A onda de calor levou o país ao segundo dia consecutivo de recorde no consumo de eletricidade durante o horário de pico da tarde. O cenário voltou a provocar alta do preço da energia no mercado atacadista e é visto como um sinal de alerta dos impactos da crise climática no setor.
Segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a demanda bateu 101.437 MW (megawatts) às 14h24 desta terça-feira (14). O valor é pouco superior aos 100.955 MW atingidos na segunda (13), que havia superado marca anterior, de 97.659 MW, medida em 26 de setembro deste ano.
A elevação da demanda era esperada pelo ONS, diante da previsão de elevadas temperaturas, que ampliam o uso de eletrodomésticos como aparelhos de ar condicionado, ventiladores e o consumo energético de refrigeradores, por exemplo.
Em nota, o operador do sistema disse não ver riscos ao abastecimento com a elevação repentina do consumo, que já provocou falhas no fornecimento em São Paulo nesta segunda, afetando regiões como o centro e zona oeste ao longo do dia.
"O ONS reforça que o SIN [sistema interligado nacional] é robusto, seguro, possui uma ampla diversidade de fontes e está preparado para atender às demandas de carga e potência da sociedade brasileira", afirmou.
De fato, não há problemas de oferta. Os reservatórios das hidrelétricas permanecem em níveis confortáveis para esta época do ano e a geração de energia eólica e solar vem dando boa contribuição, garantindo cerca de 20% da demanda.
Em outubro, os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, principal caixa d'água do setor elétrico brasileiro, estavam com 68% de sua capacidade de armazenamento de energia, melhor resultado para o mês em ao menos 20 anos e quase 20 pontos percentuais acima do registrado um ano antes.
A ligação entre o problema de São Paulo e o calor foi feita pela empresa de transmissão ISA CTEEP. Responsável por mais de 90% da transmissão de energia no estado, a companhia afirmou que atendeu a uma solicitação para operar no limite superior de fornecimento à rede.
O professor Nivalde de Castro, do Grupo de Estudos em Energia da UFRJ, avalia que problemas pontuais de suprimento podem se repetir em dias de calor extremo e demanda elevada, diante do estresse sobre as redes de transmissão e distribuição.
Na segunda, além do recorde de demanda instantânea, o sistema registrou a maior demanda diária média da história, de 89.020 MW médios, ultrapassando os 86.577 MW médios registrados no dia 26 de setembro.
É consenso no setor, porém, que os novos perfis de consumo e geração do país representam um desafio adicional diante da possibilidade de eventos climáticos cada vez mais intensos. O atendimento dos horários de pico à noite, quando solares e eólicas geram menos, é um dos desafios.
A consultoria PSR Energy alerta ainda para uma tendência de redução das vazões dos rios das regiões Norte e Nordeste em decorrência do El Niño, o que pode demandar o acionamento de fontes de energia mais cara, como as térmicas.
"As mudanças climáticas estão aí para ficar e seus adversos preocupam muito", escreveu, em, relatório no mês passado. "Já estamos vivendo no 'novo anormal', cuja consequência pratica é aportar mais variabilidade nos fenômenos climáticos com extremos mais acentuados."
"Vivemos um novo paradigma climático", reforça Castro, citando a ventania que deixou milhões em São Paulo sem luz na semana passada ou alagamentos no sul durante o ano.
Atualmente, o ONS já vem despachando mais térmicas para garantir o atendimento dos picos, principalmente o noturno. Na segunda, as usinas termelétricas contribuíram com 10.000 MW para complementar a oferta.
Maior uso de térmicas e picos mais extremos de consumo com o uso de ar-condicionado têm efeitos na formação do preço da energia no mercado atacadista, que é um indicador do comportamento dos preços em geral.
Nesta terça, por exemplo, o preço horário se aproximou de R$ 400 por MWh para atendimento do pico da noite.
Na média diária, o chamado PLD (preço de liquidação de diferenças) ficou em R$ 177 por MWh nesta terça, bem superior ao piso de R$ 69 por MWh no qual os preços se situaram durante a maior parte do ano.
Os recordes no consumo de energia registrados nesta segunda-feira foram puxados por estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste, justamente aqueles em que se concentram os alertas de onda de calor com grande perigo do Inmet (Instituto Nacional de Metrologia).
Segundo o boletim diário da operação do ONS, o subsistema elétrico Sudeste/Centro-Oeste registrou recordes de consumo tanto na média diária quanto em demanda instantânea nesta segunda.
Na média diária, o consumo dessas regiões chegou a 52.562 MW (megawatts) médios, superando o recorde de 50.896 MW médios registrados em 27 de setembro deste ano.
A demanda instantânea bateu 60.502 MW às 14h35 de segunda, acima dos 57.792 MW registrados em 26 de setembro.
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