Novo plano econômico da China inclui indústria automotiva e deixa construção civil de fora

Estratégias para recuperar o país asiático direcionam a economia para outro rumo

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Guangzhou (China) | The New York Times

Os líderes políticos da China, sob pressão para apoiar a frágil recuperação do país, estão lentamente direcionando a economia para um novo rumo.

Não podendo depender do setor imobiliário e da dívida local para impulsionar o crescimento, eles estão investindo mais pesadamente na indústria manufatureira e aumentando o endividamento pelo governo central.

Pela primeira vez desde 2005, os bancos controlados pelo Estado iniciaram uma redução sustentada no empréstimo imobiliário, conforme dados divulgados na semana passada.

Somas enormes estão sendo direcionadas para fabricantes, especialmente em setores de rápido crescimento, como carros elétricos e semicondutores.

prédio em construção em meio a terreno baldio com mato alto
Prédios em construção abandonados em Weifang, China; depois de controlar empréstimo para habitação, rumo da economia vai focar na retomada da indústria - Gilles Sabrié - 24.out.23/The New York Times

Há riscos na abordagem. A China tem um excesso crônico de fábricas, muito mais do que precisa para seu mercado interno. Uma maior ênfase na manufatura provavelmente levará a mais exportações, um aumento que poderia antagonizar os parceiros comerciais da China.

O aumento dos gastos na China também representa um desafio para o Ocidente, que está tentando promover investimentos extras em algumas das mesmas indústrias por meio de legislação como a Lei de Redução da Inflação do governo Biden.

A mudança dos empréstimos para a manufatura destaca a relutância de Pequim em resgatar o mercado imobiliário chinês sobrecarregado de dívidas. A construção e a habitação representam cerca de um quarto da economia e agora estão sofrendo com acentuadas quedas nos preços, vendas e investimentos.

O impulso de investimento da China pode estimular mais crescimento nos próximos meses, compensando em parte os problemas no setor imobiliário. Mas mais endividamento do governo central, como substituição do endividamento local, fará pouco para amenizar a desaceleração de longo prazo no crescimento causado pelo acúmulo de dívidas.

"Não acho que haja um problema para o desenvolvimento de curto prazo, mas temos que nos preocupar com o desenvolvimento de médio e longo prazo", disse Ding Shuang, economista-chefe da China no Standard Chartered, em um fórum recente de economistas e especialistas financeiros chineses em Guangzhou.

"É justo dizer que o setor imobiliário ainda não atingiu o fundo."

rio chinês
Fazenda de energia solar e eólica em Weifang, China; país possui fábricas de painéis solares suficientes para atender às necessidades de todo o mundo - Gilles Sabrié/The New York Times

A crise imobiliária da China tem suas raízes em quatro décadas de especulação impulsionada pela dívida que levou os preços a níveis muito acima do que poderia ser justificado pelos aluguéis ou renda familiar.

Os formuladores de políticas da China desencadearam a recente crise da área ao começar a restringir os empréstimos há vários anos e, agora, estão relutantes em resgatar o setor iniciando outro surto de empréstimos imobiliários.

O governo acreditava que a economia da China se recuperaria em 2023, depois que os líderes do país suspenderam a maioria das restrições de "Covid zero" que sufocaram a economia no ano passado.

Mas, após um impulso inicial de atividade, o crescimento ficou aquém na primavera e no verão. As vulnerabilidades permanecem: a atividade manufatureira tropeçou novamente no mês passado, após mostrar crescimento em agosto e setembro.

Na semana passada, em uma conferência presidida por Xi Jinping, líder da China, funcionários do Partido Comunista e do governo se reuniram em particular para discutir a política financeira.

De acordo com um comunicado oficial posterior, a conferência ordenou que mais recursos financeiros fossem direcionados para indústrias de manufatura avançada, bem como assistência aos governos locais.

Enquanto o mercado imobiliário luta, a construção de fábricas impulsionada por financiamento estatal está em alta.

A China já construiu fábricas de painéis solares suficientes para suprir as necessidades de todo o mundo. Ela construiu fábricas de automóveis suficientes para fabricar todos os carros vendidos na China, na Europa e nos Estados Unidos.

E até o final de 2024, a China terá construído em apenas cinco anos o mesmo tanto de fábricas petroquímicas que as que estão em funcionamento na Europa, no Japão e na Coreia do Sul.

Economistas no recente encontro em Guangzhou, realizado pelo Fórum Internacional de Finanças, um think tank chinês, reconheceram que o país enfrenta desafios não encontrados desde os anos imediatamente após a morte de Mao Tse-tung, em 1976.

