Descrição de chapéu Financial Times América Latina

México gasta US$ 2,8 bilhões para reformar ferrovia e ser opção ao Canal do Panamá

Governo investe em ferrovia de 1907 para atrair empresas de logística e transporte

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Christine Murray Oliver Telling
Cidade do México e Londres | Financial Times

O governo do México está reformando uma ferrovia entre o Golfo do México e o Oceano Pacífico que estava em declínio há mais de um século, em uma audaciosa tentativa de se transformar em uma opção para o tráfego de contêineres do Canal do Panamá.

O trecho do Istmo de Tehuantepec custará US$ 2,8 bilhões (cerca de R$ 14,1 bilhões) e contará com uma ferrovia de 308 km entre os renovados portos de Salina Cruz, no estado de Oaxaca, e Coatzacoalcos, em Veracruz. Ao longo de rota, estão parques industriais próximos a centros de transporte, e também aeroportos. A abertura está prevista para esta virada de ano, e já foram realizados testes com trens percorrendo a rota.

Trem realiza testes na ferrovia do Istmo de Tehuantepec, no México
Trem realiza testes na ferrovia do Istmo de Tehuantepec, no México - Divulgação/Presidência do México/Reuters

O projeto busca aproveitar o desejo das multinacionais de estarem mais próximas dos Estados Unidos e os períodos de baixo nível de água do Canal do Panamá, à medida que a região sofre secas cada vez mais frequentes. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, trata a ferrovia como parte de uma estratégia para atrair investimentos para o sul do país, que é uma área mais pobre. Porém ele enfrenta o questionamento de empresários da indústria sobre o sucesso da empreitada.

De acordo com o governo, a ferrovia fará o percurso em 6h30, excluindo o tempo de carregamento, o que traria uma vantagem em relação ao Canal do Panamá, já que as embarcações demoram entre 8 a 10 horas para atravessar o canal de 80 km.

"O México agora é um dos cinco países mais atraentes do mundo", disse a ministra da Economia, Raquel Buenrostro. "Não há como isso não se desenvolver."

Mas especialistas avaliam que pode levar anos para construir infraestrutura suficiente e criar as indústrias subjacentes para atrair as principais empresas logísticas do mundo. O custo adicional, o tempo e a insegurança de descarregar contêineres em um trem com uma fração da capacidade de um navio e, em seguida, de volta para um navio em Coatzacoalcos, no Golfo do México, são outros obstáculos para convencer o mercado, dizem especialistas da indústria logística.

Empresas de navegação, grupos de frete e operadores de terminais portuários ainda não mostraram interesse na ferrovia do México, afirmam os especialistas. Somado a isso, a primeira leva de parques industriais deve atrair principalmente investimentos mexicanos, segundo o governo. O sucesso do corredor dependeria da criação de indústrias sustentáveis no sul do país, analisam os especialistas.

"O dia em que nossos clientes decidirem investir em manufatura, isso poderia impulsionar a demanda, o que poderia ser interessante para nós", disse Lars Ostergaard Nielsen, chefe de entrega ao cliente das Américas na AP Moller-Maersk, o segundo maior grupo de transporte de contêineres do mundo.

Se mais manufaturas fossem para o sul, o trecho ferroviário no México "poderia ser muito útil", avalia Nielsen, acrescentando que, sem essa tendência, haveria "menos demanda" pelo trem.

O México gastou cerca de US$ 2,8 bilhões (cerca de R$ 14,1 bilhões) no projeto, informou a ministra da Economia, incluindo a modernização da ferrovia, a compra de terras para parques industriais e a aquisição de máquinas e vagões novos. Doze empresas, principalmente mexicanas, participaram dos leilões dos parques industriais, com 30 lances em cinco locais.

Buenrostro diz que que a construção poderá começar no próximo ano e criar 10.000 empregos diretos. "Nós estamos muito confiantes de que esses parques crescerão automaticamente", afirma.

Canal do Panamá e a seca de 2023

Uma das piores secas já registradas atingiu o Canal do Panamá, que depende de grandes volumes de água doce para sua operação, em 2023. Seus operadores restringiram o peso das embarcações nas travessias e, pela primeira vez, reduziram quantos navios podem cruzar por dia para 31, cinco a menos que a média.

O tempo médio de espera para os maiores petroleiros que transportam gás natural liquefeito para o norte através do Canal do Panamá chegou a 20 dias em agosto. No mesmo período do ano passado, a espera mínima foi de oito dias, segundo a agência de navegação Norton Lilly.

