Descrição de chapéu carro elétrico

Volta de imposto vai encarecer carro elétrico e alterar estratégia das montadoras

Repasse de preços ao consumidor é inevitável, diz executivo da marca chinesa GWM

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São Paulo

A volta da cobrança do imposto de importação sobre carros híbridos e elétricos já era esperada, mas as cotas e os prazos predefinidos surpreenderam as montadoras. Agora, as empresas tentam prever os próximos passos para definir estratégias e preços.

Ricardo Bastos, diretor de relações governamentais da GWM e presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), esperava que a volta da tarifa seria definida após a divulgação do novo programa de estímulo à indústria, que vai substituir o Rota 2030.

Contudo, a nova regra foi publicada no dia 10 pelo Comex (Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A norma estabelece a volta gradual do imposto sobre veículos híbridos e elétricos, com início já em janeiro, e um complexo sistema de cotas.

Carros híbridos e elétricos fazem fila na pista do Electric Experience, na cidade de Tuiuti (interior de S]ão Paulo)
Carros híbridos e elétricos são enfileirados na pista Motor Park durante o Electric Experience, na cidade de Tuiuti (interior de São Paulo) - Divulgação

"Falávamos a algum tempo com o governo, e nossa expectativa era que [a volta da cobrança] ocorresse em uma sequência lógica, para termos as novas regras e, então, comunicarmos às matrizes", diz Bastos. Não estávamos esperando, acreditávamos que haveria quase um ano de prazo para se adequar."

O executivo afirma que a GWM –que se prepara para começar a produzir em Iracemápolis (interior de São Paulo)– avalia como serão feitos os repasses para os preços. "Não tem como absorver isso, vamos ter que repassar, e o problema é que não sabemos como as cotas serão distribuídas. O governo toma medidas de forma tão abrupta que nem sabe como implementá-las."

Segundo o documento divulgado pelo Camex, as empresas têm prazos para obter isenção de imposto dentro de valores predeterminados. No caso dos carros 100% elétricos, por exemplo, as cotas serão de US$ 283 milhões até junho de 2024, de US$ 226 milhões até julho de 2025 e de US$ 141 milhões até 30 de junho de 2026.

A retomada da cobrança das tarifas também ocorrerá em etapas, com diferenças entre os tipos de eletrificação disponíveis no mercado nacional.

Para os veículos 100% elétricos, que hoje são isentos do imposto, a tarifa para os que excederem a cota partirá de 10% em janeiro e chegará a 18% em julho. Em julho de 2025, a alíquota atingirá 25%. A etapa seguinte ocorre em julho de 2026, quando retornará aos mesmos 35% dos modelos a combustão.

Para os modelos híbridos que não dispõem de carregamento na tomada, a alíquota do imposto começará em 12% no mês de janeiro e chegará a 25% em julho de 2024. Um ano depois, passará a 30%, até atingir os 35% em julho de 2026.

No caso dos híbridos plug-in (que podem ser recarregados na tomada), a tarifa partirá de 12% em janeiro e passará a 20% em julho. Um ano depois chegará a 28% e, em julho de 2026, a 35%.

A montadora chinesa BYD também será afetada pela volta do imposto. Henrique Antunes, diretor de vendas e de pós-vendas da empresa, afirma que, antes de se pronunciar, a marca vai esperar a publicação da portaria que definirá os critérios de distribuição das cotas.

A marca, que vai produzir carros híbridos e elétricos na Bahia e foi beneficiada pela prorrogação dos benefícios para quem produz no Nordeste, tem um discurso cauteloso.

"É cedo para opinar sobre isso, estamos vindo com produção, precisamos de tempo. Mas em função da capacidade produtiva global, conseguimos ter uma competitividade muito grande até quando comparados com veículos a combustão", diz Antunes.

O Camex prevê para dezembro o detalhamento do regime de cotas. Ainda não se sabe quais serão os critérios de distribuição dos valores.

A conversa com o executivo da BYD ocorreu na quinta (16), durante a terceira edição do Electric Experience. O evento realizado em Tuiuti (interior de São Paulo) reuniu 35 carros eletrificados (elétricos e híbridos plug-in), que foram disponibilizados para testes no autódromo Motor Park.

Cerca de 600 pessoas pagaram R$ 150 de ingresso para conhecer os veículos. Idealizador do evento, o empresário Cacá Clauset disse que a percepção sobre esses automóveis mudou rapidamente.

"Há dois anos, as perguntas que os participantes mais faziam eram sobre a autonomia dos carros elétricos, que ainda eram modelos de sonho, de marcas premium. Mas, então, entramos em uma nova faixa de preço, com modelos BYD, Geely e Renault, e agora grande parte do público vem para conhecer o veículo que pretende comprar", afirmou Clauset. "A mudança ocorreu em um espaço de tempo muito curto."