Mas eles previram que grandes investimentos em novas tecnologias de manufatura valeriam a pena.

"Hoje enfrentamos dificuldades comparáveis às de 1978, então a questão agora é qual será o futuro do crescimento impulsionado pela inovação?", disse Zhang Yansheng, ex-funcionário sênior da agência de planejamento econômico do governo central, que agora está no Centro Chinês para Intercâmbio Econômico Internacional.

homens carregam caixas em caminhão vermelho
Trabalhadores carregando um caminhão com frutas em um mercado atacadista em Weifang, China; economistas do país dizem que a economia está enfrentando seu teste mais difícil desde a era de Mao - Gilles Sabrié/The New York Times

A mudança do sistema bancário chinês de empréstimos imobiliários para manufatura começou há vários anos, disse Bert Hofman, diretor do Instituto Asiático Oriental da Universidade Nacional de Singapura, no evento de Guangzhou.

Antes da pandemia, os bancos da China estavam aumentando seus empréstimos para o setor imobiliário em mais de US$ 700 bilhões por ano. Nos 12 meses até setembro, o total de empréstimos pendentes para o setor imobiliário caiu ligeiramente.

Os bancos emprestaram menos para os construtores e as famílias pagaram suas hipotecas antigas enquanto contratavam novas, mas em número bem menor.

Em comparação, o empréstimo líquido para empresas industriais disparou de US$ 63 bilhões (cerca de R$ 308 bilhões) nos primeiros nove meses de 2019 para US$ 680 bilhões (R$ 3,3 trilhões) nos primeiros nove meses deste ano.

Esse dinheiro foi parcialmente destinado à construção de uma indústria de semicondutores que pode permitir que a China se livre das importações e contorne os controles de exportação americanos, como categorias de fabricação de carros elétricos e construção naval.

Muitos economistas expressaram preocupação de que jogar mais dinheiro na indústria manufatureira pode não consertar a economia em geral.

O setor imobiliário ainda está em decadência e é tão grande que compensar seus problemas com o crescimento em indústrias que fabricam automóveis —responsáveis por 6% a 7% da produção econômica— não será fácil.

A explosão na construção de fábricas ameaça antagonizar outros países: grande parte da produção adicional provavelmente será exportada porque muitas famílias chinesas reduziram os gastos.

Mas os Estados Unidos e a União Europeia estão menos dispostos a aceitar aumentos adicionais em seus déficits comerciais com a China.

A União Europeia já está investigando o uso de subsídios governamentais pela indústria de veículos elétricos da China, abrindo uma nova disputa comercial entre Bruxelas e Pequim.

Ciente desses riscos, a China está cortejando países em desenvolvimento. Esses países ainda têm setores manufatureiros consideráveis, mas frequentemente envelhecidos, que oferecem uma oportunidade para exportações de fábricas recém-construídas e altamente eficientes na China.

Muitos países em desenvolvimento estão lutando para renegociar grandes dívidas com Pequim por projetos de infraestrutura, o que os coloca em uma posição fraca para aumentar as tarifas sobre produtos chineses.

As fábricas da China têm ganhado domínio há décadas. A participação do país na manufatura global cresceu quase cinco vezes, para 31%, desde 2000, de acordo com dados da ONU para o desenvolvimento industrial.

A participação dos Estados Unidos caiu para 16%, enquanto a participação de países em desenvolvimento, excluindo a China, permaneceu estável em 19%.

É claro que uma coisa não está mudando na abordagem da China: sua dependência de empréstimos para impulsionar o crescimento.

Autoridades têm tentado repetidamente há anos controlar a dependência do país em relação à dívida. Liu He, um vice-primeiro-ministro, prometeu em um discurso em 2018 que isso aconteceria em três anos.

Em vez disso, a dívida do governo local disparou desde 2020, atingindo quase US$ 8 trilhões (R$ 39 trilhões) no ano passado, e as unidades de empréstimo semiautônomas dos governos locais acumularam trilhões de dólares a mais em empréstimos.

A dívida geral da China aumentou até se tornar consideravelmente maior, em relação à produção econômica do país, do que a dívida nos Estados Unidos e em muitos outros países desenvolvidos.

Yao Yang, diretor da Escola Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim, disse em setembro que os esforços de controle da dívida não tiveram sucesso.

"Entre 2014 e 2018, que deveria ter sido uma janela para reduzir a dívida, a dívida disparou; a situação piorou após 2020", disse ele em um discurso. "Isso indica que as medidas anteriores de redução da dívida foram ineficazes e, em alguns casos, contraproducentes."

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