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Filhos se unem aos pais para produzir café premium no Vale do Jequitinhonha

Cafés especiais ampliam renda e novos negócios em cidades de uma região historicamente pobre do país

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José Gonçalves de Minas (MG)

Em uma fazenda, o filho que passou cinco anos no Japão hoje se prepara para cuidar da torrefação do café. Em outra, a filha que trabalhava em uma multinacional em São Paulo agora cuida de cafés especiais e é forte negociadora. Em uma terceira fazenda, o filho que tinha uma empresa em uma das maiores cidades de Minas Gerais a vendeu e se dedica integralmente às lavouras cafeeiras.

Após pequenos e grandes produtores terem visto nas famílias um êxodo rural no Vale do Jequitinhonha (MG), historicamente uma das regiões mais pobres do país, o bom cenário do café nos últimos anos tem feito com que filhos retornem e assumam postos importantes no ciclo de produção cafeeira, como melhorar a qualidade, produzir mais cafés especiais e criar novos negócios no campo.

Eder Nakamura, 34 (à direita na imagem), retornou do Japão após cinco anos para administrar com os pais, Claudio, 67, e Elvia, 62, a fazenda que leva o nome da família em José Gonçalves de Minas (MG)
Eder Nakamura, 34 (à dir.), retornou do Japão após cinco anos para administrar com os pais, Cláudio, 67, e Elvia, 62, a fazenda que leva o nome da família em José Gonçalves de Minas (MG) - Bruno Santos/Folhapress

Em que pese o presente, de baixa produção em relação à safra passada e com preços piores da saca de 60 quilos, a cultura agrícola é vista como forte distribuidora de renda e promissora. A saca, que chegou a ser vendida por R$ 1.500 no ano passado, atualmente oscila entre R$ 800 e R$ 850.

Eder Nakamura, 34, que por cinco anos trabalhou em uma unidade da Toyota no Japão, voltou, em meio à pandemia, para a pequena José Gonçalves de Minas (MG), município de apenas 3.969 habitantes, para auxiliar os pais, Elvia e Cláudio Nakamura, a escreverem novos capítulos de uma história iniciada na década de 1980.

Na época, Cláudio, que morava em Londrina (PR), foi um dos agricultores que arriscaram a deixar Paraná e São Paulo para se aventurar no Jequitinhonha, ocupando uma área dividida em 20 pequenos lotes. Não havia asfalto até a cidade, era preciso percorrer 250 quilômetros em estradas de terra.

"Quando se é jovem, todos têm seus planos e sonhos e o dele sempre foi ter um pedaço de terra", disse Elvia, que deixou um emprego na Infraero (estatal aeroportuária) para produzir café em uma terra em que chovia pouco e em meio às incertezas.

Não foi nada fácil, segundo Cláudio, que iniciou a primeira safra, em 1986, com 8 hectares —hoje são 62 em produção.

"Dos que vieram, só restou eu. O café estava lá em cima [preço], muitos plantaram, mas quando foi colher o preço estava lá em baixo. Não pagava nem o custo, era insustentável. Muitos foram embora."

Ele afirmou que conseguiu se sustentar com auxílio da família, fazendo carvão nas áreas permitidas e insistindo na cafeicultura, até que viu o negócio acelerar nos últimos anos, com cafés especiais e a volta do filho.

Em 2022, produziu 2.500 sacas, dos quais cerca de 80% eram cafés especiais, que alcançam notas acima de 80 pontos em uma escala até 100 e que chegam a custar mais do que o dobro dos cafés comuns.

Nem mesmo a queda na safra deste ano (800 sacas) provocada pela bienalidade da cultura (um ano produz mais e, no outro, menos) e por problemas climáticos (seca fora de época e chuva na colheita) impediu que Eder colocasse em prática um projeto na fazenda: construir uma torrefação.

"O prédio está pronto e acredito que no mês que vem já estará tudo em ordem [para funcionar] e em atividade para a próxima safra", disse Eder sobre sua proposta de ganhar escala na produção.

Além de plantar e colher, agora a família também vai deixar o café pronto para ser enviado diretamente ao mercado consumidor, o que significará mais renda.

Na mesma cidade, o produtor Gilson Pereira da Silva, 46, da fazenda Oda —cujo nome foi dado por um japonês também pioneiro na região e mantido pelo novo dono—, conta agora com o auxílio de um filho que tinha seguido roteiro semelhante ao seu no passado.

