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Conheça cinco mulheres de negócios que estão na dianteira da transição energética no Brasil

Setor de energia renovável traz executivas pensando em diversidade e sustentabilidade

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São Paulo

Uma das formas de se pensar em como frear os impactos da crise climática é reduzindo o consumo de energias fósseis, utilizando energias renováveis. Esse foi um dos pontos discutidos na COP28, realizada no início de dezembro, cujo relatório sugere a transição energética. Nesse movimento, quem chama a atenção e toma a dianteira são as mulheres.

Se a mudança do carvão para o petróleo visava eficiência e até redução de custos, agora apostar em energia eólica, solar e hidrelétrica envolve sustentabilidade e cuidado com o meio ambiente. O Brasil, apesar de ter uma matriz energética bastante limpa, enfrenta desafios para se tornar de fato uma potência verde.

Quando se fala em crise climática, as mulheres são as mais afetadas, e elas, em posição de CEOs, diretoras executivas, gerentes, que estão tomando frente na discussão. "As mulheres têm uma tendência a abraçar causas com as quais se importam, são mais envolvidas em promover melhorias gerais do que olhar só para números", diz Renata Isfer, presidente executiva da Associação Brasileira de Biogás. "É o momento das mulheres assumirem essa liderança na transição energética."

Veja mulheres que estão liderando a transição

Clarice Romariz

Engenheira civil de formação, Clarice Romariz, 46, é responsável desde abril pelas operações e manutenção do gasoduto da TAG, empresa de transporte de gás natural, que faz parte da Engie.

Clarize Romariz, CEO da ENGIE Soluções de Operação e Manutenção
Clarice Romariz, CEO da ENGIE Soluções de Operação e Manutenção - Divu

Seu trabalho é com o gás, fonte não renovável, mas que tem baixa emissão comparado ao carvão e ao diesel. Ele seria o que ela chama de "transição da transição". Romariz afirma que há regiões do mundo que estão em etapas diferentes da transição energética que envolve desenvolvimento e acesso. "A gente tem que pensar ao mesmo tempo em trazer fontes renováveis menos poluentes, mas também em dar acesso à energia para populações".

Romariz é otimista e reconhece os avanços na presença feminina na indústria energética, mas ainda há muito a ser feito. Para aumentar o número de mulheres na área, ela atua em três frentes na empresa. A primeira é por meio do projeto Mulheres no Campo, que busca identificar talentos técnicos sem experiência e contratá-los como trainees por um ano. O projeto oferece treinamento técnico, de liderança e performance, para que posteriormente sejam integradas à empresa.

Outra ação é a de desenvolvimento, com trabalho de mentoria e letramento para as lideranças já existentes na empresa. A terceira é a de recrutamento para cargos de liderança.

"A gente está saindo do formato tradicional da energia que existia para trazer coisas novas. Tem muitas mulheres realmente envolvidas no tema e eu acho que é justamente esse olhar fresco que busca novas soluções um dos grandes benefícios da diversidade", diz.

Elbia Gannoum

Elbia Gannoum, 51, foi uma das primeiras economistas mulheres a escrever sobre a indústria de energia no final dos anos 1990. Ela fez mestrado na área de energia e doutorado em engenharia.

Elbia Gannoum, presidente Abeeólica
Elbia Gannoum, presidente Abeeólica - Divulgação

Hoje Gannoum é presidente da Abeeolica, Associação Brasileira de Energia Eólica, uma instituição sem fins lucrativos que representa a indústria de energia eólica do país. Já trabalhou na Aneel, Agência Reguladora, fez parte do Ministério de Minas e Energia —onde participou do comitê de crise de energia em 2001.

Em 2006, assumiu a direção da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), onde permaneceu por cinco anos. Em seguida, foi convidada a liderar a Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), cargo que ocupa atualmente. Naquela época, a energia eólica possuía 1 GW de capacidade instalada, agora encerra o ano com mais de 30 GW, tornando-se a segunda fonte de geração de energia do país.

