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'Tempo perdido sem motivo': Como os táxis autônomos estão estressando as cidades

Em San Francisco e Austin, Texas, onde os passageiros podem chamar veículos autônomos, os carros têm aumentado a carga de trabalho dos funcionários da cidade

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Yiwen Lu
San Francisco | The New York Times

Por volta das 2h da manhã do dia 19 de março, Adam Wood, um bombeiro de plantão em San Francisco, recebeu uma ligação de emergência e correu para o bairro Mission da cidade para ajudar um homem que estava tendo uma emergência médica. Depois de colocar o paciente em uma ambulância, um carro preto e branco parou e bloqueou o caminho.

Era um veículo autônomo operado pela Waymo, uma empresa de carros autônomos de propriedade da Alphabet, empresa-mãe do Google. Sem um motorista humano para instruir a sair do caminho, Wood falou através de um dispositivo no carro com um operador remoto, que disse que alguém viria buscar o veículo.

Táxi autônomo da empresa Waymo em frente à Praça Alamo, em São Francisco, nos EUA. O veículo é um modelo da Jaguar
Táxi autônomo da empresa Waymo em frente à Praça Alamo, em São Francisco, nos EUA. O veículo é um modelo da Jaguar - Andri Tambunan/The New York Times

Em vez disso, outro carro autônomo da Waymo chegou e bloqueou o outro lado da rua, disse Wood. A ambulância finalmente conseguiu sair depois de ser forçada a dar marcha à ré, e o paciente, que não estava em estado crítico, chegou ao hospital. Mas os carros autônomos acrescentaram sete minutos à resposta de emergência, disse ele.

Sua experiência foi um sinal de como os táxis autônomos estão cada vez mais afetando os serviços da cidade. Em San Francisco e Austin, Texas, onde os passageiros podem chamar veículos autônomos, os carros têm retardado os tempos de resposta de emergência, causado acidentes, aumentado o congestionamento e elevado a carga de trabalho de funcionários locais, disseram policiais, bombeiros e outros funcionários da cidade.

Em San Francisco, mais de 600 incidentes envolvendo veículos autônomos foram documentados de junho de 2022 a junho de 2023, de acordo com a Agência de Transporte Municipal da cidade. Após um episódio em que um carro autônomo da Cruise, uma subsidiária da General Motors, atropelou e arrastou um pedestre, os reguladores da Califórnia ordenaram que a empresa suspendesse seu serviço no mês passado. Kyle Vogt, CEO da Cruise, renunciou no domingo (19).

Em Austin, autoridades da cidade disseram que houve 52 incidentes com carros sem motoristas de 8 de julho a 24 de outubro, incluindo um acidente inédito de um protótipo de táxi-robô sem volante em um "pequeno prédio elétrico".

Para lidar com as consequências, San Francisco designou pelo menos um funcionário da cidade para trabalhar em políticas de carros autônomos e pediu a duas agências de transporte que compilassem e gerenciassem um banco de dados de incidentes com base em chamadas de emergência, postagens em redes sociais e relatórios de funcionários. Neste verão (nos EUA, inverno no Brasil), Austin também criou uma força-tarefa interna para ajudar a registrar incidentes com esse tipo de veículo.

"Muitas pessoas na força-tarefa estão lidando com isso, além das operações normais do dia a dia", disse Matthew McElearney, capitão de treinamento no Departamento de Bombeiros de Austin. "Na minha descrição de trabalho, não diz 'membro da força-tarefa'".

San Francisco e Austin dão uma mostra do que esperar em outros lugares. Embora os carros sem motorista tenham sido testados em mais de duas dúzias de cidades dos EUA ao longo dos anos, esses testes passaram para uma fase mais recente em que motoristas humanos —que antes acompanhavam as corridas de veículos autônomos— não permanecem mais nos carros durante o trajeto. A Waymo e a Cruise, então, começaram a oferecer serviços de táxi totalmente autônomos em algumas cidades com esses carros.

A Cruise suspendeu suas operações de veículos autônomos desde então. Mas a Waymo e outras continuam desenvolvendo e testando seus carros em mercados potenciais e a tecnologia se espalhará, disse Bryant Walker Smith, professor da Universidade da Carolina do Sul que auxiliou o governo federal na direção automatizada.

A Cruise testou seus táxis sem motorista em San Francisco, Austin e Phoenix e planejava expandir para Houston, Dallas e Miami. A Waymo, que oferece as corridas sem motorista em Phoenix e San Francisco, anunciou que lançará seus serviços em Los Angeles e Austin. A Zoox, outra empresa de carros autônomos, disse que planejava introduzir táxi-robôs em San Francisco e Las Vegas, mas não divulgou rm quanto tempo.

