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Países querem gastar mais em defesa, mas acabar com o 'dividendo da paz' custa caro

Ministros da Defesa temem cada vez mais que os eleitores não aceitem o elevado preço dos gastos militares

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John Paul Rathbone
Londres | Financial Times

Boris Pistorius orgulha-se de ser da Baixa Saxônia –região da Alemanha onde as pessoas "têm os pés firmemente no chão", como ele mesmo diz.

No entanto, o ministro da Defesa alemão está preocupado que mesmo esses eleitores estoicos recusem a ideia de Berlim gastar dezenas de bilhões de euros por ano para reforçar a capacidade militar do país.

Convencer os eleitorados da necessidade de gastar mais em defesa requer "uma mentalidade totalmente diferente", disse Pistorius numa reunião de ministros da Defesa recente.

Soldados alemães durante treinamento em Altengrabow, na Alemanha
Soldados alemães durante treinamento em Altengrabow, na Alemanha - Fabrizio Bensch - 26.jan.2023/Reuters

Desde a queda do Muro de Berlim, os políticos habituaram-se de tal forma a gastar quase nada em defesa que a paz é hoje considerada, nas palavras do ministro da Defesa da Suécia, Pal Jonson, algo tão livremente disponível que é igual ao ar. "Quando você tem, você realmente não o percebe", disse.

Esse "dividendo da paz" também permitiu que os países gastassem bilhões de dólares em políticas de saúde e educação, em detrimento de suas forças armadas.

A invasão da Ucrânia pela Rússia foi um alerta brutal, não apenas para a Alemanha, mas para todos os governos ocidentais. Juntamente com a ascensão da China, a ameaça de um Irã com armas nucleares e a instabilidade na África, a guerra forçou os ministros a se comprometerem com mais gastos em defesa.

A Suécia, que busca aderir à Otan, planeja aumentar os gastos com defesa em mais de 25% para cumprir a meta da aliança militar de 2% do PIB (Produto Interno Bruto).

Contudo, convencer os eleitores dos sacrifícios necessários para tornar tais compromissos uma realidade representa uma reordenação sísmica do orçamento e das prioridades eleitorais.

"Todos ainda vivem num mundo de sonho em tempos de paz, mas esses tempos já passaram", disse um conselheiro de defesa ocidental.

Pistorius acredita que é necessário haver discussões "honestas" com os eleitores sobre o preço da segurança. Será difícil conseguir isso num clima em que a ecologização da economia e outras prioridades sociais associadas ao envelhecimento da população estão no topo da agenda, e os custos financeiros dos próprios governos disparam com as taxas de juros mais elevadas.

No Japão, a questão de como financiar seu aumento recorde de despesas com a defesa dividiu uma nação que já se debate com custos crescentes de seguridade social.

O governo foi forçado a adiar os planos para aumentar os impostos corporativos, sobre a renda e sobre o tabaco em um ano, até 2025, em meio a temores de que um aumento de impostos prejudicasse o primeiro-ministro Fumio Kishida se ele convocasse eleições antecipadas ainda este ano.

Na Dinamarca, o governo optou por financiar o aumento da despesa pública cancelando um feriado, para grande desgosto dos eleitores.

Nos Estados Unidos, apenas 1% dos entrevistados citam a segurança nacional como sua principal preocupação, de acordo com pesquisas, enquanto no Reino Unido as enquetes sugerem que ela ocupa o 11o lugar, em média, depois de questões como economia, saúde, imigração e habitação.

No entanto, as implicações financeiras das atuais preocupações do Ocidente com a segurança ficaram evidentes na cúpula da Otan na Lituânia, em julho. Ali, juntamente com as notícias da adesão da Suécia e da potencial adesão da Ucrânia, os líderes se debateram com a espinhosa questão dos orçamentos.

Embora todos os membros tenham se comprometido a gastar 2% do PIB –atualmente, apenas 11 dos 31 membros o fazem–, houve menos clareza sobre como os retardatários atingiriam a meta, ou quando.

"Os líderes aderiram a uma mudança geracional na política de defesa. Mas pergunto-me se eles compreenderam perfeitamente ou se contaram aos seus ministros das Finanças", disse um alto funcionário da Otan.

O ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, alertou este mês que o cumprimento do compromisso do país com a Otan exigiria "fundos consideráveis" do orçamento principal nos próximos anos.

Os ministros da Defesa também apoiaram os apelos para que a aliança militar tenha 300 mil soldados em alta prontidão, que estariam destacados dentro de um mês –quase oito vezes o número atual de 40 mil.

"O novo modelo de força da Otan estabelece uma referência com a qual a maioria dos aliados terá dificuldades", disse o general Richard Barrons, antigo comandante das forças armadas britânicas. "Suspeito que isso fará alguns lacrimejarem."

No entanto, as questões emergentes demonstram que existe uma necessidade clara de se dedicarem mais fundos à defesa, particularmente na Europa e especialmente na Alemanha. No início da década de 2000, Berlim gastou apenas 1% do PIB em defesa porque, como disse o chanceler Olaf Scholz no final do ano passado, "para quê manter uma grande força de defesa… quando todos os nossos vizinhos pareciam ser amigos?"

A Bundeswehr alemã tinha apenas 20 mil projéteis de artilharia de 155 mm em estoque, o suficiente para menos de três dias de combate, segundo uma avaliação confidencial do Ministério das Finanças divulgada pela Der Spiegel no final de julho.

A Europa também não pode continuar dependendo dos EUA, cujo orçamento de defesa de US$ 860 bilhões é o dobro do de todos os outros membros da Otan combinados. Prevê-se que os EUA tenham déficits orçamentários de 6% do PIB por ano durante a próxima década e que, em 2053, a dívida federal será o dobro do PIB, estima o Gabinete do Orçamento do Congresso.

"Os Estados Unidos contribuem desproporcionalmente para a defesa europeia", afirmou Ben Barry, membro sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, um grupo de pensadores em Londres. "Mas se a Europa não assumir uma maior parte do fardo da defesa, isso não irá fomentar o entusiasmo dos EUA [pela Europa], especialmente levando em conta o crescente interesse estratégico de Washington no Indo-Pacífico."

A guerra na Ucrânia também revelou a escassez da capacidade do Ocidente para fabricar armamento.

"Esta tem sido uma guerra de arsenais", disse Jonson. "É preciso ter uma base industrial [e] não apenas para tempos de paz, mas que possa aumentar a produção" em tempos de conflito.

Especialistas em defesa insistem em salientar que investir na dissuasão custará muito menos do que ter de lidar com as repercussões do conflito.

"A segurança econômica depende da paz", disse Barry. "Embora cara, a dissuasão militar é uma forma de seguro econômico."

Referindo-se às estimativas do Banco Mundial que situam o preço da reconstrução da Ucrânia em mais de US$ 411 bilhões até agora, ele acrescentou: "A conta da perturbação econômica causada pela guerra é ainda mais cara".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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