A primeira COP de Gannoum ocorreu em 2014, em Lima, no Peru. A partir de 2016, Elbia se envolveu mais no debate sobre gênero. Ela desempenhou um papel importante tanto na discussão sobre mudanças climáticas e transição energética como na promoção da diversidade. Em 2019, ela recebeu o prêmio de liderança global em energias renováveis.

"Essa coisa de notar a questão de gênero é muito recente no Brasil", diz. Para Gannoum, isso aconteceu por volta de 2020, depois de a pauta ESG ficar em alta e ser perseguida pelas empresas. "A estrada já está definida, o caminho é aquele, agora a velocidade dessa inclusão precisa aumentar."

Os dados da IRENA, Agência Internacional para as Energias Renováveis, mostram que na indústria de eólica 21% da força de trabalho são mulheres; na indústria de energias renováveis como um todo esse número é 32%. Já na indústria de energia de forma geral, incluindo petróleo, o número é 42%.

Em 2020, Gannoum tornou-se vice-presidente do Conselho Global de Energia Eólica, o Global Engineering Council, e ajudou a criar a iniciativa Women in the Wind, que promove a inclusão de mulheres na indústria de energia.

Participa também do projeto Sim, Elas Existem, uma lista com cerca de 250 mulheres aptas a trabalhar na indústria de energia. Também há os grupos Mulheres de Energia e Energia da Transformação, que promovem diversidade e inclusão no setor.

Na questão da transição energética, Gannoum afirma que o Brasil tem uma vantagem significativa, com 87% de sua matriz energética proveniente de fontes renováveis. No entanto, é necessário realizar mais ações para transformar o país em líder no processo. "O desafio atual é converter o potencial do Brasil em realidade, transformando sua vantagem comparativa em vantagem competitiva", afirma.

Fernanda Delgado

Fernanda Delgado, 49, é diretora executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde). Formada em Relações Internacionais, ela se especializou na área da energia, especificamente geopolítica do petróleo —que envolvia discussões sobre territórios indígenas, questões geográficas, disputa por territórios que tinham reservas de petróleo . Com mestrado e doutorado, ela também é professora de pós-graduação na FGV.

Fernanda Delgado, diretora executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde)
Fernanda Delgado, diretora executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde) - Divulgação

Ela trabalhou na Vale Óleo e Gás e depois migrou para o ramo das energias renováveis. Delgado também foi diretora geral na FGV Energia e no IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), onde era responsável pela sustentabilidade e passou a trabalhar com a regulação e desdobramentos dos projetos de lei relacionados à energia eólica. E a participar de COPs também.

Para ela, o setor de energia renovável tem mais sensibilidade do que o de óleo e gás, que tem empresas muito grandes, multinacionais com grandes estruturas cujas tomadas de decisão ficam concentradas nas mãos de homens.

Delgado dá o exemplo de uma planta eólica, geralmente instalada no interior do país, onde é preciso lidar com uma população mais carente. Ela acredita que a mulher tem mais sensibilidade para lidar com a situação. "Por isso, eu vejo espaços de decisão sendo tomados por mulheres, percebo uma indústria mais homogênea nesse sentido e um espaço maior para crescer e trabalhar pela geografia da indústria renovável."

A indústria renovável, segundo Delgado, já está além da energia, ela soma também a produção e a matéria-prima. "Hoje a gente está falando de descarbonização de processos produtivos, porque eu preciso diminuir a intensidade de carbono do aço brasileiro, da agricultura, do próprio petróleo, para manter os nossos empregos, para manter os produtos brasileiros competitivos no mercado."

Os impasses, segundo ela, são a falta de um ambiente regulatório estável e de política de incentivo, como houve com o Proálcool. Além disso, ela fala sobre a conscientização da população. "O que a gente precisa é trazer a sociedade para o debate, para mostrar a importância disso, para mostrar que mudanças climáticas é um problema de todo mundo, não é um problema das elites, não é um problema dos governos."

Paula Dalbello

A engenheira Paula Dalbello, 37, de Curitiba, teve contato com energias renováveis há mais de dez anos, durante um projeto de construção de uma torre de concreto. Depois disso, ela trabalhou em uma empresa de energias renováveis, atuando em diversas áreas, como meio ambiente, recursos energéticos, regulamentação, terras e planejamento.