Antunes confirma que está havendo um movimento rumo aos eletrificados. "Quase que a totalidade dos carros que entram na troca pelos modelos da BYD têm motorização apenas a combustão."

O aumento do interesse por carros híbridos e elétricos no Brasil influenciou a retomada da cobrança. Empresas que já têm fábricas no Brasil, representadas pela Anfavea (associação das montadoras), fizeram pressão pela volta do tributo.

A isenção do imposto de importação para veículos elétricos teve início em outubro de 2015. Na época, o Camex determinou ainda a redução para modelos híbridos, que deveriam seguir uma tabela de eficiência energética para ter a tarifa zerada ou pagar uma alíquota que varia de 2% a 7%.

A medida aqueceu o mercado. Em 2016, foram emplacados 1.091 automóveis eletrificados no Brasil, segundo a ABVE. Neste ano, entre janeiro e outubro, houve o emplacamento de 67.047 unidades.

"O longo período de isenção foi importante e suficiente para a introdução dessas tecnologias no Brasil, e o aumento gradual do Imposto permitirá ainda a importação desses veículos sem grandes impactos nos próximos anos", diz a nota divulgada pela Anfavea logo após a divulgação do retorno da cobrança.

Para o advogado tributarista Leonardo Roesler, sócio do escritório RMS, a aplicação do imposto de importação sobre o valor de entrada do veículo no Brasil, ao invés de sobre o preço de venda, é um problema.

"Tal prática implica um impacto desproporcional sobre o custo total, considerando as múltiplas camadas de tributação já existentes, que oneram adicionalmente o produto final."

Eis aí outro ponto que gera controvérsia entre as montadoras envolvidas. Além de ocorrer antes de o programa substituto do Rota 2030 ser conhecido, o modelo de retomada da tarifa pode se tornar ultrapassado com a implementação da Reforma Tributária.

"A medida parece ignorar que os fabricantes que atendem ao segmento de entrada, responsáveis por tornar a mobilidade elétrica mais acessível, terão de repassar os custos adicionais aos clientes", afirma Roesler.

"Isso, inevitavelmente, conduzirá a um aumento nos preços finais, diminuindo o poder de compra do consumidor brasileiro e, por consequência, afetando negativamente a adoção de veículos menos poluentes."

Para as empresas chinesas, que vão iniciar a produção de carros híbridos e elétricos no país entre o fim de 2024 e o início de 2025, o momento é de intensificar as agendas de conversas com ministros e governadores. Uma das preocupações é a distribuição das cotas. Há o medo de montadoras que já produzem serem beneficiadas.

Marcas como Fiat, Jeep e Volkswagen já confirmaram a montagem local de carros híbridos e elétricos. Por enquanto, apenas a Toyota oferece modelos nacionais que se enquadram nessa categoria: as versões 1.8 Hybrid Flex do sedã Corolla e do SUV do Corolla Cross.

Sem planos de produzir no Brasil, a Kia Motors passa por mais um momento tenso em seus 30 anos de atuação no país, mas busca se adequar à nova realidade. Logo após o anúncio das medidas do Camex, o grupo que representa a marca sul-coreana lançou uma campanha nacional de vendas.

"Antecipe sua compra e aproveite a linha de híbridos da Kia sem aumento de imposto", diz a peça publicitária. Ainda não há, contudo, como saber quanto os carros custarão após a implementação das novas tarifas.

A empresa está no país há 30 anos por meio de importação oficial comandada por José Luiz Gandini, presidente da Kia Brasil. O executivo não quis comentar a retomada do imposto, mas esse não é o primeiro problema tributário que a empresa precisa encarar.

Em 2011, Gandini era o presidente da Abeifa (associação dos importadores) quando foi anunciada a sobretaxa de 30% no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que paralisou o mercado de carros importados. A medida era embasada pelos mesmos argumentos de hoje: a ameaça dos carros vindos de fora à indústria nacional.

A Kia vivia seu melhor ano no país, com quase 80 mil carros emplacados ao longo daquele ano. De lá para cá, passou por crises econômicas, problemas logísticos e escassez de produtos disponíveis para importação.

"De modo resumido, a trajetória da Kia Brasil pode ser traduzida pela definição da palavra resiliência", disse Gandini em agosto, em meio às celebrações dos 30 anos de atuação.

"Desde o momento do início das operações, até os dias de hoje, passando por momentos de altos e de baixos do setor de importação, ora com medidas governamentais de proteção à indústria nacional, ora com instabilidades cambiais."

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