Um dos eventos mais destacados durante a Cúpula UE-Celac (União Europeia-Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) de julho do ano passado foi o lançamento do novo programa de investimentos da União Europeia, chamado de Global Gateway, que contou com a presença da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros líderes das duas regiões.
Como resposta ao avanço da presença chinesa na América Latina através da Iniciativa da Rota da Seda, a União Europeia, atualmente maior investidor externo na região, busca manter a América Latina no seu radar econômico, especialmente quando diversificar seus parceiros globais se torna cada mais relevante.
Os projetos anunciados, que totalizam 45 bilhões de euros (R$ 240 bilhões), abarcam temas como mudanças climáticas e energia, digital, saúde, educação, ciência e tecnologia e transporte.
No caso do Brasil, os projetos lançados até o momento centram-se na área ambiental e energética, especialmente com relação à produção do chamado hidrogênio verde. Exemplo mais recente foi a contribuição europeia de 2 bilhões de euros (R$ 10 bilhões) para a produção de hidrogênio verde no Estado do Piauí, com participação de empresas espanholas e croatas, que será exportado para a Europa e outras regiões do mundo.
Uma das críticas mais frequentes aos novos projetos europeus na região questiona em que medida eles podem ajudar a superar uma relação comercial assimétrica entre Europa e América Latina marcada tradicionalmente pelo neoextrativismo, ou seja, a extrema predominância de bens e produtos primários (produtos agrícolas e minérios) na pauta exportadora latino-americana.
Ao mesmo tempo, líderes europeus prometem que novas iniciativas como o Global Gateway trarão maior desenvolvimento das cadeias de valor da América Latina, contribuindo com as propostas da região de neoindustrialização e de superação do neoextrativismo.
Os investimentos europeus surgem em um momento estratégico, marcado pelo aumento da demanda de matérias-primas críticas (minerais como lítio, cobre, cobalto, nióbio), fundamentais para a produção de baterias, painéis solares e turbinas eólicas que possibilitarão a transição energética na Europa e no resto do mundo.
No entanto, permanece a resistência dos setores europeus à maior abertura aos produtos latino-americanos, algo observado nos recentes protestos dos agricultores europeus contra o aumento dos padrões ambientais europeus e na resposta do presidente francês, Emmanuel Macron, a favor da paralisação das negociações comerciais União Europeia-Mercosul.
No caso do Mercosul, sem a possibilidade de um acordo com os europeus, o bloco precisará buscar alternativas comerciais com outros parceiros e regiões do mundo, especialmente aqueles situados na região da Ásia-Pacífico, atual vetor econômico-comercial mundial.
O acordo firmado entre Mercosul e Singapura em dezembro de 2023 foi emblemático nesse sentido. Além disso, as movimentações do presidente uruguaio, Lacalle Pou, em assinar um acordo com a China, seja no marco do Mercosul, seja individualmente, faz parte dessa abertura para a Ásia.
No entanto, uma abertura agressiva do Mercosul para o mercado asiático poderia ocasionar ainda mais fricções no bloco, que recorrentemente tem sido impactado pela polarização política, hoje marcada pelas diferenças ideológicas entre o Brasil de Lula e a Argentina do ultraliberal ou ‘anarco-capitalista’ Javier Milei.
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