Descrição de chapéu Todas mercado de trabalho

Trabalho invisível explica por que mulheres têm preferido home office e trabalho flexível

Modelo presencial dificulta a vida daquelas que querem passar mais tempo com os filhos e ter qualidade de vida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A rotina de trabalhar presencialmente somada ao acúmulo de tarefas de casa e os cuidados com filhos estão fazendo mulheres buscarem modelos de trabalho flexíveis ou totalmente remotos —aqueles que não têm horário ou lugar definido ou que podem ser feitos à distância.

Foi o que aconteceu com a executiva de marketing Ana Paula Kurbhi, 46. Antes da pandemia do coronavírus, ela trabalhava em varejo no presencial e, na época, já tinha as maiores responsabilidades domésticas e delegação de tarefas em relação às duas filhas menores de idade.

Retrato da executiva de marketing Ana Paula Fontana Kurbhi,46, no seu canto preferido de sua sala onde faz trabalho remoto ao lado da sua cadelinha Zoe, no seu apartamento no Campo Belo - Eduardo Knapp/Folhapress

Kurbhi conta que, ao fazer declaração de imposto de renda, por exemplo, percebia que não tinha conseguido levar suas filhas ao médico. "Isso porque o trabalho me atropelou, estava presencial o tempo inteiro e não tive tempo", diz. Com a pandemia ela se deu conta de que, ao trabalhar de casa, podia estar mais presente na vida delas, que hoje são adolescentes.

Até que em agosto de 2020 ela saiu do mercado de trabalho e passou mais de um ano procurando por emprego. A vaga certa já não era mais presencial. "Como é que eu ia sumir de novo da vida das minhas filhas?", diz. "O presencial, para quem tem filhos, não fica em pé se não tiver minimamente uma flexibilidade de você conseguir fazer alguma coisa que as crianças necessitam."

Em uma pesquisa "Mulheres em Local de Trabalho", conduzida pela McKinsey & Company em parceria com LeanIn.Org, 38% das mães com filhos pequenos afirmam que, sem flexibilidade no local de trabalho, teriam de abandonar a empresa ou reduzir o horário de trabalho. O estudo foi feito com 276 organizações que empregam mais de dez milhões de pessoas.

Por outro lado, CEOs sinalizam apoio às formas de trabalho presenciais, como mostra o relatório de 2023 da KPMG, que ouviu mais de 1.300 deles. Na pesquisa, 64% dos CEOs globais acreditam que haverá um retorno total ao escritório em três anos.

No centro histórico e financeiro de Londres, empresas estão deixando as práticas flexíveis para voltar ao presencial e, com isso, mulheres estão deixando seus empregos. Foi o que relatou Fiona Mackenzie, CEO do The Other Half, a parlamentares do Reino Unido em outubro, segundo reportagem da Bloomberg.

Para Michelle Levy, CEO da consultoria Filhos no Currículo, o trabalho do cuidado acumulado na figura feminina impede que ela seja protagonista na sua carreira. "É muito desafiador para essa mulher, principalmente mãe, retornar 100% para o presencial nesse cenário", diz. "A gente tem no trabalho flexível, não necessariamente remoto, uma oportunidade maior de conciliação de papéis."

Enquanto diretores de empresas querem a volta aos escritórios, um estudo da Filhos no Currículo em parceria com o Movimento Mulher 360, com 800 pais e mães durante a pandemia, mostrou que quase 60% gostaria de aumentar a modalidade de trabalho remoto pós pandemia.

Entre aqueles que demoravam mais de uma hora no percurso entre casa e trabalho, este percentual sobe para 74%. Para Gabrielle Vasconcelos, 23, o trabalho remoto traz vantagens geográficas e de qualidade de vida. "É muito mais fácil poder conciliar com os demais afazeres da nossa rotina", diz.

Ela está há sete meses em busca de uma vaga de emprego em que possa trabalhar de casa. Vasconcelos é tech recruiter e conta que, após a demissão de um trabalho remoto, precisou ampliar suas candidaturas a vagas que não são da área de tecnologia, mas tem dificuldade para encontrar uma que ofereça o modelo de home office ou flexíveis.

Com isso, Vasconcelos está se aprimorando com cursos da plataforma Plure, que conecta mulheres à empresas, para mudar de área. "Eu estou voltando minha carreira mais para esse lado de dados para que eu possa ter uma oportunidade de emprego no futuro que seja remota", diz.

Para a especialista Sylvia Hartmann, consultora em definição de modelos de trabalho, o trabalho híbrido e flexível deve ser bem estruturada pelas empresas e não pode ser apenas para um grupo seleto na empresa. "Tem um risco muito alto que é: homens solteiros e sem filhos voltarem aos escritórios e as mulheres optarem por ficarem em casa e consequentemente perderem a visibilidade no mundo do trabalho, o assento nas mesas de discussão e a relevância", afirma.

Hartmann afirma também que há uma guerra de poder que não pode ser ignorada. "As pessoas precisam trabalhar, as empresas forçam o retorno aos escritórios, vai haver um atrito cada vez maior, isso vai interferir no engajamento e muitas vão ter que retroceder."

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.