Foto aérea mostra a seca no lago Alhajuela, um dos principais fornecedores de água para Canal do Panamá
Em abril deste ano, seca atingiu o lago Alhajuela, um dos principais fornecedores de água para Canal do Panamá - Luis Acosta/AFP

O tráfego regular de contêineres, que o México está tentando atrair, foi menos afetado porque seus espaços são reservados com uma antecedência maior. Para o governo mexicano, os problemas enfrentados no canal do Panamá são uma oportunidade para estabelecer a ferrovia do Istmo de Teahuntepec como alternativa.

Na fase inicial, a linha ferroviária de via única atenderá trens de passageiros e de carga simultaneamente. Os seis trens de carga são capazes de transportar 260 TEUs em duas viagens por dia, de acordo com o governo. O TEU é uma unidade de carga inexata usada para descrever um contêiner de comprimento de 20 pés, cerca de 6,1m.

No total, os seis trens de carga teriam capacidade de transporte anualmente até 1,14 milhão de TEUs, o que está muito aquém dos 10,9 milhões de TEUs transportados em navios porta-contêineres pelo Canal do Panamá em 2022, segundo a provedora de dados MDS Transmodal.

"Um trem não é o mesmo que um navio. Você tem que considerar as proporções. Mas, dadas as alterações que estamos vendo com as mudanças climáticas, é uma alternativa real e cada vez mais importante", afirma Buenrostro sobre a ferrovia de Tehuantepec.

Uma apresentação feita pelo governo em setembro projetou que 304.688 TEUs passariam pelo corredor do Istmo em 2028 e 1,3 milhão de TEUs até 2036.

O diretor do Canal do Panamá, Ricaurte Vásquez Morales, avaliou que o projeto mexicano poderia ser uma ameaça competitiva se o canal ficasse literalmente sem água, o que considera muito improvável de acontecer.

"Definitivamente, a solução mexicana poderia ser uma ameaça potencial para a operação panamenha", afirmou Morales em entrevista recente, acrescentando que uma rota alternativa só seria necessária "se estivéssemos em uma situação em que não houvesse água alguma, e não antecipamos isso".

Para mitigar os problemas, o Panamá já oferece transporte rodoviário e ferroviário em seu istmo, disse Morales. A autoridade do canal também discutiu um novo projeto de reservatório para fornecer água doce.

Projeto de governo através dos trilhos

A visão de López Obrador para a região do istmo faz parte de uma ambiciosa revitalização das ferrovias de passageiros do país, que em sua maioria caíram em desuso durante o século 20. A linha de Tehuantepec, construída por uma empresa de engenharia britânica para o governo do ditador Porfirio Diaz, foi inaugurada em 1907, mas a Revolução Mexicana e a abertura do Canal do Panamá sete anos depois devastaram os negócios.

A ferrovia do Istmo de Tehuantepec pode ser interligada, eventualmente, ao circuito do Trem Maia de US$ 30 bilhões, obra feita pelo governo na parte sul do país e que é voltada para turistas, e a uma nova refinaria de petróleo de US$ 18 bilhões, enquanto López Obrador busca espalhar o dinheiro com megaprojetos governamentais. Ele entregou a operação da maioria de seus projetos às forças armadas do país, com a ferrovia de Tehuantepec sendo administrada pela Marinha.

Construção da ferrovia do Trem Maia em meio a uma floresta na cidade de Uman, no México
Ferrovia do Trem Maia é uma das obras que estão sendo feitas pelo governo mexicano - Pedro Pardo - 05.abr.2023 / AFP

Em maio, os fuzileiros navais apreenderam uma parte da linha que estava sob concessão do Grupo México para ajudar a expandir sua rede, em um ato mal visto pelos investidores privados. Na mesma semana, fracassou a negociação da aquisição da unidade mexicana do Citigroup pelo grupo Banamex.

Alcançar as metas esperadas pelo governo será difícil sem portos capazes de lidar eficientemente com navios cada vez maiores, com embarcações menores com custos cada vez maiores e criando mais poluição por contêiner. Um representante da indústria portuária marítima afirmou que os mais de US$ 400 milhões necessários para construir a infraestrutura portuária apresentavam muitos riscos: "É um investimento muito alto... sem um mercado".

Buenrostro diz que a expansão dos portos em cada extremidade da rota ferroviária despertou interesse de empresas de logística, que esperam ver quais indústrias vão se estabelecer ao longo do trajeto.

"Eles estão chegando naturalmente", afirma a ministra. "No momento, estamos reunindo os elementos para ligar oferta e demanda e atrair a logística que é realmente a mais eficiente para a área".

Mas Christian Sur, vice-presidente executivo de frete marítimo da Unique Logistics, está cética com o projeto: "A pergunta é sempre a mesma. Quando há uma rota alternativa disponível, eles [importadores] vão dizer: 'é confiável? Eu não quero ser o primeiro a usá-la'".

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