Uruguai cogita sair do Mercosul por impasse em acordo com China

Chanceler Francisco Bustillo faz oposição a Lula e critica travas no acordo do grupo com a UE durante cúpula em Puerto Iguazú

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Puerto Iguazú (Argentina)

O chanceler do Uruguai, Francisco Bustillo, indicou nesta segunda (3) que o país cogita deixar o Mercosul como Estado-membro caso o bloco não "se flexibilize". Montevidéu insiste há dois anos na ideia de firmar um acordo bilateral com a China —o que Brasil e Argentina veem como violação às normas do grupo.

"[A participação no bloco] é algo que, sem dúvida, em algum momento, o Uruguai terá que considerar", disse Bustillo à imprensa uruguaia após reunião de ministros. "Seja para modificar o próprio tratado fundador ou cogitar a possibilidade de sair do Mercosul como Estado fundador e se tornar associado."

O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, participa de encontro com líderes sul-americanos ao lado de seu chanceler, Francisco Bustillo
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, participa de encontro com líderes sul-americanos ao lado de seu chanceler, Francisco Bustillo - Sergio Lima - 30.mai.23/AFP

Ele ponderou, no entanto, que a decisão teria de passar por várias instâncias. "Todas essas considerações, sobre a mesa como uma possibilidade, são questões que me transcendem e que serão consideradas por todas as forças políticas que compõem o Uruguai", acrescentou após o encontro em Puerto Iguazú.

O Mercosul hoje é formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e tem como países associados os outros sete sul-americanos, com exceção da Venezuela, suspensa em 2016 por violar as cláusulas do bloco. Já a Bolívia está desde 2012 em um processo de adesão que depende da aprovação do Congresso brasileiro —o chanceler Mauro Vieira afirmou que quer avançar nos trâmites nos próximos meses.

Questionado sobre a existência ou não de estudos jurídicos sobre a eventual saída do bloco, o ministro Bustillo afirmou: "Existem estudos. Os caminhos podem ser percorridos. O mais importante seria que existisse a vontade política, assim como existia na época de ingressar no Mercosul e fundá-lo".

Procuradas, as chancelarias do Brasil, da Argentina e do Paraguai não comentaram as declarações de Bustillo. Segundo membros do governo brasileiro que participaram das reuniões, uma eventual saída do Uruguai não chegou a ser citada na cúpula de ministros. O país, dizem, participou ativamente dos debates.

O uruguaio usou o discurso para pressionar por flexibilização. "A China aguarda, o Uruguai aguarda. Como temos falado reiteradamente, para o Uruguai é sempre melhor estar acompanhado, em qualquer mesa de negociação, de Argentina, Brasil e Paraguai. […] A única coisa que não vamos permitir é o imobilismo."

Bustillo também fez oposição ao presidente Lula (PT), que vem criticando novas exigências ambientais da União Europeia para ratificar o acordo de livre-comércio cujas negociações já duram mais de 20 anos. O Itamaraty afirmou que deve apresentar uma resposta às exigências "em alguns dias". "Sobre a UE, basta dizer que lamentamos não ter conseguido corresponder às nossas propostas, expectativas e circunstâncias. No início deste semestre concordamos que a prioridade seria a UE", disse o chanceler.

"Ao final desta Presidência [semestral] da Argentina, confirmamos que não avançamos nas negociações. Tínhamos acertado um cronograma de reuniões para todo o semestre entre as delegações do Mercosul e da UE, e nenhuma delas pôde ser realizada", continuou.

Em janeiro, o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, já havia criticado o que chama de protecionismo do Mercosul na Cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Ele pediu que líderes da região parassem de "reclamar para dentro" e compreendessem que é preciso avançar na integração global. O discurso destoou do de seus correspondentes do Brasil e da Argentina, que falavam em uníssono na necessidade de combater o avanço da ultradireita. Na ocasião, Mauro Vieira afirmou em entrevista à Folha que a efetivação das negociações com a China significaria a destruição do bloco.

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