 80% do poder de compra no mercado." Vivi afirma que, conforme ganhava experiência na área, fazia provocações durante reuniões de projetos publicitários do tipo: "E se a gente colocasse uma mulher para ser servida ao invés de servir?".

Em 2007, ela conheceu o termo "empowertising" –junção de empoderamento e publicidade, em inglês. O conceito de propaganda que empodera o público em vez de aliená-lo despertou o foco da empresária: "Era isso o que eu queria fazer."

A Plano Feminino, criada em 2010, foi a primeira consultoria do Brasil voltada para marketing e conteúdo com foco em raça, gênero e diversidade. O objetivo era mostrar novas histórias nas propagandas, sem estereótipos e preconceitos. Para isso, ela encarava reuniões em que a maioria era "homem, branco, hétero, privilegiado, viajado e com três idiomas".

"Tive que ter muita resiliência", diz. "A mulher negra é rotulada de raivosa, louca e desinformada quando provoca. Ninguém me conhecia no mercado, eu estava chegando com um modelo de negócio novo e provocando a publicidade, que é o que mais gera dinheiro nesse país, para falar que estava tudo errado".

Com o Plano Feminino, Vivi reposicionou marcas de carro, tecnologia, cabelo, roupa, entre outras. Ganhou prêmios como leão de bronze em Cannes com a campanha HERSHE, da marca de chocolate Hershey's.

"A gente vê muita invalidação. É aquilo que a gente ouve desde pequena: você tem que ser dez vezes melhor porque não é filha de fulano, não tem esse sobrenome, porque tem essa pele, esse cabelo", diz.

No segundo ano de agência, ela estava quase quebrando. Foi quando a Unilever, multinacional de bens de consumo como alimentos, bens de limpeza e cuidado pessoal, pediu para que a Plano Feminino fizesse um projeto para a Seda, marca de produtos de cabelo. A campanha mostrava mulheres negras com corpos e cabelos até então pouco mostrados na publicidade.

Quero que as meninas se conectem com oportunidades e que não precisem passar por tanto desgaste, por tantas violências para conseguir ser o que elas merecem ser por direito

Vivi Duarte

executiva e empreendedora social, criadora do Instituto Plano de Menina

Depois de conseguir a visibilidade que queria na propaganda, Vivi criou a Plano de Menina, em 2016. A instituição atende jovens de periferia entre 16 a 24 anos. Desde a fundação, passaram por lá 2 milhões de garotas, segundo a empresária. A entidade trabalha habilidades técnicas em cursos de tecnologia, empreendedorismo e negócios, e também inteligência emocional, foco, autoestima e autoconfiança. "Quero que as meninas se conectem com oportunidades e não precisem passar por tanto desgaste, por tantas violências para conseguir ser o que merecem ser por direito".

Hoje há jovens que passaram pelo Plano de Menina trabalhando em empresas como Ambev, TikTok e Google. "Quando você mostra, dá informação e ferramenta, essa menina vai ser uma potência, porque ela sabe do que é capaz", afirma.

Vivi, porém, reconhece que o problema é mais profundo. "Estamos fazendo a pontinha do iceberg, mas que já faz tanta diferença nessas micro-revoluções". O projeto foi feito com apoio de outras mulheres como Eliane Dias, empresária dos Racionais MCs, Alexandra Loras, apresentadora e empresária, e Mylene Ramos, juíza do trabalho.

A mentoria profissional também é um braço da Plano Feminino que, além de consultoria, mostra como mulheres podem "ser mais do que o crachá da empresa". "A gente ajuda elas a tirarem o plano do papel, a construirem uma marca pessoal forte, profissional, a fazerem network", diz Vivi.

Depois de 13 anos empreendendo, hoje Vivi é executiva. A Plano Feminino é um pilar do seu negócio social, o Instituto Plano de Menina.

Vivi Duarte foi presidente da BuzzFeed Brasil de 2020 a 2021. Em seguida, assumiu o cargo de diretora de conexões e planejamento de negócios para a América Latina de uma multinacional, em que atua até hoje. No mesmo ano, lançou o livro "Quem é você na fila do pão?", da editora Planeta, sobre sua trajetória.

A executiva lembra que seu trabalho no empoderamento feminino não se confunde com meritocracia. "Como a gente tem uma sociedade tão desigual e fala de meritocracia?"

Segundo ela, o que existe —ou não— são as oportunidades. "Tenho 45 anos e parece que tenho 130, porque se eu for olhar tudo que eu já vivi", observa.

Diante disso, Vivi conta que aprendeu a fortalecer seus pontos fortes. "Eu não cheguei aqui à toa, a história que eu tenho tem valor." Para construir essa confiança foram muitos exercícios de autoconhecimento e autoafirmação, o que tenta passar para suas mentoradas.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava que Viviane Duarte é consultora de diversidade na América Latina. Ele é diretora de conexões e planejamento de negócios.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.