Descrição de chapéu Folhajus Sabesp

Procuradoria vê 'afronta' em decreto de Tarcísio que facilita privatização da Sabesp

Parecer diz que poder de voto nas Uraes é maior para governos do estado e capital, ferindo autonomia de outros municípios

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São Paulo

A PGR (Procuradoria-geral da República) emitiu nesta quarta-feira (13) um parecer defendendo que parte do decreto publicado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) em agosto —facilitando o processo de privatização da Sabesp— é inconstitucional.

Em manifestação enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal), a procuradora-geral interina, Elizeta Maria de Paiva Ramos, acatou parcialmente uma ação direta de inconstitucionalidade protocolada pelo PSOL e PT.

Os partidos questionaram diversas atribuições da Unidades Regionais de Abastecimento de Água e Esgotamento, que reúnem os municípios em uma espécie de conselho deliberativo. As chamadas Uraes são consideradas um trunfo para o governo de Tarcísio, pois permitem que a renegociação e prorrogação dos contratos de todos os municípios com a Sabesp sejam feitas em bloco, em vez de individualmente. Isso facilitaria o processo de privatização da companhia.

Em nota, o Governo de São Paulo disse que vai prestar todos os esclarecimentos adicionais ao STF.

A procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos, durante cerimônia no STF, em Brasília - Evaristo Sa - 28.set.2023/AFP

O decreto contestado é o 67.880/2023, publicado em agosto de 2023, que regulamenta a adesão dos municípios às Uraes e a estrutura de governança do conselho deliberativo.

No parecer, a Procuradoria desconsiderou algumas interpretações feitas pela oposição, mas concordou que trechos da norma são inconstitucionais ao afrontar a autonomia de cidades que integram os blocos.

Os trechos em questão tratam do peso que os representantes de estados e municípios têm nas deliberações. A PGR discordou da forma de cálculo, que atribui mais votos ao estado e à capital.

"Com efeito, concentrar poder decisório ao alvedrio de apenas um ou dois entes federativos no âmbito das unidades regionais de saneamento básico resulta tanto em afronta abstrata à autonomia dos outros municípios dela integrantes, quanto pode ensejar que sejam proferidos atos concretos dentro da mesma unidade amplamente favoráveis aos entes com maior poder de decisão", diz o parecer.

A capital paulista, por exemplo, faz parte da Urae 1, que é composta por 370 dos 375 municípios atendidos pela Sabesp. O governo estadual também é um integrante.

No entanto, 37% dos votos no conselho deliberativo da unidade pertencem ao estado, e 19% ao município de São Paulo. Ou seja, juntos, capital e governo formam maioria (56%) para decidir sobre a celebração de contratos, convênios e parcerias de saneamento.

"Assim, ainda que os demais 369 integrantes da Urae 1 e os representantes da sociedade civil discordem de eventual decisão tomada pelos representantes do estado e da capital, não haverá alternativa", destaca a procuradora-geral interina, acrescentando que a fórmula de cálculo do decreto de Tarcísio tende a resultar na concentração de poder decisório nas mãos de poucos entes.

O Governo de São Paulo afirmou que vai esclarecer para o STF que o peso do estado na Urae, de 37%, não caracteriza concentração de poder decisório, uma vez que os municípios somados contam com 57% e a sociedade civil com 6%.

"Além disso, o Governo de SP conversa com todos os municípios para definir o novo contrato de concessão, os investimentos obrigatórios para cada localidade, os indicadores de qualidade e as metas a serem atingidas pela Sabesp", diz nota.

Como mostrou reportagem da Folha, a nova frente de batalha da privatização da Sabesp será com prefeituras e câmaras municipais. A situação da capital ilustra bem a situação.

Uma lei municipal estabelece que os contratos "serão automaticamente extintos se o estado vier a transferir o controle acionário da Sabesp à iniciativa privada." O dispositivo colocaria a Câmara dos Vereadores de São Paulo diretamente envolvida nas negociações sobre a privatização —principalmente pelo peso desproporcional que a capital tem nas receitas da companhia: 45%.

