Descrição de chapéu Consciência Negra

Desigualdade racial continua em partidos de esquerda e de direita, dizem pesquisadores

Maior número de candidatos pretos e pardos não se reflete em representatividade na Câmara; serviço público ainda é desigual

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Apesar de os partidos de esquerda terem pautas historicamente mais próximas dos movimentos de combate à discriminação racial e de lançarem mais candidatos negros que os de direita, todas as correntes se saem mal no número de pretos e pardos eleitos.

Em 2014, eram 897 candidatos a deputados federais negros de esquerda, de um total de 2.144 (41,8%); 1.245 eram de centro, de 3.055 (40,8%); 191, de 624, eram de direita (30,6%).

Quatro anos depois, em 2018, eram 1.088 candidatos negros na esquerda de 2.431 postulantes (44,8%); 1.282 eram de centro, de 2.851 (45%); 747 estavam na direita, de 2.260 (33,1%).

Parlamentares e ativistas comemoram cotas no funcionalismo - Pedro Ladeira - 26.mar.14/Folhapress

Entre os deputados que acabaram sendo eleitos em 2014, a esquerda emplacou 47 candidatos negros de um total de 161 (29,2%); o centro, 35 de 223 (15,7%); a direita, 20 de 129 (15,5%).

Em 2018, apesar de um maior número de candidatos, menos negros foram eleitos na esquerda: 40 de 152 (26,3%); no centro, foram 15 de 65 (23,1%); na direita, foram 69 de 293 (23,6%).

Quando consideradas as mulheres negras, a desigualdade é ainda maior. Em 2018, elas eram 28% das candidatas de esquerda à Câmara, 27% das de centro e 20% das de direita. Seis foram eleitas na esquerda e seis na direita e uma no centro.

Esses dados são parte do livro "Números da Discriminação Racial", dos pesquisadores do Insper Michael França e Alysson Portella, lançado em outubro, e que deu origem a uma série sobre o tema que a Folha vem publicando nas últimas semanas.

Para chegar a esses números, o estudo usou o Repositório de Dados Eleitorais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em que são divulgados microdados das eleições e que reúne características dos candidatos —como gênero, idade, ocupação e patrimônio declarado— e, desde 2014, a raça autodeclarada.

Já para a estimativa da composição racial dos eleitores, os pesquisadores usaram a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para calcular a proporção de negros em idade ativa.

Eles também construíram o Índice de Equilíbrio Racial, que compara a população de negros em um grupo de referência (como o eleitorado de um estado, por exemplo), com aquela que foi encontrada em um determinado grupo (como o de deputados eleitos) e que vai de -1 a 1.

Nesse indicador, quanto mais próximo de zero, maior é o equilíbrio racial, e valores negativos indicam que os brancos estão mais representados do que os negros em uma determinada categoria.

No caso da representação política, o índice de equilíbrio para os candidatos de esquerda em 2014 era de -0,21 ponto, de -0,25 para os de centro e de -0,49 para os de direita. Em 2018, piorou para esquerda e direita: foi para -0,25, -0,22 e -0,43, respectivamente.

Entre os eleitos, o índice variou de 2014 a 2018 de -0,50 para -0,60 na esquerda, de -0,75 para -0,71 no centro e -0,74 para -0,62 na direita.

Para os economistas, os dados reforçam a necessidade de discutir a representatividade da população negra em funções de poder.

Em tese, as pessoas escolheriam representantes que atendessem a seus interesses, mas no caso brasileiro há um curioso padrão, em que pessoas de elite e, basicamente, homens brancos ocupam o poder, diz França, que também é colunista da Folha.

"Por mais que possamos ter alguns bons candidatos que sejam homens brancos de alta renda, que eles tenham boas intenções e queiram impactar positivamente a vida das pessoas, eles vão ter vieses de classe social, de gênero e racial. Isso vai afetar as suas escolhas e as suas agendas."

França ressalta que alguns erros sistemáticos no desenho das políticas públicas podem, inclusive, ser um reflexo desse olhar de classe, raça e gênero.

"O sistema político, a partir do momento que inclui mulheres, negros e indivíduos de origem desfavorecida, ganha com essas vivências. Isso pode afetar não só a agenda, mas a comunicação. Um homem branco de alta renda pode falar a mesma coisa que uma mulher negra da periferia, mas a forma de expressar a mensagem será diferente."

A dominância de homens brancos em postos de poder também poderia levar a uma crise de legitimidade ao longo do tempo, com a maior parte da população não se enxergando em seus representantes, complementa o pesquisador.

"Do ponto de vista de representação política, há diversos estudos mostrando que políticos negros estão mais alinhados às pautas da população negra, com políticas afirmativas, por exemplo. Nesse sentido, é importante ter na política um grupo que de fato represente as demandas dessa parte da sociedade", diz Portella.

Outros estudos, segundo o pesquisador, apontam que ter pessoas negras em posição de destaque também afeta positivamente: um empregador negro tem mais tendência a contratar empregados negros, um professor negro tem efeitos positivos sobre o desempenho de alunos negros, cumprindo papéis que podem ser exemplos de inspiração.

Uma pesquisa do Datafolha de maio mostrou que 60% dos brasileiros diziam crer que há poucos negros em cargos de chefia nas empresas, e 56% afirmavam o mesmo em relação às mulheres.

Do ponto de vista do serviço público, no ano passado, o República.org divulgou estudo mostrando que 35,1% dos servidores que atuam no Executivo Federal se declaravam pretos ou pardos, ante os 56,2% de negros na população como um todo.

Em 2020, a média de remuneração líquida mensal de mulheres negras equivalia a 66% do que recebiam os homens brancos, de acordo com o instituto.

"A diversidade da população deve estar representada no servidor público, para que as próprias pessoas que estão recebendo aquele atendimento se reconheçam ali", diz Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicação do República.org.

Em 2014, o governo Dilma Rousseff (PT) promulgou uma lei que reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para pessoas autodeclaradas pretas ou pardas. Para Campagnac, a medida não é uma bala de prata, mas uma alternativa importante.

"O concurso ainda é uma porta democrática, por ser uma prova objetiva. O que não é democrático é o que aconteceu antes da prova: se o candidato pôde estudar em boas escolas, teve chance de pagar um cursinho, tempo para se dedicar. A gente tem de trabalhar para que mais pessoas tenham condições de tentar carreiras de maior salário."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.