"Fui para São Paulo trabalhar em obras, voltei e caí de paraquedas na agricultura, mas vi possibilidades." Seu filho migrou para Jaguariúna (SP), onde por dois anos produziu pães para redes de fast-food, até que resolveu voltar para atuar no campo.

Hoje com 10 hectares em produção, a família já plantou mudas em outros 2, em uma propriedade com área total de 40.

"[A cafeicultura] É uma das atividades que a gente tem na região com maior potencial de geração de riqueza e de atração para retorno desse pessoal. Poucas atividades desenvolvidas nessa parte de Minas têm capacidade de fazer isso", disse Julian Rodrigues, analista do Sebrae responsável pela microrregião Chapada de Minas, formada por 22 municípios, entre eles Capelinha, Leme do Prado, Minas Novas e Diamantina.

A área reúne 5.800 produtores e 20 mil trabalhadores, responsáveis pela produção média de 600 mil sacas por safra —há cinco anos, dados do ICCM (Instituto do Café da Chapada de Minas) apontavam para cerca de 400 mil sacas.

De acordo com o analista, a região é carente de mão de obra e não tem matriz energética nem logística para ser um grande polo industrial, o que significa que o desenvolvimento econômico só é possível quando o que já existe é bem feito e gere renda.

PROFISSIONALIZAÇÃO

Distante 150 quilômetros de José Gonçalves de Minas, a fazenda Alvorada, em Capelinha, ganhou o reforço de Raquel Meirelles, 32, filha do produtor rural Sérgio Meirelles Filho, 63, para administrar as marcas de café Aranãs, Resplendor e Varietal —a última dedicada a cafés especiais.

Ela, que trabalhava com marketing de cafés em uma multinacional em São Paulo, voltou com foco em sua especialização e afirmou que negocia seus lotes sem se preocupar com a cotação do dia do café.

"A gente não olha para Bolsa. A pessoa fala: ‘Ah, o café caiu’. Eu respondo que não negocio Bolsa, que meu valor não está atrelado a isso [...] Hoje começo o valor do meu café em R$ 2.000 a saca, e tenho café que vendo a saca a R$ 5.000", afirmou.

Ela disse que o mundo dos cafés premium exige que se tenha muita qualidade e independência em relação a fatores externos para a composição do preço. "Não adianta [nesse mercado] ter café de 81, 82 pontos, preciso ter acima de 86, 87, 90", disse.

Meirelles afirmou que chegou à região em 1979 fugindo do frio, por causa da geada que atingiu naquele ano a região de Varginha (MG), onde a família também possui fazenda.

Com 93 hectares em produção, a Alvorada não sofre com esse problema, mas enfrentou, como as demais propriedades, a seca.

A produção na última safra foi de 22 sacas por hectare. "Para a região está razoável, mas está ruim [...] Por isso estamos investindo em irrigação." Apesar disso, na safra recém-encerrada, 20% da colheita resultou em cafés especiais, segundo Meirelles e Raquel.

Como eles, Ulisses Godinho também está investindo na fazenda Poço Dantas, em Capelinha, seguindo os passos familiares.

Ele, que administrava uma empresa de transportes em Governador Valadares (MG), vendeu o negócio e passou a se dedicar de forma integral à propriedade rural, que tem 65 hectares em produção.

Entre as mudanças adotadas estão a mecanização dos processos e melhorias no terreiro de café —que, de terra batida, foi cimentado.

Também produtor de cafés especiais, Godinho conta que o negócio começou em 2005 e, até 2019, era administrado por um gerente.

"Meu pai veio para cá, começou a ficar mais aqui. Veio a pandemia, parou o transporte, vim para cá [...] Foquei no café, gostei. Conseguimos profissionalizar bem."

Depois de ver a produção alcançar 5.000 sacas em 2020, dos quais 20% especiais, ele disse não ter dúvidas sobre o cenário ideal para o setor nos próximos anos. "O futuro é o café certificado, o futuro é o café especial. Todo mundo vai começar a exigir."

PODER DE BARGANHA

O Sebrae, conta o analista, atua junto aos cafeicultores com ações de governança e valorização da origem, como a criação do ICCM, em 2018, e o lançamento de uma marca coletiva, no ano seguinte.

O instituto, que recebeu mais de 400 amostras de cafés para análise na última safra, tem como objetivo ser um balizador dos negócios e auxiliar os cafeicultores, segundo a engenheira de alimentos Ednéia Lordeiro, executiva do ICCM.

"É um apoio ao produtor. Com o laudo do instituto, ele tem mais poder de barganha com os compradores", disse.

O jornalista viajou a convite do Sebrae

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