Lei da renda básica completa 20 anos sem previsão para ser totalmente implementada

Autor do projeto, Eduardo Suplicy quer que governo Lula avance no desenho do programa de renda mínima

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Brasília

"Essa lei só vai se transformar num barco completo quando colocarmos esse barco no mar", disse o presidente Lula (PT) em 8 de janeiro de 2004, quando sancionou a lei que instituiu a renda básica no Brasil.

Lula agora está no terceiro mandato. A lei completa 20 anos nesta segunda-feira (8) e ainda não há previsão de quando um programa de renda mínima, no modelo previsto, entrará em funcionamento.

A lei prevê que todos os brasileiros, independente da condição socioeconômica, recebam anualmente um benefício monetário. O texto diz que isso começaria em 2005, mas com implementação em etapas, priorizando a população de renda mais baixa.

Casal em Belágua (MA), cidade em que havia fila para o Bolsa Família em 2020 - Junior Foicinha - 28.jan.20/Folhapress

Especialistas dizem que o Bolsa Família, programa social vitrine do PT, não se encaixa nas definições de um programa de renda básica por prever condições para continuar a receber a transferência de renda.

Outro fator é a abrangência do programa. O Bolsa Família inclui cerca de 20 milhões de lares, o que representa quase 50 milhões de pessoas, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social.

"Mas como assim vamos pagar [a renda básica] a todos? A mim, a você e ao mais bem-sucedido empresário brasileiro? Sim. Por que não estendemos a todos, ricos e pobres, o direito de partilhar pelo menos um pouco da riqueza comum de nossa nação?", diz o deputado estadual de São Paulo Eduardo Suplicy (PT), que foi autor da lei quando era senador.

Suplicy tem pedido que o governo Lula dê mais um passo para avançar no programa de renda básica e crie um grupo com economistas e especialistas para debater o tema. O objetivo é que as próximas etapas sejam colocadas em prática.

"Está na hora de chegar lá. Estou insistindo, com apoio de economistas. O Brasil pode ser o campeão do mundo em adotar pela primeira vez a renda básica universal", afirmou o deputado estadual. Ele espera que, no terceiro mandato, Lula consiga criar a renda mínima para todos os brasileiros.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social disse que a implementação da lei "será feita de forma gradativa, levando em consideração as condições socioeconômicas do país e a realidade territorial diversa existentes". Informou ainda que a criação do grupo de trabalho é uma ideia positiva e deve ser um esforço coordenado entre todas as áreas do governo e também dos demais Poderes, mas a pasta não previu um prazo para a ação.

Em abril de 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o governo federal teria que implementar a partir de 2022 um programa de renda básica nacional. O valor a ser pago mensalmente deve ser definido pela União.

Segundo o Supremo, o benefício deve abranger toda população que esteja em situação de extrema pobreza, com renda mensal pessoal inferior a R$ 178.

O ministério diz que isso foi cumprido no novo Bolsa Família, que, pela primeira vez, prevê um valor mínimo por membro da família.

Suplicy também acredita que a decisão do STF foi acatada pelo governo. Mas o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, discorda dessa avaliação.

"A lei do novo Bolsa Família estabelece que é a primeira etapa da renda mínima, pelo menos do ponto de vista legal. Isso não quer dizer que na prática essa implementação esteja ocorrendo, inclusive nós temos tratativas com o governo federal para demonstrar que mais ações precisariam ser tomadas para se considerar que de fato está se cumprindo a lei. O Bolsa Família olha para a família. A lei da renda básica olha para o indivíduo", declarou Ferreira.

Ele cita como exemplo a necessidade de fazer o planejamento das próximas etapas e evitar o desligamento imediato de famílias que por acaso passem a descumprir regras do Bolsa Família, além da criação do grupo de trabalho, apontado por Suplicy, justamente para traçar um plano para implementar a lei.

Se não houver avanços em 2024, a Rede Brasileira de Renda Básica avalia acionar o Supremo novamente. "Estamos chegando perto de um ponto em que vai ser preciso chegar ao STF com uma reclamação de descumprimento da decisão se o governo não agir com um pouco mais de proatividade do que simplesmente colocar um artigo na lei do Bolsa Família".

Os defensores do programa de renda mínima argumentam que a política seria mais eficiente se todos receberem o benefício —sem a necessidade de burocracia de comprovação de renda mensal (no Bolsa Família, há um teto para entrar). No caso dos mais ricos, que também receberiam o benefício, haveria uma compensação, como pagamento a mais de impostos para viabilizar financeiramente o programa.

Ferreira diz que atualmente os benefícios dados no Imposto de Renda a pessoas ricas, como deduções, são mais generosos do que os valores distribuídos à população mais vulnerável.

Eduardo Suplicy (PT), deputado estadual, durante caminhada na Bela Vista, centro de São Paulo
Eduardo Suplicy (PT), deputado estadual, durante caminhada na Bela Vista, centro de São Paulo - Karime Xavier-16.fev.2023/Folhapress

A decisão do STF de 2021 foi tomada em ação apresentada pela DPU (Defensoria Pública da União). Para o defensor público federal Geórgio Endrigo da Rosa, "ainda não houve o cumprimento [da decisão] porque o benefício não está sendo pago a todas as pessoas que se encontram em situação de pobreza".

Por isso, a DPU tem pedido ao Supremo para garantir o pagamento da renda a todos desse grupo e tem atuado junto ao governo federal por meio do Comitê Temático Renda Básica Cidadã do órgão.

"O Bolsa Família é o embrião de uma renda básica. Um programa de renda básica, ao meu ver, deveria garantir o mínimo necessário para uma pessoa sobreviver, ou seja, custear a alimentação e moradia de quem não tem condições de arcar com estas necessidades básicas", disse o defensor.

Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, avalia que as dificuldades orçamentárias da União e visões de grupos sociais do país são entraves para a criação de um programa de renda mínima universal.

"Culturalmente no Brasil é e será muito difícil implementar algum tipo de distribuição de renda sem condicionante [regra para permanecer recebendo o benefício, como manter filhos na escola]. Temos uma elite muito preconceituosa. Abrir mão de condicionantes, que é um conceito central de renda básica, é muito difícil", disse.

Para ela, o caminho então deverá ser uma expansão do Bolsa Família com aprimoramentos, como sinergia com programas de profissionalização e ensino técnico.

"Se não tivesse nada próximo [de uma renda básica], a gente estaria com um problema no país. Mas acho que o Bolsa Família atropelou o processo, ele dá resultados, ele tem ganhos. Ficou tão caracterizado como uma política pública de sucesso que o natural seria o Brasil aperfeiçoar esse processo do Bolsa Família, em vez de acabar organizando e implementando a renda básica", afirmou.

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