No entanto, em agosto, no mesmo dia da publicação do decreto de Tarcísio, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) assinou a adesão de São Paulo à Urae.

Com isso, o governo estadual passou a considerar que toda a negociação seria feita em conjunto, no âmbito do conselho deliberativo em que Prefeitura e Palácio dos Bandeirantes somam 56% dos votos.

Para o deputado estadual Emidio de Souza (PT), que coordenou a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), o parecer da PGR confirma a tese de que o processo de privatização da Sabesp foi construído em fragilíssima base jurídica.

A ação direta de inconstitucionalidade contestando o decreto está sob relatoria do ministro André Mendonça, que solicitou os pareceres da PGR e da Advocacia Geral da União.

A manifestação da AGU saiu no mês passado, em tom semelhante ao que a Procuradoria emitiu nesta quarta. O órgão também viu inconstitucionalidade na redação do artigo que versa sobre o peso dos votos e defendeu que o "desequilíbrio na avaliação decisória" resulta em indevida concentração da vontade da representação estadual.

Para o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT), os dois pareceres são importantes para orientar a decisão que Mendonça deve tomar, se não agora —por conta do recesso de final do ano—, já no início de 2024.

"Isso pode modificar aquilo que o governador imaginava como um passo importante, que era a criação das Uraes do jeito que ele fez. Se a decisão do Supremo for favorável à nossa ação, significa retomar todo o debate a partir dos municípios, algo que ele está tentando evitar", afirmar.

André Mendonça foi ministro do governo de Jair Bolsonaro (PL), assim como Tarcísio. No entanto, Fiorilo não acredita que essa relação possa facilitar uma decisão que favoreça o governo de São Paulo.

"Acho que o ministro tem todas as condições de tomar uma decisão independente de relações políticas. Até porque ele tem se posicionado dessa forma já ao longo desse período em que ele assumiu."

Segundo Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, sócio de Giamundo Neto Advogados, após os pareceres, o processo será agora analisado pelo ministro.

"Eventualmente, os autores e amicus curae [partes interessadas] vão se manifestar. Aí já é possível ter uma decisão. Às vezes demora muito, às vezes é um pouco mais rápido. Neste caso específico —tendo em vista toda a repercussão do caso da Sabesp e toda a questão do precedente para o setor de saneamento— , eu não acredito numa decisão muito demorada"

Graziano diz que Mendonça poderia tomar uma decisão individualmente suspendendo a vigência deste artigo. "Mas eu acho pouco provável. Ele vai disponibilizar o voto aos colegas e levar a plenário."

De acordo com o advogado, caso o Supremo decida que o trecho do decreto é inconstitucional, somente a parte contestada cai. "O STF pode decidir por uma modulação dos efeitos, preservando as decisões havidas até o momento, ou pode anular todas as decisões tomadas com base nesse dispositivo", afirma. "Eu acho bastante provável que haja uma modulação, respeitando as decisões e estabelecendo um prazo para adequação do instrumento", acrescenta.

Parecer da PGR discorda de outros pedidos da oposição

A manifestação da Procuradoria conclui pela admissão parcial da ação protocolada pelo PT e PSOL. Demais pedidos de inconstitucionalidade foram desconsiderados, como um que questionava a competência das Uraes para deliberar acerca da celebração de contratos, convênios e parcerias.

Segundo o parecer, quando a titularidade do serviço é compartilhada, as competências também o são. Por isso, conferir tal poder aos conselhos não viola a legislação federal.

Para Graziano, mesmo que o STF conclua pela inconstitucionalidade do trecho, há poucas chances de que a privatização da Sabesp seja atrasada ou inviabilizada.

"Na verdade, o cenário fica muito mais positivo para o governo do estado, porque as inconstitucionalidades que colocariam o modelo em xeque foram afastadas. O que remanesceu é só uma questão sobre como decidir, que eu acho superimportante. De fato, não faz sentido o estado ter essa preponderância toda, até porque se trata de um serviço municipal", diz.

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