Paula Dalbello, Country Manager da  EDP Renováveis
Paula Dalbello, gerente nacional da EDP Renováveis - Divulgação

No meio da pandemia, Dalbello se mudou para São Paulo a fim de encontrar novos desafios. Hoje ela é gerente nacional da EDP Renováveis, empresa que se dedica ao desenvolvimento, implantação e operação de projetos de energia renovável no Brasil.

Ao entrar na EDP, Dalbello passava por uma transformação profissional e pessoal: ela tinha acabado de ser mãe. "Eu amamentei meu filho até quase um ano de idade aqui no escritório", diz. "Para mim era importante ter essa oportunidade profissional, mas também era importante amamentar meu filho."

Ela diz que as empresas têm um papel importante em respeitar e acolher as mulheres.

O setor de energia é conhecido por ser majoritariamente masculino e Dalbello afirma que muitas vezes se viu como única mulher em uma sala de reunião ou evento. Diante desse cenário, sempre buscou se capacitar o máximo possível para ter um bom repertório e ser respeitada.

Ela acredita que há duas missões para quem está em uma posição como a dela: valorizar outras mulheres que também são boas e são capacitadas e mostrar a elas a realidade sobre a sua vida. "Ser mulher com carta de liderança, numa posição estratégica e com visibilidade, faz as pessoas terem uma referência errada de que na sua vida tudo é perfeito, que você consegue equilibrar tudo e tudo dá certo. E a verdade não é essa."

Hoje o conselho de administração da EDP é composto por 40% de mulheres. "A gente tem que valorizar mulheres boas e não só contratar, mas é também impulsionar essas que estão aqui dentro", diz.

Renata Isfer

A posição de liderança sempre foi natural para Renata Isfer, 42, de quando estava na escola como representante de classe, aos dias de hoje como presidente executiva da Abiogás, Associação Brasileira de Biogás.

 Renata Isfer, CEO Abiogás
Renata Isfer, CEO Abiogás - Divulgação

Com um currículo cheio na área pública, ela foi Consultora Jurídica do Ministério de Minas e Energia durante três anos e participou ativamente da criação das políticas públicas que possibilitaram a recuperação do setor de gás, petróleo, energia elétrica e mineração. Ajudou a criar o Renovabio (Política Nacional de Biocombustíveis) em 2016. De 2019 a 2020 atuou como secretária e secretária-adjunta de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia.

O que sempre a fascinou na área foi a ideia de pegar algo que é um problema hoje, o lixo, e transformar em energia. Em 2018, diante da vontade de ver mais mulheres ao seu lado, Isfer co-criou o programa Sim, Elas Existem. "A questão da diversidade era muito tabu na época", diz.

Ela conta que quando iniciou a carreira, por estar em uma posição privilegiada, não percebia o "viés inconsciente e o racismo estrutural" na área de atuação. Achava que chegar a um alto cargo era apenas questão de esforço.

Nos times que monta, sempre faz questão de que ele seja composto por metade mulheres. "Não é uma guerra dos sexos, é uma soma de formas, você ter pessoas diferentes traz melhores resultados".

Em relação às dificuldades que o Brasil enfrenta na transição energética, Isfer diz que falta o país mostrar protagonismo. Segundo ela, quem começou a falar sobre o assunto foram países da Europa, mas todo o potencial para descarbonizar o planeta vem do sul global. "A gente precisa deixar de receber tendências para passar a mostrar as soluções que a gente pode levar para o mundo", diz.

Para ela, a grande lição que o Brasil tem para o mundo é a bioenergia, que não é considerada tão verde como a solar e a eólica, mas olhando toda a produção, do descarte da bateria até a coleta de lixões e aterros sanitários, o saldo é positivo. "Os efeitos das mudanças climáticas são gritantes hoje, a gente tem que cuidar, hoje se tornou ainda mais claro que essa transição energética tem que considerar a redução das transmissões de carbono."

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Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior desta reportagem, o nome da engenheira civil Clarice Romariz havia sido escrito com a grafia incorreta.

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