Outras cidades onde carros autônomos foram testados estão se preparando para quando os táxi-robôs forem totalmente implantados. O Corpo de Bombeiros de Nashville disse que estava criando um treinamento anual para bombeiros sobre os carros. O Departamento de Bombeiros de Seattle afirmou que incluiu questões de segurança com carros sem motorista às responsabilidades de um funcionário durante cada turno.

Outros municípios disseram que sua experiência com táxi-robôs foi mais tranquila. Kate Gallego, prefeita de Phoenix, onde a Waymo opera serviços de táxi autônomo desde 2020, disse que a empresa se reuniu de maneira extensa com autoridades locais e realizou testes de segurança antes de implantar uma frota de 200 veículos em locais como o aeroporto.

Poucas cidades lidaram tanto com carros autônomos quanto San Francisco. O Google, cuja sede fica próxima ao Vale do Silício, começou a testar veículos sem motorista na cidade em 2009 e introduziu serviços de táxi-robô em novembro de 2022. A Cruise, fundada em San Francisco em 2013, passou a testar seus veículos na cidade em 2015 e ofereceu sua primeira viagem sem motorista para passageiros em fevereiro de 2022.

Centenas de carros percorreram as ruas de San Francisco desde então. Em um determinado momento, a Waymo tinha 250 veículos sem motorista na cidade, enquanto a Cruise tinha 300 durante o dia e 100 à noite. Os moradores frequentemente viam os carros —sedãs equipados com mais de uma dúzia de câmeras e sensores de alta tecnologia, parte girando no teto— passando.

Em julho de 2018, a Agência de Transporte Municipal da cidade pediu a Julia Friedlander, especialista em políticas de transporte, para saber como San Francisco seria afetada pelos carros autônomos. Ela se reuniu com empresas de carros autônomos e reguladores estaduais, que emitem licenças para as empresas testarem e operarem seus veículos, para discutir as preocupações da cidade com segurança e congestionamento.

Após cinco anos, ainda não há padrões de relatórios de segurança e de incidentes para carros sem motorista na Califórnia, disse Friedlander. "Essa é uma mudança tão dramática no transporte que levará muitos anos para que a estrutura regulatória seja realmente finalizada", disse ela.

No ano passado, o número de chamadas de emergência de moradores de San Francisco sobre táxi-robôs começou a aumentar, segundo autoridades locais. Em um período de três meses, foram relatados 28 incidentes, de acordo com uma carta enviada por autoridades da cidade à Administração Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário.

Até junho, os incidentes com carros autônomos em San Francisco haviam aumentado para um nível "preocupante" a ponto de o Departamento de Bombeiros da cidade criar um formulário voltado para incidentes envolvendo veículos autônomos, disse Darius Luttropp, vice-chefe do departamento. Até 15 de outubro, 87 incidentes foram comunicados com o formulário.

"Seguimos em frente com a expectativa de que essa maravilhosa tecnologia funcionará como um motorista humano", disse Luttropp. "Isso não se mostrou verdadeiro."

Wood participou de uma sessão de treinamento de uma semana realizada pela Waymo em junho no centro de treinamento do Departamento de Bombeiros para aprender mais sobre os veículos autônomos. Mas ele disse que ficou desapontado.

"Saímos do treinamento sem saber como fazer um carro parado se mover", afirmou o bombeiro, acrescentando que assumir manualmente o controle do carro leva 10 minutos, o que é muito tempo em uma emergência.

Sua principal conclusão foi que ele deveria bater na janela do carro ou tocar em sua porta para poder falar com o operador remoto do veículo. O operador, então, tentaria religar o veículo remotamente ou enviar alguém para assumir o controle manualmente.

A Waymo disse que atualizou o software para seus carros em outubro, o que permitiria que bombeiros e outras autoridades assumissem o controle dos veículos em questão de segundos.

Após a Comissão de Serviços Públicos da Califórnia, um órgão regulador estadual, votar em agosto para permitir a expansão dos serviços de táxi-robôs em San Francisco, a Waymo e a Cruise começaram a se reunir a cada duas semanas com os departamentos de bombeiros, polícia e gerenciamento de emergências da cidade.

Jeanine Nicholson, chefe dos bombeiros de San Francisco, afirmou que seu departamento está agora em uma negociação melhor com as empresas e acrescentou que a suspensão da Cruise ofereceu um tempo maior para que buscar a resolução de situações de emergência. Mas ela previu mais reuniões e ajustes à medida que outras empresas de veículos autônomos sejam incluídas.

"O tempo está rolando e temos um departamento de bombeiros inteiro —uma cidade inteira— para administrar", disse Nicholson.

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